Se meta de inflação não baixar, política vai esquentar

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Foto: Edilson Dantas/O Globo

Após uma semana marcada pela escalada de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à política monetária do Banco Central, com questionamentos à elevada taxa de juros, interlocutores petistas avaliam que, nos próximos dias, a temperatura do embate tende a diminuir. A primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) sob o novo governo está marcada para quinta-feira e há expectativa entre membros do alto escalão do governo de que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sinalize durante o encontro a revisão da meta de inflação deste ano para cima, estabelecendo-a em 3,5%. Atualmente é de 3,25%.

Historicamente, eventuais revisões da meta só ocorrem em junho. Interlocutores de Haddad trabalham com o cenário em que Campos Neto pode concordar com a elevação da meta de inflação, ainda que, segundo o Valor apurou, as partes não tenham entrado em detalhes sobre a possibilidade de antecipar esse debate. Em tese, o Banco Central tem apenas um dos três votos do CMN e perseguiria a meta definida pelo colegiado mesmo que fosse minoritário. Fontes do mercado avaliam que essa saída poderia gerar uma piora nas expectativas.

A atual meta de inflação para 2023 é de 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Quanto a 2024 e 2025, a meta é de 3%, também com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Na terça-feira, Haddad se reúne com secretários, numa espécie de encontro preparatório.

A reunião do CMN está marcada para às 15h30 e os votos normalmente são divulgados após às 18h. Pela nova configuração, participam do encontro o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e Campos Neto, cada um com direito a um voto. O conselho voltou à formação anterior ao governo de Jair Bolsonaro, quando era formado pelo ministro da Economia, pelo secretário especial de Fazenda e pelo presidente do BC. A reunião do conselho de janeiro, que seria a primeira, foi suspensa por falta de votos pautados. A mais recente decisão do CMN sobre o tema ocorreu em junho do ano passado, quando o conselho fixou a meta para 2025 em 3%, com intervalo de 1,5 ponto para mais ou para menos.

No passado recente, o presidente do BC se colocou diversas vezes contra a mudança das metas de inflação no curto prazo e disse que essa ação não teria “ganho de credibilidade”. O BC tem reiterado preocupações em relação às incertezas fiscais. O governo ainda não esclareceu, por exemplo, qual será o novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos e tem anunciado políticas que estimularão o consumo.

https://blogdacidadania.com.br/2023/02/pm-ensina-suspeitos-a-mentir-e-torturar/Parte dos aliados do presidente Lula, incluindo dois ministros, senadores e deputados do PT, mesmo concordando com o conteúdo das declarações de Lula, admitiram em reserva que o tom duro adotado publicamente pode não ter sido a estratégia mais adequada por provocar instabilidades.

Logo após as primeiras investidas do presidente contra o Banco Central, Haddad chegou a ponderar com Lula, durante viagem a São Paulo, que ele poderia ser uma espécie de anteparo ao se colocar como articulador nos bastidores e mensageiro do pensamento presidencial. No entendimento de Haddad, toda a reação recairia sobre ele, evitando esse desgate ao presidente.

A opinião é compartilhada por outros ministros. “Podem existir outras maneiras de se alcançar o objetivo. Pode ter sido inadequado avaliando o peso que as palavras de qualquer presidente carregam, sobretudo no campo econômico”, disse reservadamente um ministro. Ele apontou, no entanto, que a hora do chamado “freio de arrumação” é no começo do mandato e que Lula “desabafou”.

Outro ministro respondeu, também reservadamente, que não adianta elevar o tom contra o Banco Central, sob o risco de diminuir a margem de manobra para mudança na política monetária.

Na semana passada, durante a posse de Aloizio Mercadante no BNDES, Lula disse que não existia justificativa para que a taxa de juros estivesse em 13,5% [está em 13,75%]. “É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro”, disse o presidente.

Na visão de um senador petista, as críticas ao Banco Central poderiam ter sido feitas, por exemplo, pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. As declarações também teriam grande repercussão e o presidente ficaria preservado, alegou.

Antes de falar na posse de Mercadante, Lula já havia criticado o Banco Central na semana anterior. Em entrevista à RedeTV!, o presidente afirmou que poderia buscar a revisão da autonomia do Banco Central quando terminar o mandato de Campos Neto, chamado por ele de “esse cidadão”. Na visão de aliados, ao chamar Campos Neto diretamente para o “ringue”, Lula pode oferecer justamente o que a oposição procura: um nome para rivalizar com o presidente.

Nenhum petista, contudo, irá fazer qualquer reparo às falas de Lula publicamente. Ao Valor, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reforçou as críticas. “Campos Neto está impondo uma política monetária ruinosa para o país, porque impede a retomada do crescimento e da geração de empregos, que são urgentes”, declarou. No seu entendimento, Lula agiu com “extrema responsabilidade” ao expor em público sua insatisfação com a taxa de juros. “Se não concorda com a política econômica aprovada nas eleições, Campos Neto deveria pedir demissão”, disse.

O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR) não classifica o episódio como um embate entre Lula e o Banco Central. “Lula fez críticas corretas e necessárias”, pontuou. O parlamentar assinou requerimento apresentado pelo Psol para que Campos Netos vá ao Congresso apresentar explicações.

Valor Econômico