
Mercado não gostou de fala de Lula
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Ainda que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tenha tocado em seu discurso em assuntos sensíveis ao mercado, as sinalizações não devem ter impactos tão relevantes na negociação de papéis, segundo o economista-chefe da RPS Capital, Victor Candido. Na visão dele, os investidores já haviam incorporado aos preços o fato de que o presidente anuncie a intenção de revogar o teto de gastos, por exemplo “Já estava na berlinda desde junho, quando o governo Bolsonaro fez a PEC Kamikaze.”
Já a extensão da isenção tributária sobre combustíveis por 60 dias, assinada ontem, tem potencial de ampliar a volatilidade dos ativos locais neste início de ano. “A notícia pode ser mal recebida porque demonstra menor poder do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vinha destacando a importância de manter a arrecadação dos R$ 53 bilhões em tributos”, diz Candido. Alguém vai pagar a conta desse futuro aumento de impostos, o que pode recair sobre a Petrobras, avalia.
Segundo Otávio Vieira, sócio-gestor da Nest Investimentos, agora todas as atenções estarão voltadas sobre como o governo vai conduzir o equacionamento da dívida pública dado que o Banco Central (BC) é independente e uma injeção de gastos na economia pode afetar a inflação. “Em 2023, mais uma vez, a renda fixa vai prevalecer, o CDI vai ser disparado o melhor investimento de qualquer ângulo que se olhe, do retorno propriamente, ou pela relação risco-retorno, vai ser um ano duro.”
No curto prazo, a reação dos investidores tende a ser negativa, diz Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da Guide Investimento. Embora o conteúdo trazido por Lula não seja novo, fazer afirmações na campanha é uma coisa, reafirmá-las como presidente tem mais peso. “Muita gente tinha a expectativa de que ele moderasse o discurso após a posse, mas isso não ocorreu.”
Segundo o especialista, ao dizer que o teto de gastos é uma “estupidez”, Lula coloca dúvidas sobre a manutenção de uma política fiscal controlada, além de insistir no uso de empresas estatais como indutoras do crescimento econômico, o que não deu certo no passado.
Durante suas considerações, Lula emitiu alguns sinais pró-responsabilidade fiscal, ao dizer que em seus governos anteriores fez superávit primário e reduziu a dívida externa, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “O que trará impacto realmente é a nova regra fiscal. Mas fica um sentimento de que não vai ser tão firme.”
No lado da gestão de recursos, Vieira diz que é hora de evitar ativos de empresas desproporcionalmente alavancadas e entender quais setores tendem a ser beneficiados.
A reedição do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, pode trazer dinamismo à construção civil, um dos segmentos mais afetados na bolsa ao longo de 2022, mas há dúvidas se o agronegócio pode ser um dos alvos da artilharia da Receita Federal, porque haveria a avaliação de “ser pouco taxado”.
Cruz, da RB, avalia que as ações da Petrobras e do Banco do Brasil, que sofrem desde o resultado da eleição de Lula, continuarão sendo relegadas pelos investidores, enquanto companhias do setor de construção civil podem ganhar algum alento.
O discurso como um todo, segundo Vieira, “Foi pobre a respeito de conteúdo programático, deixando claro que vai usar BNDES, Caixa e autarquias para induzir o gasto público sem contrapartida de receita”, afirma
Na sua fala, Lula fez referências ao governo Bolsonaro como um legado ruim para a economia brasileira. “Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas.”
Para Vieira, trata-se de um tom “muito diferente do ‘Lulinha paz e amor’ do primeiro mandato”, duas décadas atrás, e se aproxima mais do intervencionismo do segundo governo da ex-presidente petista Dilma Rousseff, que sucedeu a Lula.
Foi um período em que as ações da Petrobras, por exemplo, caíram às suas mínimas históricas e a alavancagem saltou. “Ele vai tentar a fórmula pseudo socialista de distribuição de renda para os mais pobres e taxar mais a classe média e os empresários.”
A retomada do “Minha Casa Minha Vida” e a estruturação de um novo programa de aceleração de crescimento (PAC) para gerar empregos foram outros pontos enfatizados por Lula.
Ele afirmou em seu discurso ainda que “os bancos públicos, especialmente o BNDES, e as empresas indutoras do crescimento e inovação, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo” e que “a roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central neste processo”.