Bretas aspirava ser ministro do STF
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Quando, em 2015, as ramificações fluminenses da Operação Lava-Jato chegaram à 7ª Vara Federal Criminal, recém-assumida pelo juiz Marcelo Bretas, o magistrado era uma figura sob poucos holofotes. Não demorou para que, ao enquadrar figurões da política brasileira, como três ex-governadores e até um ex-presidente, Bretas virasse um rosto conhecido — atenção que não pareceu incomodar. No fim de 2017, já em evidência, ele entrou para o Twitter, onde chegou a ironizar denúncias sobre o recebimento de auxílio-moradia com a mulher, também juíza.
“Sempre que penso ter direito a algo eu VOU À JUSTIÇA e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto ou pegar escondido ou à força”, escreveu na ocasião, pouco antes de desativar o perfil — no qual chegou a postar foto com um fuzil — em meio a críticas. Mais tarde, ele retomou as atividades virtuais e também passou a marcar presença no Instagram, onde compartilhava uma rotina de malhação pesada — ele também toca bateria nas horas vagas. Nas redes, houve um pouco de tudo, com direito a bate-boca com o ex-deputado federal Jean Wyllys, que fez insinuações sobre sua sexualidade, e a defesa veemente de Neymar quando o jogador foi acusado de estupro por uma modelo.
Nesta terça-feira, Bretas foi afastado das funções pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acusado de desvios de conduta. Há apenas três anos, a maré parecia bem mais favorável para o juiz. Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro prometia escolher um nome “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), o magistrado, adepto da religião, era apontado como um dos favoritos para o cargo — o que, segundo o próprio, significaria o auge da trajetória.
— Se quero ser ministro do Supremo? Olha, não é meu projeto de vida. Agora, sei que ser ministro do Supremo é uma promoção ao topo da carreira. É o auge, o topo, uma honra — afirmou ao GLOBO.
Quando Bolsonaro passou a seguir seu perfil no Twitter, Bretas derreteu-se: “Honrado em ter dentre os seguidores desta conta o Presidente da República do Brasil. Gratidão”. Apesar do afago, a vaga destinada ao ministro fiel acabou preenchida pelo ex-advogado-geral da União André Mendonça
Bretas, aliás, já expressava simpatia pelos Bolsonaros durante a campanha eleitoral de 2018, quando curtiu e comentou diversas postagens do então candidato. Os laços continuaram a se fortificar depois da vitória do ex-presidente. Em dezembro daquele ano, o juiz teve um encontro de duas horas em seu gabinete com o então senador eleito Flávio Bolsonaro.
O ritmo sintonizado ao do ex-presidente apareceu também na relação com o ex-juiz Wilson Witzel, eleito governador do Rio no mesmo ano no esteio da ascensão bolsonarista . Acusado pelo principal rival de Witzel naquela disputa, o hoje prefeito Eduardo Paes, de favorecer o colega de profissão e amigo de longa data com decisões às vésperas do pleito, Bretas afastou-se gradativamente do ex-titular do Palácio Guanabara, que acabou sofrendo um impeachment, conforme ele foi se afastando do ex-presidente, com direitos a ataques públicos.
Bretas tinha fotos ao lado do governador do Rio no Maracanã, em jogos do Flamengo, e também no Sambódromo, quando foi ao camarote do governo do estado acompanhado da mulher. Tudo foi apagado das redes. Até o registro dos dois juntos em um voo da Força Aérea Brasileira para a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, sumiu.
Em fevereiro de 2020, Bretas esteve em um culto evangélico na Praia de Botafogo ao lado de Bolsonaro e do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella. Sob o escaldante sol carioca, de paletó e sem gravata, a figura não lembrava em nada o tipo sisudo dos duros interrogatórios com Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e companhia. Ele chegou a andar no carro oficial do ex-presidente e tirou fotos com o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno.
As prisões de Cabral, Pezão, Moreira Franco, todos ex-governadores, e do ex-presidente Michel Temer conferiram a Bretas o apelido de “Moro carioca”, numa referência à principal marca da Lava-Jato, que também aproximou-se de Bolsonaro ao aceitar ser ministro da Justiça. Dezenas de prisões de políticos e empresários chanceladas pela 7ª Vara Federal Criminal, porém, acabaram revertidas posteriormente por instâncias superiores. O ministro do STF Gilmar Mendes, que chegou a soltar 19 presos da Lava Jato no Rio em 20 dias, acusou Bretas de abuso de autoridade. O juiz respondeu com um ofício dizendo que a corrupção não poderia ser tratada como um “crime menor”.
O afastamento pelo CNJ, nesta terça-feira, foi decidido por 11 votos a quatro. A sessão ocorre de forma sigilosa, por envolver conteúdos de delações premiadas. Estão sendo analisadas três reclamações disciplinares apresentadas contra Bretas.
Uma delas partiu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e cita fatos relacionados a três acordos de colaboração premiada celebrados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologados nas cortes superiores — Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Os documentos, de acordo com a acusação, mostram que o magistrado negociaria penas, orientaria advogados e combinaria estratégias com o Ministério Público.