Inquérito da PF sobre Marielle correrá paralelo ao estadual
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou nesta quarta-feira a abertura de um inquérito da Polícia Federal para reforçar a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em 2018. Não se trata de uma federalização das investigações, que dependeria de reverter decisão judicial contrária à medida, mas de um trabalho auxiliar ao do Ministério Público do Rio, que conseguiu em 2019 a prisão dos dois acusados de executar o crime. O assassinato de Marielle e Anderson completa cinco anos no dia 14 de março e até hoje não se sabe quem mandou matá-la.
“A fim de ampliar a colaboração federal com as investigações sobre a organização criminosa que perpetrou os homicídios de Marielle e Anderson, determinei a instauração de inquérito na Polícia Federal. Estamos fazendo o máximo para ajudar a esclarecer tais crimes”, escreveu Dino ao anunciar a iniciativa. Irmã da parlamentar do Psol, Anielle Franco é hoje ministra da Igualdade Racial.
A cargo do delegado Guilhermo Catramby, que terá uma equipe para trabalhar com ele, o novo inquérito ainda é cercado de dúvidas quanto ao exato caminho que trilhará. Nos bastidores do MP-RJ, afirma-se que tudo o que for descoberto pela PF terá como destinatários a Polícia Civil e a Promotoria fluminenses, a quem cabe denunciar e pedir à Justiça operações contra os investigados. A corporação federal poderá ajudar com eventuais técnicas e vias de apuração diferentes, avaliam no Estado.
Logo na posse no ministério, no dia 2 de janeiro, Dino deixou claro que queria participar do caso, cuja solução classificou como “questão de honra do Estado brasileiro”. Na ocasião, disse que tinha a intenção de federalizar as investigações, tese refutada pela família Franco e rejeitada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Agora, encontrou-se um meio termo com o modelo de parceria adotado. Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, reuniu-se com Dino em Brasília.
“Como esse tema do deslocamento da competência está superado pela decisão do STJ, o Ministério da Justiça propôs um termo de colaboração. A Polícia Federal atuaria em conjunto, dando suporte à Polícia Civil e ao MP-RJ”, explica o professor de Direito Penal da UFRJ Salo de Carvalho. “No entanto, mantém-se o inquérito sob a jurisdição estadual. Ou seja, qualquer decisão judicial ainda cabe ao Tribunal de Justiça do Rio, e não ao Tribunal Regional Federal.”
O Ministério Público foi o responsável pelos maiores avanços no caso. Motivada por interferências na Polícia Civil no início da investigação, a entrada do MP, em setembro de 2018, culminou na prisão dos homens acusados de executar o crime: Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Os dois estão na cadeia desde março de 2019. No entanto, as duas promotoras que conseguiram as detenções, Simone Sibílio e Letícia Emile, não estão mais no caso, e o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) passa agora por novas mudanças.
A nova alteração no grupo que investiga as mortes, motivada por uma insatisfação do Gaeco com a recondução de Luciano Mattos à chefia do órgão, deu-se logo depois de o MP conseguir algo que há tempos tentava na Justiça: dados digitais de localização do Google que são considerados primordiais para avançar na tentativa de descobrir o mandante. A empresa relutou em fornecer determinadas informações, mas os promotores conseguiram parte do material solicitado.
Durante o governo Bolsonaro, a família de Marielle rejeitou com veemência a possibilidade de o caso ser assumido pela Polícia Federal, já que não confiava na independência do órgão naquele contexto. Depois da declaração de Dino na posse, o tema voltou a ser debatido, mas a própria questão judicial envolvendo o STJ tornaria trabalhoso o processo de federalizar.