Resolução do PT prega reversão da revolução conservadora

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Foto: Wilton Júnior/Estadão

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou nesta quinta-feira, 16, resolução em que defende a culpabilização e punição de todos os envolvidos nos ataques golpistas do dia 8 de janeiro, inclusive os militares e especialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, sob a palavra de ordem “sem anistia”. O texto se refere ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como “golpe” e chama de “quadrilha” os antigos procuradores da Operação Lava Jato e o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR), além de defender a revisão da autonomia do Banco Central, da taxa de juros e das metas de inflação.

“As falsas denúncias engendradas contra nossos governos, nosso partido e nossas lideranças, desde o primeiro governo do presidente Lula e que se seguiram nos governos da presidenta Dilma, mostram que está mais do que claro que a criminalização da política e a destruição da democracia constituem um mesmo projeto”, afirma a resolução. O texto ignora os escândalos que marcaram as gestões, em especial o mensalão e a corrupção na Petrobras. Só neste último caso, investigado como parte da Operação Lava Jato, foi revelado um esquema que envolvia licitações fraudulentas com empreiteiras e o pagamento de propinas. Oficialmente, a Petrobras divulgou rombo de R$ 6,2 bilhões em seu balanço financeiro em 2015.

O documento responsabiliza o governo Bolsonaro por provocar uma onda de “violência, ódio, intolerância e discriminação” na sociedade brasileira. “Os quatro anos de Bolsonaro permitiram que o ‘ovo da serpente’ fosse chocado”, diz o texto. “Por isso, seguir na luta pela culpabilização e punição de todos os envolvidos, inclusive os militares – desde os terroristas de Brasília até os grandes financiadores – é fundamental para a luta intransigente em defesa da democracia.”

“A palavra de ordem ‘SEM ANISTIA’ deve ser um imperativo do Partido para culpabilizar os responsáveis e exigir que Bolsonaro e seus cúmplices respondam pelos seus crimes.” Ao fim de reuniões do Diretório Nacional, a sigla costuma divulgar resoluções como uma espécie de “guia” para seus filiados e manifesto à sociedade, apresentando sua versão de como avalia o cenário político, econômico e social. O documento divulgado nesta quinta é o primeiro depois da posse de Lula para o terceiro mandato.

Após os atos violentos do 8 de janeiro, Lula admitiu ao Estadão que “perdeu a confiança” em parte dos militares da ativa. Na época, o chefe do Executivo ainda afirmou que as Forças Armadas “não são o poder moderador que pensam ser”. A crise na relação fez com que o governo aprovasse uma série de exonerações que atingiu, principalmente, militares de baixa patente, sem posição na cadeia de comando da segurança institucional, mas que atuavam no Gabinete de Segurança Institucional e na estrutura do Planato. A tensão levou Lula a trocar o comandante do Exército ainda nas primeiras semanas de governo. O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que chefiava o Comando Militar do Sudeste, assumiu o posto no lugar de Júlio César Arruda, que resistia a retirar a indicação do antigo ajudante de ordens de Bolsonaro, coronel Mauro Cid, para a chefia do Batalhão de Ações e Comandos de Goiânia.

Embora tal fato não tenha sido citado na resolução, a desconfiança citada por Lula sobre os militares se reflete também numa ofensiva no Congresso para alterar o artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas como instituição.

Como mostrou o Estadão, o texto passou pelo crivo da cúpula petista horas antes do ato pela comemoração dos 43 anos da sigla, com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e recebeu emendas. A resolução afirma que os governos petistas, a sigla e suas lideranças foram alvos de “falsas denúncias” desde o início do governo Lula, em 2003. “Um projeto articulado de fora, numa guerra ‘soft’ envolvendo redes sociais, mídias empresariais variadas e a parte cooptada do judiciário brasileiro, cuja maior expressão foi o ex-juiz Sergio Moro e sua quadrilha de procuradores”, afirma o texto.

Moro foi um dos juízes responsáveis pela Operação Lava Jato, conhecida como a maior investigação sobre corrupção já feita no Brasil, que tinha como objetivo apurar e desarticular um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro na Petrobras. Durante a investigação, Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá e preso de abril de 2018 a novembro de 2019, sendo impedido de disputar as eleições de 2018.

No dia 17 de março de 2014, a Polícia Federal deflagra uma operação com o objetivo de investigar e desarticular um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões

Em 2021, o STF anulou todas as condenações do petista no caso sob a alegação de que o processo teria de ser analisado pela vara do Distrito Federal e não pela de Curitiba, onde atuava Moro. A Corte também concluiu que a atuação do agora senador no caso do tríplex foi parcial, o que fez com que as provas colhidas durante esse período fossem vetadas para uso em eventuais processos futuros sobre o caso.

Ao Estadão, o senador Moro afirmou que o documento compartilhado pelo PT não apaga “os escândalos de corrupção” em que o partido esteve envolvido e que foram descobertos pelas autoridades. “A Lava Jato recuperou R$ 6 bilhões que haviam sido saqueados da Petrobras durante os governos do PT. Alguns membros do partido foram condenados e presos por decisões de vários magistrados e instâncias, um deles recentemente pelo STJ. Esta resolução do Diretório do PT não apaga os escândalos de corrupção, como do Mensalão e Petrolão, descobertos pelas autoridades. No Senado, luto contra a corrupção sem ser intimidado por ofensas ou mentiras”, afirmou.

Na mira de Lula e sob forte ataque do presidente e aliados, a taxa de juros no alto e atual patamar voltou a ser alvo de críticas na resolução da sigla, embora em tom mais ameno do que o já adotado até aqui.

“O programa de governo apresentado pelo Presidente Lula, aprovado nas urnas e constantemente reiterado pelo próprio presidente, prevê uma política econômica que permita o crescimento econômico, por isso é essencial a queda nas taxas de juros praticadas pelo Banco Central bem como a revisão das metas de inflação. Economistas renomados questionam duramente essa política de juros altos e, mais ainda: criticam a maneira leviana e inverídica de justificar essa política de juros altos ao brandir com o temor da inflação, que sabidamente não é uma inflação de demanda, mas sim tem a ver com as consequências da pandemia e a guerra na Ucrânia”, diz a resolução.

Nessa segunda-feira, 13, economistas representantes do pensamento econômico desenvolvimentista encabeçaram e assinaram o manifesto “Taxa de Juros para a Estabilidade Duradoura: manifesto de economistas em favor do desenvolvimento do Brasil” apoiando as críticas feitas de Lula à política monetária contracionista do Banco Central (BC).

O partido, entretanto, não deixou de ressaltar que é e sempre foi contra a autonomia do Banco Central. “Nossas bancadas devem propor ao Congresso Nacional a convocação do presidente do Banco Central para que venha debater essa política, tal como prevê a própria lei que aprovou a autonomia do Banco Central de 2019; autonomia contra a qual o PT sempre se posicionou contrariamente, por meio de suas instâncias e do voto das bancadas no Congresso”.

Estadão