Fux é o “pai ” da farra dos juízes com “presentes”

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desobrigou juízes de todo o País de informar os respectivos tribunais sobre a participação em eventos. Os dados eram centralizados pelas corregedorias das Cortes em razão de regras impostas pelo próprio CNJ. Ao longo de uma década, o colegiado debateu normas sobre eventos privados em pelo menos três julgamentos, e enfrentou resistência da magistratura para disciplinar o tema.

Como mostrou o Estadão ontem, fóruns e seminários no Brasil e no exterior oferecidos para magistrados são custeados por alguns dos maiores litigantes do País. Os patrocinadores de eventos com representantes da Justiça têm interesses em causas que somam pelo menos R$ 158,4 bilhões entre multas, indenizações e dívidas reclamadas.

Esse valor se refere a algumas das mais importantes disputas judiciais até o ano passado no Brasil sob julgamento de juízes presentes nos eventos. São 30 grandes processos levantados pela reportagem no último ano, que têm patrocinadores como partes nos autos ou declaradamente interessados nos julgamentos.

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Estadão questionou a todos os Tribunais de Justiça do País sobre a participação de magistrados em eventos privados. Em resposta, os tribunais forneceram dados de encontros das próprias Cortes, ou que tenham demandado o pagamento de diárias aos juízes para a presença em eventos institucionais.

À reportagem, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Anafe, citou a resolução do CNJ, editada em 2021 e de autoria de seu então presidente, ministro Luiz Fux, segundo a qual a Justiça em todo o País passou a ser desobrigada de fornecer essas informações. Até então, o TJ-SP tinha um campo específico no Portal da Transparência para o preenchimento de dados de palestras em eventos privados.

“Assim, as atividades mencionadas no pedido de informação, quais sejam participação em eventos, palestras, congressos e simpósios, inclusive aqueles promovidos ou subvencionados por entidades privadas com fins lucrativos, não precisam ser comunicadas pelos magistrados e, consequentemente, não são objeto de controle por parte do TJ-SP, nem há disponibilização das informações solicitadas pelo requerente no seu sítio eletrônico”, afirmou Anafe.

O trecho da resolução de Fux que acabou com o dever de informar palestras e patrocinadores foi omitido pela comunicação institucional do CNJ à época em que a decisão foi aprovada pelo colegiado. Na ocasião, Fux justificou que a presença de juízes em palestras pode ser feita por meio de plataformas online, o que permite que magistrados “participem rapidamente de eventos, eventualmente despendendo tão somente o tempo necessário para sua fala”.

De acordo com a decisão de Fux, exigir que organizadores e outros detalhes desses eventos sejam informados “mostra-se contraproducente e burocratizante” e também “desestimula a interação acadêmica dos magistrados com outros operadores do Direito e com a própria sociedade”.

Até 2013, não havia regras específicas para palestras de juízes nesse tipo de evento. Com auxílio do então corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão, o então presidente do CNJ, Joaquim Barbosa, impôs uma série de restrições. A resolução de Barbosa vetou aos juízes “prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas”.

A medida determinou, ainda, que detalhes como duração e toda a documentação relativa a estes encontros fossem submetidas ao CNJ. Falcão cogitou barrar totalmente a participação em eventos patrocinados, mas, ao fim, ficou estipulado que 30% poderiam ter origem privada.

A regra, vigente até hoje, provocou reação na magistratura. Associações moveram ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar derrubá-la. Em 2016, o então conselheiro do CNJ Carlos Eduardo Oliveira Dias propôs que juízes informassem inclusive os valores pagos por palestras. No entanto, em uma edição final deste texto, o presidente do CNJ à época, Ricardo Lewandowski, retirou esta obrigação e manteve apenas o dever de informar outros detalhes dos eventos.

Ao Estadão, Fux afirmou que a alteração na resolução durante sua gestão no comando do Conselho Nacional de Justiça “ocorreu simplesmente para que os juízes fossem autorizados a não ter mais que informar qualquer palestra – mesmo gratuita – ou fala pública às corregedorias”.

“A justificativa foi que, durante a pandemia, isso ficou inviável porque muitos magistrados exercem atividade acadêmica e passaram a participar de diversos eventos online. Além disso, outras categorias não enfrentam esse entrave burocrático”, afirmou o ministro. “No entanto, importante destacar que não houve nenhuma alteração nas regras sobre participação em eventos jurídicos patrocinados”, disse.

Estadão