Lula já tomou 10% do eleitorado de Bolsonaro

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Foto: Sérgio Lima

“O melhor presidente do país foi o senhor e não a Dilma.” O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ouviu esta frase de um ministro a quem cobrou pressa nos resultados. Por semanas a fio, o enredo desta pressa foram as provocações dirigidas por Lula contra o Banco Central, uma toada que remete ao isolamento da ex-presidente do PIB nacional na crise que precipitou o fim de seu governo.

Na manhã dessa terça-feira, o presidente voltou a falar em pressa durante o relançamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar: “Estamos há 59 dias no governo. Não temos mais quatro anos. Temos três anos e dez meses e um dia pela frente”. E explicitou sua preocupação com a marca que os 100 dias de seu governo terá. Uma gestão que já fez o primeiro repasse da merenda escolar aos municípios – os mesmos R$ 0,36 que embalaram a campanha petista contra o governo Bolsonaro.

Quatro horas depois, a pressa de Lula cedeu a uma lombada com o anúncio da reoneração dos combustíveis. O ministro da Fazenda ganhou tempo ao demonstrar a Lula que se acelerar rumo ao desatino fiscal seu governo vai se parecer mais com o de Dilma Rousseff do que com os mandatos que lhe permitiram entregar a faixa com a maior popularidade da redemocratização.

As primeiras pesquisas mostraram que Lula começa o governo muito mais próximo da magra vitória de outubro do que da consagração de 2010. Conseguiu capturar, até aqui, menos de 10% do eleitorado do ex-presidente, o que é pouco para devolver o bolsonarismo ao seu núcleo duro.

Uma das razões é que Lula tem que administrar uma rejeição resiliente. Enfrenta um lavajatismo recalcitrante e um bolsonarismo que custa a voltar para a pasta de dente. São fenômenos que ultrapassam a batalha eleitoral e se incorporaram à paisagem. Podem fazer com que, no limite, as ambições de Lula se realizem num governo mais popular do que a figura do presidente.

A notícia de que o vice-presidente, Geraldo Alckmin, terá agendas de governo independentes do titular e até do próprio Ministério da Indústria e Comércio que comanda parece responder a esta percepção. Será uma agenda mais afeita a políticas públicas populares, como o Bolsa Família ou o Minha Casa Minha Vida.

Tanto melhor se o mesmo acontecer com agregados pela frente ampla, como Marina Silva e Simone Tebet, do que com aqueles incorporados pelo mandarinato parlamentar, como Juscelino Filho.

É como maestro de um governo que, efetivamente, traduza esta frente ampla que Lula pode ser reconhecido por uma fatia mais expressiva dos 57 milhões que, em outubro, optaram por Jair Bolsonaro e custam a largá-lo. O lulismo que ultrapassa as fronteiras do governo parece um fenômeno datado e circunscrito aos seus dois primeiros mandatos. Lula não precisou dos moderados apenas para ganhar a eleição. Ele precisa deles para governar.

Esta ideia apareceu em muitos discursos de sua campanha e em atos de seu governo como aquele que presidiu a união federativa em favor dos desabrigados do litoral norte de São Paulo. Na prática, porém, não é a frente ampla que tem movido o governo, mas a pressa de Lula.

Os ministros têm se surpreendido com o grau de cobrança de um presidente pouco afeito a uma rotina indulgente. Num único dia, sua agenda chegou a registrar 15 audiências. Se a primeira-dama, Janja da Silva, tivesse tanto poder como lhe imputam, não se estenderia tanto. Como Lula é o mais velho de sua equipe, tem licença para cobrar que o ritmo se reproduza na Esplanada.

Passou a reclamar menos da imprensa e a cobrar mais dos ministros pelas más notícias que recebe. Sua equipe hoje se divide entre aqueles que, cobrados pelo chefe, se apressam a tomar providências e a dar entrevistas para anunciá-las, doa a quem doer, e aqueles outros que buscam ganhar tempo costurando, internamente e com os demais Poderes, os impactos das demandas emanadas do gabinete presidencial.

Um integrante do primeiro time explica que a celeridade com que dá sequência às demandas de Lula é pautada também pelo fogo amigo. Colado em Lula, se protege dos adversários internos. O mundo gira e o Brasil roda, só as labaredas dos governos petistas não se extinguem.

Um integrante do segundo time diz que costura de fora para dentro na tentativa de ampliar a base do governo. Ao tentar responder às demandas de Lula pelo desfazimento da herança bolsonarista, tem encontrado parlamentares aliados ao governo passado, que, a cada momento em que o presidente pisa num calo do bolsonarismo, mais dificuldades têm para justificar, junto à sua base, uma aliança com o novo governo.

O choque entre a pressa de Lula e as lombadas da Esplanada só não é maior porque é uma equipe calejada esta que aí está. Somados os mandatos dos ministros em governos estaduais ou em outras passagens pela Esplanada, chega-se a 70 anos. Experiência de governo permite saber onde dá para acelerar e as curvas em que se pode capotar.

Nenhum deles, porém, tem a experiência acumulada por Lula em embates parlamentares. E esta parece ser a real motivação da pressa do presidente. O 8 de janeiro, e o genocídio ianomami estenderam não um tapete, mas um colchão vermelho de boa vontade com a estreia do governo.

Com o início efetivo da agenda do Congresso, a partir da próxima semana, é que se poderá aquilatar o quão fino já está este colchão. A agenda do Executivo no Congresso tem enroscos como a reforma tributária, o arcabouço fiscal e a reoneração dos combustíveis. O “orçamento secreto” foi apenas parcialmente desidratado. A autonomia do Congresso também conta com os fundos partidário e eleitoral para se impor frente ao Executivo. E as lideranças do Centrão ainda se valem do bolsonarismo recalcitrante, em pautas como a CPI do 8 de janeiro, para tentar reaver os espaços perdidos.

Seus patrocinadores tentam se valer dos mesmos métodos do ex-presidente. Pretendem, com a comissão, levar os governistas a esticar a corda com as Forças Armadas, onde prosperam as desavenças internas em torno da submissão à nova ordem, para desestabilizar não apenas a sociedade, mas o novo governo.

É esta turbulência que marca o início efetivo dos trabalhos legislativos. A velocidade de tramitação das pautas do Executivo no Congresso é proporcional à capacidade de entrega de seu governo e à popularidade dela decorrente. Vem daí a pressa. E também as lombadas.

Valor Econômico