Ministros do União Brasil são todos problemáticos
Foto: AFP e da Agência Brasil
Na bolsa de apostas de qual será a primeira demissão no Ministério de Lula, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, está disparada em primeiro lugar. Ela chamou atenção esta semana por sua imagem sorridente ao lado de milicianos, mas este não é seu único ponto vulnerável.
O episódio da foto da ministra com o “Jura”, revelado pela “Folha de S.Paulo” e por “O Globo” caminhava para a inconsequência, a tomar por base os comentários sobre a imagem feitos ontem pelo senador Jaques Wagner e o ministro Paulo Teixeira, no estilo “quem nunca?”. Mas aí apareceu, no fim da tarde, outra foto com outro miliciano, o “Marcinho Bombeiro”, que não é um miliciano qualquer: foi vereador em Belford Roxo, o reduto político da ministra, e teve dois parentes empregados na prefeitura. No começo da noite, mais uma: “O Globo” divulgou a foto da ministra ao lado de “Fabinho Varandão”, durante a campanha. O miliciano número 3 festejou nas redes sociais a chegada da deputada na Esplanada. Trata-se portanto de uma crise em curso.
Situação dos ministros do União Brasil é vulnerável
A ministra tem outros atributos, além de suas ligações comprometedoras, para ser a primeira despejada: pouca identificação com seu partido, o União Brasil, já que é uma recém-chegada do MDB, pouca identificação do seu partido com o governo e baixa expressão política no Congresso, onde era conhecida até a semana passada como “Daniela do Waguinho”, uma referência a seu marido, o prefeito de Belford Roxo Wagner Carneiro, o “Waguinho”. Mas não é só a ministra que tem problemas para se manter na Esplanada.
Com 59 deputados e 9 senadores, o União Brasil poderia ser, em tese, a principal sigla governista no Congresso. O partido, contudo, é uma contradição em termos. Possivelmente é a sigla mais desunida do país. E se a expectativa do presidente Lula é que os ministros do partido trabalhem para fazer esta argamassa, é possível que haja a experimentação de outros nomes.
A tarefa de articulação no União Brasil nem está propriamente sob os ombros da ministra do Turismo. Recai mais sobre o titular das Comunicações, Juscelino Filho, um operador do Orçamento, relator da LDO em 2021; e o da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, que será um grande pagador de emendas parlamentares RP-2.
O União Brasil colaborou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para entregar-lhe orçamento, ao aprovar a PEC da Transição. Agora terá poder na execução do Orçamento, mas isto não é do desejo do Planalto ter que negociar do zero, votação por votação, como pretende fazer parte da bancada.
Praticamente ninguém da sigla esteve na posse de Juscelino Filho e poucos do União Brasil prestigiaram Daniela Carneiro. Os deputados não se sentem representados porque enxergam nas indicações, todas elas, um movimento “de cima para baixo e de fora para dentro”, como afirmou o deputado Danilo Forte, da seção cearense da sigla. De cima para baixo porque estava na pista para ser ministro o próprio líder da bancada, Elmar Nascimento.
O “de fora para dentro” também compreende-se: Waldez de Góes, amapaense, é o primeiro fora do Nordeste a assumir a área de desenvolvimento regional desde o governo Collor. É uma indicação do senador Davi Alcolumbre, um dos artífices do orçamento secreto, mas sequer pertence ao União Brasil. Está filiado ao PDT e não deve trocar de partido tão cedo.
No caso de Daniela Carneiro, há duas explicações para sua nomeação: a origem fluminense e o fato de ser evangélica. É uma tentativa de Lula de quebrar uma dupla fortaleza bolsonarista por meio do clientelismo da bica d’água, para usar uma expressão clássica do Rio de Janeiro. Nos anos 70 e 80, o então governador Chagas Freitas se notabilizou por construir uma máquina política por meio da troca de favores miúdos, também chamada de chaguismo.
Daniela forma uma unidade com o marido que nenhum ‘rebranding’ de seu nome poderá apagar tornou-se ministra e foi eleita por ser “do Waguinho”. Não se trata de machismo, mas da constatação de um fato que a ministra representa um grupo político, Daniela é “do Waguinho” e Waguinho “da Daniela”, como disse durante a posse o novo presidente da Embratur, Marcelo Freixo.
Terceiro maior colégio eleitoral do país e terceira maior bancada congressual, o Rio de Janeiro é governado pelo bolsonarista (ainda que não muito) Cláudio Castro e só está representado na Esplanada pela pasta do Turismo. Castro não pode se reeleger governador em 2026 e as ambições políticas de Waguinho não são pequenas.
Sentado confortavelmente em uma sala após a posse, conversando por telefone próximo a uma mesa com bebidas e salgadinhos, Waguinho era tratado por seus interlocutores como futuro governador do Rio de Janeiro. Ele, assim como Daniela, é evangélico. Waguinho tomou posse como prefeito em 2017 dentro de uma Igreja, a Igreja Nova Vida de Heliópolis e os evangélicos votaram de modo quase monolítico em Bolsonaro. Belford Roxo foi um dos seis municípios da Baixa Fluminense em que a quantidade de evangélicos superou a de católicos no censo de 2010, uma diferença que já deve ter aumentado.
Waguinho aposta em uma guinada movida a um clientelismo de almanaque, de tão preso ao padrão do chaguismo. “Nem só de pão vive o homem”, comenta. “As lideranças precisam ter o que entregar, daqui a pouco estarão todos orando por Lula”, comentou. Será a ocasião, aposta Waguinho, em que as lideranças evangélicas terminarão pedindo desculpas ao Brasil, por terem dado tratamento de ungido a Bolsonaro.
Para Waguinho, o PT no poder “não vai cometer os erros de antes, não vai cair nas bandeiras radicais”. Na cartilha de Waguinho, ideologia não existe. “Eu sou um esquerdista de centro-direita”, afirmou o prefeito, que na campanha foi um interlocutor frequente do senador Flávio Bolsonaro e que em 2014 apoiou Eduardo Cunha para deputado federal.
Há ceticismo em Brasília sobre o poder do casal Carneiro de entregar o que vende. O entrelaçamento entre o fundamentalismo religioso e a extrema-direita não acontece apenas no Brasil, é um fenômeno mundial. E o vínculo entre a Bíblia e a bala é um casamento forte sobretudo no Rio de Janeiro, como o álbum de campanha de Daniela comprova.