Sem orçamento secreto, poder de Lira deve declinar

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Foto: Montagem sobre fotos de Sergio Lima/AFP e Cristiano Mariz

As reeleições de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à do Senado dão fôlego ao governo Lula (PT) para tocar as agendas prioritárias na área econômica e na reação a atos antidemocráticos, mas indicam uma oposição bolsonarista com capacidade de oferecer obstáculos, na avaliação de políticos e analistas ouvidos pelo GLOBO. Na eleição do Senado, considerada mais sensível por aliados do governo, Pacheco obteve o patamar exato de votos, 49, que é exigido para aprovação de emendas constitucionais, como a reforma tributária, uma das prioridades de Lula. A votação de seu adversário, Rogério Marinho (PL-RN), por sua vez, abre a possibilidade de que opositores do PT imponham derrotas ao governo por meio de mecanismos como obstruções ou requerimentos de CPIs.

Na Câmara, a votação recorde de Lira fortalece o parlamentar do PP, eleito ao comando da Casa em 2021 como aliado do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e reeleito com apoio de Lula. Para o cientista político Antônio Lavareda, o resultado é uma vitória do próprio Lira mais que do governo, mas em condições que podem favorecer a agenda do Executivo.

— Lira sai bastante fortalecido, embora não tenha mais à disposição o orçamento secreto, nem a mesma influência na pauta do governo que havia quando seu aliado Ciro Nogueira estava na Casa Civil de Bolsonaro. É uma vitória óbvia, mas que não deixa o governo trôpego, especialmente também pela vitória no Senado — avaliou Lavareda.

Neste primeiro ano de gestão, Lula pretende enviar um projeto de reforma tributária que combine as duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), em tramitação na Câmara e no Senado, sobre unificação de impostos sobre o consumo. Outro tema que entrou na agenda do Executivo, após as invasões às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro, foi a preparação de um “pacote antigolpe” que deve incluir o envio de uma PEC ao Congresso para criação de uma nova força de segurança, a Guarda Nacional. Esse tipo de proposta exige maioria qualificada nas duas Casas — até 308 votos na Câmara e 49 no Senado — para aprovação.

Aliados de Lira frisaram nesta quarta que o desempenho do presidente da Câmara reflete sua própria capacidade de articulação, e que Lula terá de buscar esse apoio “no varejo” em votações importantes. O deputado Elmar Nascimento (União-BA), por exemplo, disse que o governo terá que “começar do zero” sua relação com os parlamentares, embora seu partido tenha emplacado três ministérios.

O primeiro teste de fogo para a relação entre Lula e o Congresso será a análise de medidas provisórias (MP), editadas pelo presidente no início de janeiro, que reorganizaram a máquina administrativa — o que levou, por exemplo, à extinção da Funasa, tradicional cabide de indicações do Centrão. Também há a expectativa de aumento de arrecadação com a MP que amplia o peso da Receita Federal em julgamentos no Carf.

Outro possível obstáculo à agenda do governo é a articulação do bolsonarismo, que alavancou a candidatura de Marinho no Senado — beneficiada, também, pelo descontentamento de senadores com Davi Alcolumbre (União-AP), aliado de Pacheco — e pode ter oxigenado a candidatura de Marcel Van Hattem (Novo-RS) na Câmara. O deputado do Novo, que se lançou com uma plataforma fortemente crítica a Lula, obteve 19 votos, embora seu partido tenha apenas três parlamentares.

— É uma oposição que sinaliza estar preparada, caso se mantenha coesa. A votação do Marcel Van Hattem sugere uma atração do bolsonarismo radical insatisfeito com a nova “roupa” governista do Lira, o que leva à organização da extrema-direita em um polo de combate — disse o cientista político Josué Medeiros, professor da UFRJ.

No Senado, por sua vez, a votação de Pacheco “deu coesão à base do governo”, na avaliação de Medeiros, mas também demarcou uma oposição com capacidade para tirar o quórum de votações importantes e pressionar o governo.

Parlamentares do PT e do PL consideraram o quadro das eleições, especialmente no Senado, como sinal de uma relação com margem de manobra estreita para o Executivo no Congresso.

— A candidatura do Marinho não foi de radicalização, mas sim de equilíbrio entre os Poderes — declarou o deputado Altineu Côrtes (RJ), líder do PL na Câmara. — Marinho nunca foi um bolsonarista raiz, mas a vitória de Lira e Pacheco era essencial para garantir a governabilidade — disse o deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ).

A eleição de Pacheco tende a garantir maior tranquilidade a Lula para as indicações de duas vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) que se abrirão neste ano, com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski, prevista para maio, e de Rosa Weber em outubro. As indicações precisam ser analisadas pelos senadores, com exigência de um mínimo de 41 votos para a aprovação. Em 2021, a indicação do ministro André Mendonça, feita por Bolsonaro, levou cinco meses para ser analisada e obteve 47 votos, apenas seis a mais do que o exigido. Já a pressão por análise de pedidos de impeachment de ministros do Supremo, pauta defendida por bolsonaristas, tende a perder força.

Governo deve combinar duas PECs, que tramitam na Câmara e no Senado, para unificar tributos sobre o consumo. Caso o texto seja apresentado como emenda constitucional, exige 3/5 dos votos em cada Casa.

O ministério da Fazenda pretende enviar, até abril, a proposta que substituirá o teto de gastos. De acordo com as regras estipuladas na PEC da Transição, esta nova âncora precisa de maioria absoluta para ser aprovada.

O aumento da faixa de isenção através da revisão da tabela do Imposto de Renda, promessa de campanha de Lula, deve ser enviado no segundo semestre para Câmara e Senado. Precisa de maioria simples.

O Ministério da Justiça vem elaborando, após os atos golpistas do dia 8 de janeiro, um pacote de medidas para endurecer punições e coibir novos atentados contra instituições. As propostas, que terão de ser aprovadas pelo Congresso, envolvem a criação de uma nova força de segurança, a Guarda Nacional, e um projeto de lei para punir financiadores de atos antidemocráticos.

Lula terá duas indicações para cadeiras no STF, com as aposentadorias de Rosa Weber, em outubro, e de Ricardo Lewandowsi, em maio. As indicações são analisadas pelo Senado, e são aprovadas apenas com maioria absoluta, isto é, com votos de 41 senadores, independentemente do quórum de votação.

Duas medidas provisórias editadas por Lula, que podem ser analisadas pelo Congresso ainda neste mês, envolvem pontos sensíveis na estrutura do governo. Uma delas envolve a mudança do Coaf, hoje no Banco Central, para o guarda-chuva do Ministério da Fazenda. O órgão é responsável por monitorar movimentações financeiras atípicas e comunicá-las a órgãos de investigação. A outra MP trata da extinção da Funasa, autarquia que abriga apadrinhados do Centrão, para redistribuir seus cargos para os ministérios da Saúde e das Cidades.

Em um dos primeiros testes para a força da base aliada de Lula, o governo tentará aprovar medida provisória que acaba com o voto qualificado do contribuinte em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A Receita Federal estima que o impacto da medida foi de R$ 60 bilhões nos últimos dois anos. Na prática, a MP retoma a vantagem da Receita em casos que terminarem empatados, o que favorece o governo.

O Globo