Documentário de direita atribui Bolsonaro a 2013

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Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

Um dos principais exemplos de empresa que se beneficiou da ascensão da direita brasileira na última década, a produtora de vídeos Brasil Paralelo lançou no último dia 13 uma trilogia que tem um certo tom autobiográfico.

No documentário “Direita no Brasil”, a BP destrincha a onda que tomou de assalto a vida política do país a partir das manifestações de junho de 2013 e coloca uma questão que vem povoando o universo conservador desde a derrota de Jair Bolsonaro (PL), em outubro do ano passado: qual o futuro para essa corrente de pensamento?

Os três filmes, de cerca de uma hora de duração cada, contam de maneira bem encadeada como o difuso sentimento antipolítica de dez anos atrás deu origem a uma pauta mais estruturada, que se aproveitou de um forte e crescente sentimento contrário ao PT.

A Lava Jato em 2014 e o impeachment de Dilma Rousseff, em 2015/16, aplainaram o terreno para a grande conquista da direita brasileira em décadas, talvez a maior da sua história, justamente a eleição de Bolsonaro em 2018.

Deus, pátria, família, propriedade, liberdade, Estado mínimo e antipetismo se uniram na figura carismática do capitão reformado. Desinformação e manipulação das redes funcionaram como lubrificantes da engrenagem.

A direita nacional obviamente não começou quando multidões passaram a usar camisas da seleção brasileira na avenida Paulista.

O Império teve o Partido Conservador, a República Velha teve Rui Barbosa, e mais tarde vieram os integralistas, Carlos Lacerda, Roberto Campos, Fernando Collor, Maluf, o PFL.

Em rápidas pinceladas essa genealogia é rememorada, mas merece menos tempo do que poderia em uma produção tão extensa. E bem menos atenção do que a dispensada ao filósofo Olavo de Carvalho, em que pese seu papel real para o fenômeno conservador mais recente.

Como costumam ser os documentários da BP, a estrutura é costurada a partir de entrevistas, entremeada por imagens de arquivo e rápidas passagens narrativas.

São os depoimentos que oferecem os momentos mais reveladores, alguns com uma sinceridade desconcertante sobre os frenéticos acontecimentos dos últimos anos.

Jurista de referência do bolsonarismo, Ives Gandra Martins fala sem ressalvas sobre o aspecto secundário que os crimes apontados para o impeachment de Dilma Rousseff tiveram na queda dela.

“O impeachment começa quando um governo não vai bem. Então eu encontro o argumento jurídico para dar início. Depois, é uma decisão política”, diz Gandra. “O aspecto jurídico é o que menos importa na decisão.”

Um dos discípulos mais próximos de Olavo, o jornalista e influenciador Silvio Grimaldo, é ainda mais revelador quando menciona os abusos cometidos pela Lava Jato. Aceitáveis, segundo ele, porque praticados contra o inimigo de esquerda.

“Na época, ninguém queria falar contra certos abusos da Lava Jato, porque era para prejudicar o PT. A direita fazia vista grossa para uma série de ações que eram claramente inconstitucionais”, diz Grimaldo, que exemplifica com a famosa divulgação de uma conversa de Dilma e Lula, em que ela aparentemente o instruía a como evitar a prisão.

“A própria liberação do grampo da Dilma, a conversa do Bessias, todo mundo gostou de ouvir. Mas é óbvio que aquilo foi ilegal”, afirma.

A produção é tecnicamente bem feita , reflexo de uma empresa que vem crescendo em autoconfiança e recursos, embora deixe passar alguns erros factuais. Não foi o MST que invadiu a Câmara dos Deputados em 2006, mas uma organização diferente, o MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra).

É inevitável que a parte final do documentário tenha um tom melancólico. Bolsonaro, afinal, perdeu, e a eleição de 2022 viu a volta de sua nêmesis, Lula.

Na busca por explicações, os entrevistados justificam a derrocada de maneiras variadas, e com diferentes graus de crítica ao próprio Bolsonaro, o que por si só já é algo digno de nota.

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) diz que o presidente falhou ao não conseguir reagir à pecha de “genocida” aplicada pela esquerda na pandemia.

Sua colega Bia Kicis (PL-DF) diz que o ex-presidente deveria desde sempre ter abraçado o centrão. Já a ex-deputada Janaina Paschoal (PRTB) atribui o fracasso à arrogância de Bolsonaro, de enganar o eleitorado com a cantilena de que ganharia no primeiro turno.

Há também tentativas mais densas de explicar a dificuldade da direita de se manter no poder. Faltariam vivência política, militância, presença nos centros acadêmicos, na imprensa e nas pequenas cidades. Ou seja, resistir ao “marxismo cultural” que toma contas das instituições, como pregava Olavo. “A direita fica dormindo, acomodada”, diz o jornalista Alexandre Garcia.

No fim, a pergunta central do que virá depois do bolsonarismo fica no ar. Um consolo que permeia muitos depoimentos é que a direita jamais será periférica novamente. “A polarização é positiva, reflexo de que não há mais um pensamento hegemônico no Brasil como havia”, diz o presidente do Instituto Mises Brasil, Helio Beltrão.

Menos claro é quem empunhará estes ideais no futuro, se um Bolsonaro redivivo politicamente ou um novo porta-voz do mundo destro.

Folha