Exército e PF barram comentários de bolsonaristas

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Foto: Reprodução

Com a polarização política e o ambiente hostil da internet, órgãos públicos brasileiros estão fechando as portas para a interação nas redes sociais ao restringir a função de respostas e comentários em suas postagens.

Levantamento feito pelo Metrópoles identificou ao menos 11 órgãos ligados ao governo federal que não aceitam mais comentários do público em seus perfis em sites como Facebook, Instagram e Twitter; incluindo Exército, Polícia Federal, Ministério das Relações Exteriores e Caixa Econômica Federal.

Em alguns casos a restrição à interação com os cidadãos já vai completar um ano, mas a maioria dos órgãos que tomou essa decisão o fez nas semanas seguintes à derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o atual chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desde o resultado das eleições, as caixas de comentários de grande parte das postagens de órgãos públicos em qualquer rede viraram receptáculo de milhares de protestos raivosos, xingamentos, pedidos por golpe de Estado e ataques à democracia vindos de perfis de bolsonaristas que não aceitaram a derrota.

Os casos mais significativos desse ataque de extremistas se dão nos perfis ligados às Forças Armadas. Qualquer postagem nos perfis ligados aos militares se tornou alvo de milhares de bolsonaristas desde a eleição, invariavelmente pedindo “socorro” aos fardados até que Lula tomasse posse – e os xingando pesadamente desde que o petista subiu a rampa do Palácio do Planalto.

As respostas de teor golpista ou com xingamentos ocorreram independente do teor das postagens, afinal os perfis militares mantiveram um comportamento institucional ao longo de todo o período eleitoral e depois dele, sem comentar, por exemplo, os acampamentos golpistas que se formaram na frente de quartéis após a derrota de Bolsonaro.

A decisão de lidar com os ataques por meio da interdição dos comentários não segue nenhum padrão e parece ser tomada no âmbito de cada órgão. Tanto que os perfis do Exército em todas as redes adotaram o bloqueio entre novembro de 2022 e janeiro deste ano, mas a Marinha e a Aeronáutica seguem com os comentários abertos – e recebendo xingamentos.

Cada Comando Militar tem suas próprias redes e, segundo o levantamento da reportagem, os do Leste, do Norte, do Sul e da Amazônia fecharam os comentários, enquanto o do Oeste e o do Planalto continuam com os espaços abertos.

Um dos últimos órgãos que fechou a interação foi a Polícia Federal, que restringiu os comentários em seus perfis de todas as redes no último dia 22 de janeiro.

Até esse momento, cada postagem do órgão estava sendo alvo de ataques pelo trabalho da instituição na repressão aos extremistas que tentaram dar um golpe de Estado em 8 de janeiro ou aos garimpeiros que contribuem para a crise humanitária no território Yanomami.

A última postagem da PF com comentários abertos no Instagram falava sobre a existência de jet skis na frota do órgão. “Pra que? Pra cumprir ordem ilegal no mar?”, questionou um internauta. “Pro Xandão andar no lago Paranoá?”, perguntou outro. “Pra que? Prender patriotas que protestam contra claras fraudes eleitorais?”, escreveu um terceiro.

O post teve mais de 700 comentários, quase todos parecidos com os três citados, até a equipe de comunicação da entidade fechar o espaço para novas manifestações.

Os perfis do Ministério das Relações Exteriores nas redes sociais também estão fechados, mas há praticamente um ano, desde fevereiro de 2022, quando o órgão fez uma postagem sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. A interação foi fechada após um comentário crítico e permanece fechada desde então.

“Somente depois de 12 dias de guerra, se deram conta da gravidade e que realmente existe a guerra??? Vimos muitos relatos da falta de apoio e comprometimento deste órgão. Muitos brasileiros contaram sim; com o auxílio de outros brasileiros voluntários. Repúdio!”, dizia o comentário.

Em outro exemplo de que não há uma coordenação na decisão de fechar os comentários, o Banco do Brasil segue com a interação aberta normalmente em seu perfil, mas outro banco público, a Caixa, não permite comentários em suas postagens.

Isso ocorre desde junho do ano passado, quando a instituição explicou aos internautas a decisão baseando-se em uma interpretação da legislação eleitoral.

“Em atendimento à legislação eleitoral, os comentários dos perfis da #CAIXA e #LoteriasCAIXA nas redes sociais permanecerão desabilitados até o final das eleições”, dizia a postagem, acompanhada pela indicação de outros canais pelos quais as pessoas poderiam entrar em contato, como um número de telefone.

Restrições a comentários ou mesmo ao acesso aos perfis em redes sociais são ferramentas oferecidas pelas plataformas aos usuários e usadas por eles normalmente em contextos de ataques em massa vindos de outros perfis após postagens polêmicas ou a perseguições.

Normalmente, o recurso do bloqueio a comentários é usado por pessoas físicas ou empresas privadas, sendo o uso dessa ferramenta por órgãos públicos uma novidade no Brasil

Apesar de os órgãos públicos terem a publicidade e o atendimento à população como obrigações legais, não há legislação específica sobre a aceitação ou não de comentários nas postagens em redes sociais. Diante disso, fica à cargo de cada órgão a decisão sobre como agir.

A cientista política Maria Carolina Lopes, especialista em accountability e comunicação digital explica que essa questão ainda é uma espécie de dilema para quem estuda o tema. “Se por um lado comentários públicos podem aproximar os cidadãos das instituições, por outro lado, grupos organizados podem ‘sequestrar a pauta’, dando a entender que são muito mais numerosos do que de fato são”.

Ainda segundo a especialista, “isso é ainda mais grave em um contexto de desinformação, porque grupos que promovem desinformação usam estratégias de floodar páginas de instituições com seu conteúdo”.

Para ela, em momentos como esse, as instituições podem substituir esses recursos dos comentários por canais em que podem filtrar as demandas que chegam da sociedade e, ainda assim, promover accountability. “Elas podem abrir canais no Whatsapp, por exemplo, para receber demandas e filtrar o que corresponde à demandas viáveis à sociedade do que é desinformação ou se refere a ações antidemocráticas”, completa Maria Carolina.

O Metrópoles entrou em contato com os órgãos públicos citados nesta reportagem para perguntar as razões do bloqueio aos comentários em suas postagens nas redes sociais. Até a publicação, apenas o Itamaraty e a Caixa haviam respondido.

“O Ministério das Relações Exteriores dispõe de canais alternativos para o recebimento de comentários por parte de cidadãos, entre os quais se inclui a Ouvidoria do Serviço Exterior”, informou o órgão, sem comentar as razões do bloqueio.

“A Caixa informa que alguns perfis do banco nas redes sociais estão fechados para comentários devido a ajustes operacionais de sistemas de atendimento nestas plataformas. A Caixa esclarece que há cronograma definido para reabertura em breve”, declarou o banco.

Metrópoles