STF reverte anistia para assassinos do Carandiru
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Atendendo pedido do procurador-geral da República Augusto Aras, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu trecho do indulto do presidente Jair Bolsonaro que beneficiou policiais condenados pelo massacre do Carandiru. A avaliação foi a de que a manutenção do indulto aos 74 policiais militares condenados no caso pode resultar na ‘concretização de efeitos irreversíveis. Além disso, a ministra viu necessidade de prevenir eventual condenação do Estado brasileiro, em razão de o ‘perdão’ aos PMs pode configurar transgressão às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.
A decisão de Rosa derruba um trecho essencial para o enquadramento dos PMs sentenciados pelo Massacre do Carandiru, o qual estabelecia o indulto para crimes não considerados hediondos ‘no momento de sua prática’.
O PGR contestou a medida argumentando que o decreto de Bolsonaro viola a Constituição – que veda o indulto para crimes hediondos. Segundo Aras, a aferição sobre o caráter do crime deve ser feita não no momento de sua prática, como no decreto do ex-presidente, mas sim na data da edição do texto.
Outro trecho suspenso por ordem da magistrada também abria brecha para que os PMs pudessem ser abarcados pelo ‘perdão’ de Bolsonaro. O decreto registrava não abarcar crimes praticados mediante ‘grave ameaça’, com uma exceção – tal vedação não valeria para o dispositivo no qual os condenados pelo Massacre do Carandiru foram enquadrados.
“A suspensão dos dispositivos impugnados surge como medida de cautela e prudência, não só pela possibilidade de exaurimento dos efeitos do Decreto Presidencial antes da apreciação definitiva dos pedidos deduzidos, como também para prevenir a concretização de efeitos irreversíveis, conferindo, ainda, segurança jurídica aos envolvidos”, registrou.
A medida foi tomada em caráter liminar, durante o recesso judiciário, para evitar a ‘possibilidade de concretização de efeitos irreversíveis’ . A suspensão tem validade até o ministro relator, Luiz Fux, analisar os argumentos da PGR, depois da abertura do ano judiciário, em fevereiro. A magistrada já indicou que a medida será submetida a referendo do plenário da Corte máxima.
Segundo Rosa, a suspensão é uma medida de ‘cautela e prudência’ tanto pela possibilidade de os efeitos do indulto se esvaziarem antes de o Supremo analisar os pedidos da PGR, como para ‘impedir a concretização de efeitos irreversíveis, conferindo a necessária segurança jurídica a todos os envolvidos’.
A ministra destacou que o decreto de Bolsonaro não só produz efeitos jurídicos internos, mas também ‘na esfera do sistema internacional de direitos humanos’. Rosa lembrou que o Brasil foi denunciado, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo Massacre do Carandiru. A conclusão da Comissão foi a de que o Brasil ‘violou suas obrigações’ ligadas aos direitos à vida e à integridade pessoal, assim como às garantias e proteção judicial da Convenção Americana, ‘pela falta de investigação, processamento e punição série e eficaz dos responsáveis’.
“Diante do mencionado relatório, o indulto aos agentes públicos envolvidos no Massacre do Carandiru pode, em princípio, configurar transgressão às recomendações da Comissão, no sentido de exortar o Brasil à promoção da investigação, do processamento e da punição séria e eficaz dos responsáveis. No caso, a clementia pincipis, em juízo de estrita delibação, resultaria na extinção da punibilidade dos possíveis envolvidos e consequentemente no encerramento de todos os atos estatais voltados à apuração dos fatos, à identificação dos responsáveis e à aplicação das respectivas reprimendas”, ressaltou.
O trecho do decreto de Bolsonaro que beneficia os PMs registra: “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.
Ainda de acordo com o decreto, o indulto se aplica ‘às pessoas que, no momento do fato, integravam os órgãos de segurança pública, na qualidade de agentes públicos’.
O Massacre do Candiru completou 30 anos no dia 2 de outubro deste ano, sendo abarcado pelo decreto. Além disso, o crime de homicídio, pelo qual os policiais militares foram condenados, só entrou no rol de crimes hediondos em 1994 – ou seja, também dentro dos parâmetros do documento assinado por Bolsonaro.
A possibilidade de Bolsonaro indultar os PMs envolvidos no massacre do Carandiru já era um ponto de atenção dentro da Promotoria de São Paulo desde o dia 17 de novembro, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, reconheceu o trânsito em julgado de de decisões que mantiveram a sentença do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceu as condenações dos PMs.
Antes de Aras pedir ao Supremo a de derrubada do decreto Bolsonaro, o Ministério Público paulista acionou a PGR, destacando como o indulto aos PMs do Carndiru atenta contra a ‘dignidade humana e aos princípios mais basilares e comezinhos do direito internacional público’, afrontando ‘decisões dos órgãos de monitoramento e controle internacionais’.
O certificado expedido por Barroso significa que as condenações dos PMs são definitivas, ou seja, eles não podem ser mais absolvidos. Ainda está pendente de discussão do Tribunal de Justiça de São Paulo pedido para reduzir as penas dos réus. O julgamento sobre a dosimetria das penas foi suspenso no final de novembro, após pedido de vista do desembargador Edson Aparecido Brandão, da 4.ª Câmara Criminal da Corte paulista.