“Moro” do Rio será julgado amanhã

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Foto: Wilton Junior/Estadão

O destino do juiz federal Marcelo Bretas poderá ser decidido nesta terça, 28, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O colegiado julgará três reclamações disciplinares abertas para investigar denúncias que atribuem ao magistrado suposta negociação de penalidades com advogados e procuradores. Os procedimentos também miram versões de que Bretas teria orientado causídicos e atuado para ‘influenciar’ o resultado das eleições para o governo do Rio em 2018.

Os julgamentos estão marcados para a manhã de terça, no plenário presencial do CNJ. As primeiras reclamações são de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil e do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD-RJ). A terceira foi aberta pelo próprio Conselho, a partir do relatório de uma correição feita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, da qual o magistrado é titular.

Marcelo Bretas é reconhecido por seus pares como um magistrado competente e qualificado. Colegas de toga e também procuradores da República e delegados de Polícia Federal ouvidos pela reportagem do Estadão lhe atribuem imparcialidade e uma atuação apartidária, marcada pela determinação no enfrentamento ao crime organizado e ao colarinho branco. Ao longo desses anos como juiz titular da 7ª Vara Criminal Federal no Rio, ele colocou no banco dos réus e condenou a penas severas empresários, doleiros de larga influência e políticos de agremiações diversas. Acabou atingindo interesses de personagens com trânsito em tribunais.

Grandes operações de combate à corrupção passaram pelas mãos do magistrado. Na condução do braço carioca da Lava Jato, as penas que Bretas atribuiu ao ex-governador Sérgio Cabral (MDB) somam mais de 300 anos de prisão. Deputados da Assembleia Legislativa do Rio também estiveram na sua mira na Operação Furna da Onça, cujas investigações revelaram um esquema de ‘mensalinho’ em favor de Cabral, além de lavagem de dinheiro e loteamento de cargos públicos. Um desdobramento dessas investigações revelou o suposto esquema de ‘rachadinhas’ no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Outro caso emblemático na carreira de Bretas é o da operação E$quemaS. O magistrado é responsável pela delação do ex-presidente da Fecomércio do Rio, Orlando Diniz. As investigações revelaram um esquema milionário de desvios no sistema S por meio do pagamento de honorários advocatícios.

Além das reclamações, está em pauta nesta terça um pedido de revisão formulado por Bretas em 2020. Ele recebeu uma punição de censura do Tribunal Regional Federal da 2ª região por ter participado de dois eventos junto de Jair Bolsonaro (PL) em 15 de fevereiro de 2018. O magistrado esteve próximo do ex-presidente na inauguração de uma obra na Ponte Rio-Niterói e em um evento religioso na Praia do Botafogo.

Apesar de os procedimentos terem objetos e autoria distintos, serão julgados em conjunto por causa da proximidade dos fatos que embasam as investigações. Alguns caminhos possíveis para o plenário desta terça são o afastamento de Bretas, a continuidade das investigações ou o arquivamento dos processos. A tendência do Conselho, contudo, não está clara.

Na reclamação apresentada pela OAB, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, ex-corregedora nacional de Justiça e hoje presidente do STJ, foi relatora do caso. Em junho de 2021, ela negou o pedido liminar de afastamento de Bretas afirmando que não havia indícios suficientes de irregularidades na conduta do magistrado. Já no procedimento aberto pelo próprio CNJ, sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que assumiu a posição de Moura em agosto de 2022, o novo corregedor afirma que ‘há elementos que conduzem para a existência de indícios do possível cometimento de infrações disciplinares pelo magistrado reclamado’.

Embora as decisões dos dois corregedores determinem a continuidade das investigações sobre Bretas, há um endurecimento do CNJ em face de juízes que manifestem qualquer inclinação supostamente ideológica. Com base em um provimento expedido em setembro de 2022, ao menos 18 magistrados de todo o país são investigados por esse motivo diante do órgão. Este ano, dois já foram afastados das funções.

