Justiça caça financiadores do golpismo

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Foto: Ed Alves/CB/ D.A Press

Há exatos dois meses, a democracia brasileira foi abalada pela mais violenta ação contra as instituições desde a redemocratização do país, em 1988, ano em que a atual Constituição foi promulgada. Mais de mil pessoas — ligadas a movimentos de extrema direita e contrárias ao resultado das eleições presidenciais — marcharam pela Esplanada dos Ministérios e, sob o olhar complacente das forças de segurança do DF e de militares que deveriam guardar o Palácio do Planalto, invadiram a Praça dos Três Poderes e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Os atentados provocaram reação dos Poderes constituídos e, agora, são objeto de uma das maiores investigações criminais da história, com quase mil indiciados e centenas de presos. Ontem, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, mais três pessoas foram detidas por participação nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

As prisões preventivas foram feitas por agentes da Polícia Federal no sul de Minas Gerais e tiveram como alvo pequenos financiadores do movimento que culminou nos ataques. Os presos são os bolsonaristas Kennedy Alves, de Alpinópolis, e Aline Monteiro Roque e Edmar Miguel — o Edmar das Laranjas —, ambos de Areado.

Também foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão em Minas e no Paraná, na mais recente etapa da Operação Lesa-Pátria, aberta pelo Supremo para apurar quem financiou, organizou e participou dos ataques.

No total, há sete inquéritos abertos no âmbito da Lesa-Pátria. Estão sendo apurados crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; associação criminosa; incitação ao crime; dano qualificado; e destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido.

Ao Correio, o Ministério Público Federal (MPF) informou que foram denunciadas, até agora, 912 pessoas. Do total, 222 estão no inquérito que investiga quem são os executores, 689 no que apura os incitadores e um no relacionado à omissão de agentes públicos. As 912 denúncias foram encaminhadas ao STF.

Passados dois meses, 751 pessoas permanecem presas no Complexo da Papuda e no presídio feminino conhecido como Colmeia, enquanto 655 respondem ao processo criminal em liberdade, mediante uso de tornozeleiras eletrônicas e outras medidas cautelares.

“Na análise dos casos, o ministro avaliou que a maioria tem a condição de réu primário e filhos menores de idade, além de já terem sido denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por incitação ao crime e associação criminosa”, informa a Corte.

Um dos objetivos dos inquéritos é chegar aos principais financiadores e organizadores dos atentados, que têm ligação direta com os acampamentos montados na frente de quartéis de todo o país para pedir intervenção militar.

As investigações apontam que o acampamento de Brasília, instalado na frente do QG do Exército, abrigou muitos dos organizadores dos atos, incluindo os três acusados de tentativa de atentado à bomba no aeroporto da capital do país. O acampamento foi desmontado pela PM no dia seguinte aos atos golpistas, quando cerca de 1,4 mil pessoas foram presas e encaminhadas à PF para identificação.

A quantidade recorde de detidos obrigou a Justiça a montar uma força-tarefa nunca vista antes para identificar todas as pessoas que aguardavam audiência de custódia em um ginásio da Polícia Federal. O STF convocou 77 magistrados do Tribunal de Justiça do DF e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para conduzir as oitivas, trabalho que começou em 11 de janeiro e só terminou oito dias depois.

O prejuízo decorrente dos ataques foi expressivo: as sedes dos Três Poderes foram severamente danificadas, incluindo mobiliário, obras de arte, equipamentos de informática e documentos. Muitos objetos desapareceram ou foram considerados irrecuperáveis.

A Câmara, por exemplo, estimou em R$ 3,3 milhões o total dos prejuízos provocados pelos vândalos. No Senado, à exceção da restauração de um quadro de Gustavo Hastoy, o custo para recuperação das obras danificadas chega perto de R$ 500 mil.

Em outra frente, a Advocacia-Geral da União (AGU) segue protocolando pedidos de bloqueio de bens para garantir o ressarcimento dos danos. O primeiro pedido foi aceito pela Justiça Federal em Brasília em 12 de janeiro, contra 52 pessoas, totalizando R$ 6,5 milhões. Dez dias depois, a Justiça ampliou o valor dos bloqueios para R$ 18,5 milhões. O órgão já pediu à Justiça Federal no DF que amplie o montante para R$ 20,7 milhões.

A reação institucional aos atos antidemocráticos começou no próprio 8 de janeiro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou intervenção na PM do DF, e o Supremo determinou o afastamento do governador reeleito, Ibaneis Rocha. No dia seguinte, a PGR abriu investigação para apurar denúncias de omissão e cumplicidade do comando da PM.

No dia 10, o STF ordenou a prisão do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres — que, até o fim do ano passado, ocupou o cargo de ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL) —, e do coronel Fábio Vieira, ex-comandante da PMDF.

Nesse dia, agentes da Polícia Federal encontraram, na casa de Torres, em um condomínio na região do Jardim Botânico, uma minuta de decreto presidencial apócrifa de intervenção na Justiça Eleitoral pelo Poder Executivo. A corporação ainda investiga a autoria do documento, um dos principais indícios de que poderia estar em curso uma tentativa de golpe de Estado, com participação de autoridades do governo Bolsonaro.

Em depoimentos, Torres; o então chefe do Departamento Operacional da PMDF, Jorge Eduardo Naime Barreto; e o sucessor dele no cargo, Paulo José Bezerra, declararam que o comando do Exército impediu que a polícia desmontasse o acampamento golpista.

No dia dos atos, blindados da Força foram posicionados na entrada do Setor Militar Urbano para impedir a entrada da PM. Barreto disse à Justiça que “o Exército frustrou todos os planejamentos e tentativas” da PM para desmontar o acampamento. Um major e um tenente da corporação também chegaram a ser presos temporariamente. Depois de amanhã, a prisão de Torres completará um mês. Ele está em um quartel da PM, no Guará.

Correio Braziliense