País trará relojoeiros suíços por relógio vandalizado

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Foto: Reprodução

Símbolo da destruição deixada pelos invasores do Palácio do Planalto, o relógio de Balthazar Martinot, dado a Dom João VI pela Corte francesa pode ser reconstruído com ajuda internacional. Ao GLOBO, o diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais, Rogério Carvalho, afirmou que está em tratativas com a embaixada suíça e uma relojoaria do mesmo país para que técnicos venham ao Brasil para trabalhar na recuperação da peça.

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De acordo com Carvalho, devido à técnica utilizada por Martinot para confecção do relógio, é necessário que haja uma equipe altamente especializada para reconstituí-lo.

Imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostram que a peça foi destruída por um homem vestindo uma camisa preta com a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro. Após derrubar o relógio no chão, ele ainda atira o armário sobre qual ele estava apoiado em cima, ampliando o dano.

— Estamos pensando em fazer um ateliê de restauro no próprio Palácio. Então, as obras não sairiam daqui para lugar nenhum e os técnicos viriam restaurá-las aqui. A gente pensaria também numa proposta de educação patrimonial, ou seja, não só a execução do restauro de todas as obras aqui podendo ser acompanhada, inclusive pela população em uma visita, como também a capacidade técnica dos técnicos suíços sendo repassada aos técnicos brasileiros — afirmou o diretor.

Já na Câmara, o trabalho de restauração do patrimônio histórico destruído durante os atos terroristas de 8 de janeiro conta com uma equipe especializada que faz parte de um setor específico para conservação e restauro do acervo próprio da Casa.

Segundo a chefe da área de Conservação e Restauração da Câmara, Gilcy Rodrigues, 60% do acervo impactado foi restaurado por uma equipe de cerca de 15 funcionários. Os trabalhos mais difíceis ainda estão passando pelo processo de restauração. É o caso do ovo de avestruz adornado, presente de um parlamentar do Sudão. A peça foi totalmente destruída pelos vândalos e seus cacos estão reunidos em uma bandeja no laboratório de restauração, ao lado de uma porcelana húngara, o vaso chinês e outros objetos com danos mais significativos.

Profissionais com formações diferentes também trabalham na restauração do Muro Escultórico feito por Athos Bulcão. O painel de madeira foi projetado a pedido de Oscar Niemeyer nos anos 1970. Desde que foi colocado no Salão Verde da Câmara, a obra havia sido retirada do lugar apenas para troca de carpete. Agora, foi totalmente desmontado após ser furado, lascado e arranhado pelos golpistas. Além disso, o carpete molhado pelos vândalos poderia danificar ainda mais a madeira da obra.

Para chegar à cor exata usada por Athos Bulcão, a equipe de restauração da Câmara entrou em contato com a fundação que leva o nome do artista para colher mais detalhes a respeito da obra e das técnicas utilizadas por ele. Na tarde de quarta-feira, uma restauradora especializada no uso das cores testava mais de cinco tons em uma paleta.

Há 30 anos na Casa, Rodrigues ainda chora ao falar do rastro de destruição deixada pelos terroristas. Filha de um dos chamados “candangos”, operários que construíram Brasília, a servidora relata que se sentiu como se tivesse sido agredida.

— A gente se sente vilipendiado, parece que entraram na casa da gente — descreve Rodrigues, emocionada. — Tudo aqui dentro é história e os nossos objetos têm uma representatividade enorme com relação às questões históricas, foi o Muro (Escultórico) que foi colocado lá pelo próprio Athos Bulcão, exatamente para compor o espaço. É o painel Ventania (de Athos Bulcão) que foi construído para que fossem criadas as salas administrativas, tudo tem história.

Segundo ela, uma possibilidade avaliada pela equipe nos casos de danos considerados mais graves é a chamada “restauração arqueológica”, em que as marcas da destruição continuariam nas peças.

— Há várias linhas possíveis de restauração. Eu posso fazer um restauro artístico e te devolver o objeto tal qual ele é. Faltando pedaços é complicado, mas eu posso reconstituir essas partes que estão faltando, e inclusive continuar o traçado dessa peça. Existe também o restauro arqueológico, no qual eu vou te mostrar a história do dano. Como é que eu te mostro a história do dano? Apenas encaixo as partes que eu tenho e deixo o dano à mostra. Existem muitas possibilidades, agora, falar para um restaurador que ele não vai conseguir restaurar é demais — brinca a especialista após ser questionada a respeito de objetos com danos irreversíveis.

No Planalto, por exemplo, o Curador defende que alguns objetos restaurados tenham o registro de que foram refeitos após a obrar ser destruída em um ataque golpista para registrar o ato dos terroristas em termos históricos. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, planeja criar um memorial sobre os ataques. Na Câmara, o acervo voltará a ser exposto assim que a recuperação seja finalizada. De acordo com o chefe do Museu da Casa, a instituição deve manter o acesso às obras de arte normalmente.

— A gente já trabalha com gestão de risco e acho que não se pode também atingir o objetivo dessas pessoas. Danificaram esses bens e a gente vai apagar esses bens? Apagar o acesso da população a eles? De forma nenhuma. É um patrimônio da sociedade, então vai continuar sendo preservado e vai continuar sendo exposto — argumenta Marcelo Sá, diretor do Museu.

Estadão