Entenda o que é investigado em cada um dos processos de Marcelo Bretas:

No dia 7 de junho de 2021, o Conselho Federal da OAB pediu ao CNJ o afastamento de Marcelo Bretas acusando-o de ‘negociar penas, orientar advogados e combinar estratégias com o Ministério Público’. O pedido da entidade menciona os casos do empresário Fernando Cavendish e do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB). Os dois foram condenados por Bretas em desdobramentos da Lava Jato no Rio. De acordo com a OAB, o magistrado teria participado de conversas junto com procuradores da República e advogados para forçar delações e combinar as penas.

Na época, a relatora do caso, ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, negou o pedido liminar de afastamento de Bretas, por falta de provas.

A defesa de Bretas, feita de próprio punho, foi apresentada no dia 24 de junho de 2021. Ele refuta um a um os casos mencionados pela OAB. “Jamais fiz acordo com qualquer pessoa, conhecidos ou não, visando benefícios pessoais ou para outrem, e desafio quem isso alegue a apresentar mínimas evidências nesse sentido.” Ele também atribui parte das acusações a um movimento proposital do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho para prejudicá-lo.

O segundo processo que o CNJ deverá julgar nesta terça, 28, é uma Reclamação Disciplinar de autoria do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD-RJ), apresentada em 26 de setembro de 2022. O processo é sigiloso, mas o Estadão teve acesso à petição inicial do caso.

Paes acusa Marcelo Bretas de ter influenciado o resultado das eleições de 2018 para o governo do Rio. Na época, ele disputava a cadeira com Wilson Witzel (PMB-RJ), que venceu as eleições e foi destituído do cargo em abril de 2021, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em verbas destinadas à área da saúde e ao combate da pandemia.

No dia 4 de outubro daquele ano, Bretas interrogou o ex-secretário de Obras da gestão de Paes, Alexandre Pinto. O depoimento foi colhido três dias antes do primeiro turno das eleições e, de acordo com Paes, o juiz teria conduzido as perguntas insinuando uma eventual responsabilidade do então candidato ao governo do estado. Oficialmente, Paes não fazia parte da investigação.

O atual prefeito do Rio afirma que a repercussão negativa do depoimento de Alexandre Pinto foi decisiva para a sua derrota nas urnas. Depois da vitória de Witzel, o ex-governador fez diversas aparições públicas ao lado de Bretas, tanto em eventos institucionais quanto sociais. No Carnaval de 2019, eles assistiram juntos ao desfile das escolas de samba na Sapucaí.

Na sua defesa, Bretas não nega as situações em que esteve ao lado de Witzel, que foi também juiz federal. Ele afirma, contudo que a reclamação apresentada por Paes quatro anos depois dos fatos revelaria uma ‘verdadeira e oportunista intenção ao tentar criar uma falsa narrativa de que haveria de minha parte interesse pessoal em prejudicá-lo’. O magistrado nega quaisquer tentativas de intervir na eleição e destaca uma entrevista de Paes, depois do pleito de 2018, elogiando-o.

A terceira reclamação disciplinar cujo julgamento está previsto para terça foi aberta pelo próprio Conselho Nacional de Justiça a partir do relatório de uma correição feita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, da qual Bretas é titular. A investigação apura a suposta proximidade do juiz com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que defendeu José Antonio Velasco Fitchner Pereira (irmão do ex-secretário da Casa Civil do Rio, Regis Fitchner, e autor de um acordo de delação premiada) e outros acusados de corrupção pelo braço carioca da Lava Jato, como os empresários Fernando Cavendish e Artur Soares.

De acordo com a deliberação do Corregedor Nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, datada de 11 de dezembro de 2022, à qual o Estadão teve acesso, ‘há elementos que conduzem para a existência de indícios do possível cometimento de infrações disciplinares pelo magistrado reclamado’.

A decisão de abertura do processo traz trechos da correição e do acordo de delação premiada de Fitchner Pereira que apontam uma suposta proximidade entre Bretas e Nythalmar. O advogado, natural do pernambuco, já foi alvo de uma busca e apreensão da Polícia Federal e é visto com reserva por colegas mais experientes. Na época, ele foi investigado por tráfico de influência e exploração de prestígio, crimes previstos no Código Penal.

Estadão