PSD está engolindo o PSDB

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Foto: Carol Carquejeiro/Valor

Com cargos de destaque no governo de São Paulo, o PSD articula-se para buscar o espólio deixado pelo PSDB no Estado. O partido já começou a filiar parlamentares e lideranças políticas, como a senadora e ex-tucana Mara Gabrilli (SP), e a buscar prefeitos de cidades paulistas estratégicas, de olho nas eleições municipais de 2024.

Os tucanos foram derrotados no primeiro turno na eleição estadual, com a candidatura à reeleição do então governador Rodrigo Garcia (PSDB), e ficaram fora da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), depois de quase 30 anos à frente do governo de São Paulo.

Com o enfraquecimento do PSDB, o vice-governador do Estado e ex-tucano, Felício Ramuth (PSD), avalia que é o momento de seu partido ocupar o espaço deixado pelos tucanos e aumentar o número de lideranças e filiados. “Existe uma grande janela de oportunidade para o PSD se consolidar no Estado de São Paulo”, diz, em entrevista ao Valor.

Ramuth filiou-se há um ano no PSD, depois de 28 anos no PSDB. Um mês antes dessa decisão, outro tucano histórico, o ex-governador paulista e atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, também saiu do partido. Alckmin foi um dos fundadores do PSDB, ficou 33 anos filiado e migrou para o PSB – apesar de ter sido convidado pelo PSD. Ambos saíram em meio à crise enfrentada pelos tucanos e após desentendimentos com o então governador João Doria, que tentava se viabilizar como candidato do PSDB à Presidência.

Ao participar do comando da máquina paulista, Felício reitera a “oportunidade” que o PSD terá para se fortalecer. O partido atraiu a senadora Mara Gabrilli, em uma negociação que passou por tucanos históricos como o ex-senador José Serra (PSDB-SP). Filiou também Eliziane Gama (ex-Cidadania, MA). Com a migração das duas parlamentares, o PSD tornou-se o partido com a maior bancada no Senado.

Em São Paulo, a legenda tem buscado ampliar sua influência em cidades médias. Na semana passada, filiou Suéllen Rosim, prefeita de Bauru, município com quase 400 mil habitantes do interior. Bolsonarista, Suéllen estava no PSC. O partido começa a pavimentar candidaturas para 2024. “Muitos outros [prefeitos] virão”, afirma Ramuth.

Além da participação do PSD na vice, o presidente nacional do partido, Gilberto Kassab, comanda a Secretaria de Governo e é responsável pelo contato com os prefeitos, pelos convênios e pela distribuição de verbas para as cidades, além da liberação de emendas. Nesse primeiro mês de governo, Kassab já começou a estreitar os laços com os prefeitos. “Com certeza todos os prefeitos já receberam um telefonema do Kassab. Não tenho dúvida”, diz Ramuth.

Ex-prefeito de São José dos Campos, cidade importante do interior paulista, com cerca de 730 mil habitantes, Ramuth também recebe prefeitos no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Mas depois encaminha as demandas para Kassab.

Outro cargo de destaque ocupado pelo PSD na gestão de Tarcísio de Freitas é a Secretaria de Saúde. Ex-deputado e ex-vice-prefeito de São José do Rio Preto, o médico Eleuses Paiva comanda um dos maiores orçamentos do governo e tem contato direto com prefeitos.

O PSDB ficou fora do governo estadual e tende a perder espaço entre os prefeitos do interior. Poucos integrantes do partido, como o ex-secretário Marcos Penido, participam da gestão, mas por escolha pessoal do governador. Nas prévias partidárias realizadas para a eleição de 2022, quando o diretório paulista do PSDB tentava pavimentar a candidatura de João Doria à Presidência, o partido filiou dezenas de prefeitos e chegou a comandar cerca de 40% dos municípios. Agora, não só o PSD tem buscado esses prefeitos tucanos, mas também o Republicanos – partido do governador – e o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro têm feito uma ofensiva no interior.

O partido de Kassab e de Ramuth ainda busca conquistar capilaridade no Estado. Na eleição municipal passada, o PSD elegeu 65 prefeitos, entre eles o de Guarulhos, segunda maior cidade paulista, e ficou com o comando de municípios que reúnem cerca de 10% da população. Em 2020, elegeu apenas três deputados federais por São Paulo e quatro estaduais. O PSDB também elegeu três federais, mas tem uma bancada maior na Assembleia paulista, com nove parlamentares. A diferença em relação ao PL, por exemplo, é grande. O partido de Bolsonaro elegeu 17 federais pelo Estado e 19 deputados estaduais.

A postura de Tarcísio de Freitas, de manter-se distante do bolsonarismo radical e ficar no “centro” político, pode ajudar na atração de novos quadros, segundo a avaliação de interlocutores do governador do Estado.

Eleito com apoio de Bolsonaro, o governador tem reforçado que não é um “bolsonarista raiz”, e criou um canal direto de interlocução com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Só em janeiro, participou de três reuniões com Lula em Brasília.

“Não vamos ver aqui se repetir o que aconteceu no governo anterior, onde presidente e governador se ofendiam até do ponto de vista pessoal. Isso não vai acontecer de jeito nenhum”, diz Ramuth. Na gestão anterior, o então governador João Doria (ex-PSDB) rompeu politicamente com Jair Bolsonaro, afetando as relações entre o governo paulista e a gestão federal.

Tarcísio tem um bom contato também com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que foi seu adversário na disputa eleitoral, e com o ex-governador paulista e com o vice-presidente Geraldo Alckmin. A relação com Haddad se desenvolveu durante a campanha de 2022 e se manteve. “Foi uma campanha respeitosa. Eles criaram uma relação, uma aproximação”, diz Ramuth.

Um ano depois de se filiar ao PSD, Felício Ramuth avalia que o PSDB cometeu uma série de erros, desde a falta de renovação de quadros até as denúncias envolvendo o deputado Aécio Neves (MG) e as ações de Doria, de confronto direto com Bolsonaro e dentro do próprio partido. Doria deixou o PSDB, depois de ficar isolado.

“O PSDB colhe os frutos de uma sequência de erros dos últimos anos”, diz Ramuth.

Ao manter uma relação republicana e de “respeito e diálogo” com o governo Lula, a gestão Tarcísio de Freitas busca mais recursos para o Estado, o que tende a ajudar o governador a construir as vitrines de sua gestão. Nas conversas com o presidente, o governador e Kassab tentaram convencer o governo federal a privatizar o porto de Santos e pediram investimentos em obras de mobilidade urbana. “O governo federal deu um sinal ao não incluir o porto de Santos nas listas de projetos que eles pretendem parar a desestatização. Não aparece nessa lista. É um sinal de que estão abertos ao diálogo. Vamos insistir”, diz Ramuth, sobre o porto de Santos. O governador pediu também a anistia de dívidas das Santas Casas com a Caixa e solicitou o reajuste da tabela SUS.

Ramuth diz que o governo paulista repudia os atos golpistas de 08 de janeiro e que vai se manter distante dos bolsonaristas radicais. No entanto, desconversa sobre um eventual distanciamento de Tarcísio e Bolsonaro. “Tarcísio deixou claro, desde a campanha, que ele pensa de forma diferente de Bolsonaro em vários pontos. Defendeu a urna eletrônica, falou que vacinou a família toda dele. Como governador, ele é exatamente aquilo que mostrou.”

Valor Econômico