Lira cobra caro e interfere na agenda do Planalto

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Foto: Valter Campanato e Cristiano Mariz

Em meio a repercussões negativas e impasses envolvendo lideranças do Centrão e aliados próximos ao Palácio do Planalto, o governo Lula (PT) tem se visto obrigado a recuar de iniciativas apresentadas desde a campanha até este início de mandato. Propostas divulgadas pelos ministros Flávio Dino (Justiça) e Luiz Marinho (Trabalho) já tiveram de ser revistas neste ano. Em paralelo, o Planalto deve protelar a votação de medidas provisórias (MPs) sobre temas sensíveis no Congresso, como a extinção da Funasa e a transferência do Coaf para o Ministério da Fazenda, buscando vencer resistências.

A reação do governo aos atos golpistas do dia 8 de janeiro, através de uma MP proposta por Dino para endurecer o combate a conteúdos criminosos nas redes sociais, já exigiu mudanças de rota devido à contrariedade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Para se antecipar ao envio da MP, Lira acelerou a tramitação de um projeto de lei, o chamado PL das Fake News, que trata de combate à desinformação.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sinalizou que o governo recuaria para atender o pedido de Lira, e priorizar assim a análise de propostas que já tramitam no Congresso. Dino, contudo, indicou um possível “recuo do recuo” ao reiterar na última quarta-feira, em um painel do banco BTG, que considera necessária uma discussão mais profunda do que a colocada no PL das Fake News. Segundo o ministro, há possibilidade de “emendamento, ou a edição de um novo projeto, ou uma medida provisória”.

— Este PL na Câmara aposta numa autorregulação facultativa (das redes sociais), o que me parece muito pouco. Por isso estamos propondo uma regulação externa. Não estamos tratando de crimes de opinião, (mas sim) aquilo que não se encontra numa zona de dúvida — afirmou Dino.

Outro recuo do governo, este ainda no período de transição, se deu na promessa de campanha de Lula de recriar o Ministério da Segurança Pública, hoje vinculado à pasta da Justiça. A proposta foi enterrada como forma de evitar um esvaziamento das atribuições de Dino, cotado desde a campanha para assumir esta pasta, e que era contra seu fatiamento.

A discussão em torno do fim do saque-aniversário do FGTS, levantada pelo ministro Luiz Marinho em janeiro, também gerou idas e vindas. No dia seguinte à entrevista ao GLOBO na qual divulgou a proposta, Marinho recuou e prometeu um “amplo debate”. Desde então, o ministro, ligado ao sindicalismo no PT de São Paulo, tem reiterado sua contrariedade com o saque-aniversário, instituído em 2019 por uma MP do governo Bolsonaro. Marinho também propôs mudanças na regra atual, para permitir que o trabalhador demitido tenha acesso a mais recursos do FGTS mesmo se já tiver feito uso do saque-aniversário.

Uma das resistências à ideia de Marinho partiu do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), aliado de Lira e relator da MP do saque-aniversário. Segundo a Caixa Econômica Federal, a modalidade gerou saques de R$ 12 bilhões no ano passado.

Para o cientista político Antônio Lavareda, os recuos do governo ocorrem pela dificuldade para rivalizar com a influência de Lira e para “escolher batalhas” no Congresso.

— A base do Lira é maior do que a base do Lula. O governo terá que abrir mão do que possa ser visto como secundário, para evitar brigas enquanto o Congresso não interferir em pautas centrais, como a questão indígena, a Amazônia, o aumento real do salário mínimo e da isenção do Imposto de Renda — avalia Lavareda.

O Planalto antevê dificuldades em duas MPs que serão analisadas pelo Congresso. A MP que extinguiu a Funasa, responsável por obras de saneamento no país e cujas superintendências são cobiçadas por diferentes partidos, foi apresentada separadamente à reestruturação geral do governo justamente pela expectativa de resistências. O governo planeja usar ao máximo seu prazo e colocá-la em votação só no fim de maio.

Estratégia semelhante foi montada para transferir o Coaf, órgão responsável por levantar informações sobre movimentações financeiras suspeitas, do Banco Central para o Ministério da Fazenda.

Já a ida da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) do Ministério da Agricultura para o recém-criado Ministério do Desenvolvimento Agrário pode trazer mais dor de cabeça, por ter sido incluída na MP da reforma ministerial. A bancada ruralista apresenta forte resistência à mudança.

Proposta de uma Medida Provisória para endurecer combate a conteúdos golpistas nas redes sociais e regulação mais rígida em plataformas gerou contrariedade no presidente da Câmara, Arthur Lira. O Planalto inicialmente cedeu e aceitou priorizar projeto de lei sobre o assunto, mas o ministro da Justiça, Flávio Dino insiste.

Proposta de acabar com a modalidade feita pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em entrevista ao GLOBO, foi seguida por recuo após resistências, inclusive de parlamentares. Marinho também já sugeriu mudanças na regra, instituída no governo Bolsonaro.

Promessa de Lula na campanha eleitoral, a recriação do Ministério da Segurança Pública, com sua separação da pasta da Justiça, foi enterrada ainda na transição em meio à oposição de Flávio Dino ao fatiamento, que esvaziaria suas atribuições atuais.

A extinção da Funasa e a transferência do Coaf, hoje no Banco Central, para o Ministério da Fazenda foram propostas pelo Planalto em MPs separadas do restante da reforma ministerial, por antever dificuldades no Congresso. Receoso com possíveis derrotas, o governo deve adiar ao máximo a análise dessas MPs.

Estadão