São Paulo vive surto de racismo

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Os casos de racismo aumentaram 128% no estado de São Paulo entre 2019 e 2021. Os registros deste tipo de crime, entre janeiro e outubro do ano passado, também já superam a totalidade dos três anos anteriores. Os dados constam dos boletins de ocorrência registrados nas delegacias paulistas.

A Polícia Civil registrou 412 ocorrências de discriminação racial, em 2019, 553 em 2020, e outros 956 no ano seguinte. Nos dez primeiros meses do ano passado, foram 964 casos relatados por vítimas, representando um registro a cada oito horas.

Simone Nascimento, coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), atribui o aumento de registros de crimes de racismo a dois fatores. O primeiro é o fato de o movimento negro pautar, cada vez com maior visibilidade, a questão da natureza criminal de falas e atitudes racistas.

“Há um aumento de consciência entre a população negra de que racismo não pode ser naturalizado, que racismo é crime, que precisa ser denunciado”, afirma Simone.

Ela acrescentou que, concomitantemente, houve no mundo e no Brasil, nos últimos quatro anos, um aumento na intolerância, na raiva e no ódio que mira especialmente corpos negros e pobres.

“Ao passo que a extrema-direita cresceu no Brasil e no mundo, o racismo cresceu com ela. Ao mesmo tempo, há uma população negra cada vez mais com consciência de que racismo é crime”, afirma, referindo-se aos governos de Jair Bolsonaro e Donald Trump nos Estados Unidos.

A cidade de São Paulo segue a mesma tendência de alta para crimes de discriminação racial. Entre 2019 e 2021, foram, respectivamente, 146 e 311 casos de racismo, alta de 113%. Em 2022, em seus dez primeiros meses, já foram 392 ocorrências.

O tenente-coronel da Polícia Militar, Evanilson Correa de Souza, foi alvo de ofensas racistas, em fevereiro de 2021, justamente quando ministrava um seminário sobre o tema, em um curso online do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

À época, um suposto hacker invadiu a plataforma do curso e escreveu “macaco” em um slide de apresentação. O caso foi registrado como preconceito racial consumado no 14º DP (Pinheiros).

O oficial afirmou ao Metrópoles, na sexta-feira (6/1), que nenhum suspeito foi identificado ou preso até o momento. Ele acrescentou que, desde então, não foi vítima de nenhum caso “patológico” de racismo.

Estudioso do tema, ele corrobora as afirmações da ativista Simone Nascimento, acrescentando a reflexão de que somente o esclarecimento do que é o racismo, e sua divulgação massificada, pode ajudar a inibir eventuais autores deste tipo de crime, a médio e longo prazos. “Acredito muito na questão da informação. Quanto mais se conhece o crime, mais ele pode ser denunciado.”

Segundo o oficial da PM, algumas vítimas deixam de denunciar os crimes raciais porque querem se mostrar fortes, e não se “vitimizarem”. “Uma expressão que não gosto, que odeio, é o tal do ‘mimimi’. Isso é uma forma de intimidar a vítima, para que ela não promova a denúncia, para que ela não tenha coragem de informar que foi vítima de racismo e admitir que foi vítima”, explica.

Para tirar o “peso do coitadismo” das costas das vítimas, o policial afirma que o racismo precisa ser debatido, pois se a pessoa que realiza o crime não se sentir inibida ao praticá-lo, ocorre uma inversão de valores, na qual “o criminoso fica livre e a vítima constrangida.”

A alta no número de registros, destaca o PM, já é um indício de que as coisas estão mudando nesse sentido. Além das vítimas, diz, a população de uma forma geral precisa compreender que racismo é crime, pois com isso pode contribuir ao denunciar situações em que eventualmente as vítimas estejam sendo inibidas pelos criminosos.

“Com isso, ocorrem mais notificações sobre o crime, produzindo um efeito reverso, a médio e longo prazo, promovendo a redução do crime propriamente dito. O autor pensa duas vezes antes de cometer o crime”, projeta.

O humorista Eddy Jr. usou suas redes sociais para expor uma série de ataques racistas que sofreu de uma vizinha, em outubro do ano passado, no condomínio onde mora. “Macaco, imundo, sujo e bandido” foram algumas das palavras usadas por ela para se referir ao comediante.

“Não sei descrever o sentimento que estou sentindo. Venci fazendo as pessoas sorrirem e isso não vai mudar, vou continuar fazendo vocês sorrirem, porém agora vai ser um pouco mais difícil”, afirmou Eddy na ocasião.

Em 22 de dezembro, ele contou em suas redes sociais que encontrou pela primeira vez com sua vizinha Elisabeth Marrone e seu filho, apontados como os responsáveis por cometer racismo contra o humorista.

Eddy afirmou em seu Twitter que “arrebentou” o filho de Elisabeth. “É o seguinte, acabei de encontrar com minha vizinha e o filho dela… Arrebentei o mano, muito soco e tapa na cara é isso. Eles foram pra delegacia”, escreveu.

O caso é investigado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo atribui o aumento nos registros de casos de discriminação, de uma forma geral, à divulgação das ocorrências pela mídia, que incentivam as denúncias, além dos trabalhos da Delegacia da Diversidade Online, que facilita o registro dos crimes.

A pasta acrescentou que policiais são capacitados para atender vítimas deste tipo de infração, por meio de cartilhas e cursos. Nos casos de crimes raciais e de intolerância, a SSP orienta para que as vítimas registrem o caso na Decradi.

Metrópoles