Lula usará Conselhão para acabar com ‘cercadinho’ empresarial

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Foto: Wenderson Araujo/Valor

A volta do “Conselhão”, ou Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, é a “erosão final do cercadinho” do ex-presidente Jair Bolsonaro. O órgão de consulta, que terá mais de uma centena de integrantes, será uma arena para o governo dialogar com o empresariado, tendo o cuidado de observar a critérios de representatividade. Padilha destacou que 40% dos membros serão mulheres e grupos temáticos vão ser constituídos para debates como o diálogo inter-religioso.

Em uma hora e dez minutos de entrevista ao Valor, Padilha divulgou nomes de alguns integrantes do colegiado. Entre eles, está Isaac Sidney, presidente da Febraban. Na indústria, consta o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. No agronegócio, o empresário Rubens Ometto, da Cosan. As “big techs” estão representadas com Conrado Leister, da Meta. No varejo, Luiza Trajano (Magazine Luiza). Na sociedade civil, Neca Setúbal, da família controladora do Itaú. Também haverá um mínimo de 40% de mulheres, em uma preocupação para com a diversidade.

Se a reforma tributária for vista como um embate entre segmentos econômicos, não terá ambiente para aprovação”

Padilha foi um dos articuladores da permanência no governo do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, deputado licenciado do União Brasil, bombardeado por denúncias, entre elas usar voos da FAB para atividades particulares. Juscelino se explicou para Lula em uma reunião na tarde da segunda-feira, acompanhada por Padilha.

“Esse vai ser um padrão: a presunção da inocência. Não vamos seguir pré-julgamentos”, afirmou.

Sobre a demora no preenchimento de cargos administrativos, Padilha disse que não há represamento para negociação política e nem veto a funcionários públicos que atuaram no governo Bolsonaro. Segundo ele, a lentidão se deve à remontagem de diversas estruturas, em razão da criação de novos ministérios. A seguir, trechos da entrevista ao Valor.

Valor: Por que recriar o Conselhão? Qual a ideia do governo?

Alexandre Padilha: Isso faz parte do que eu chamo de um programa de reabilitação das relações institucionais. O presidente anunciou a intenção dele de recriar o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social. A gente acrescenta a esse nome o a ideia de “sustentável”, na medida provisória de recriação dele. É uma necessidade do país. O Brasil viveu, durante o período Bolsonaro, quatro anos de conflito, de interdição do diálogo, de interdição da ideia de que é possível construir consensos. O tempo todo era polarização, disputa política, conflito, querer exterminar o diferente. É uma necessidade do país ter uma mesa onde nós acreditamos que é possível construir agendas comuns, é possível construir consensos.

Valor: Em que ele será diferente do Conselhão de 2003?

Padilha: O Brasil mudou muito de 2003 para cá. Então, nós queremos recriar o Conselhão também buscando expressar a nova realidade de atores econômicos do país. Ampliando, por exemplo, a participação do agronegócio, que inclusive se internacionalizou. Pelo fato de estar inserido no ambiente global, tem uma visão sobre a sustentabilidade diferente da postura anterior. Estamos buscando dar mais espaço, maior representação da das fintechs, das startups. Então, buscando ter maior diversidade regional, ampliando mais espaço pro setor de serviços. A indústria da inovação, o setor de serviços para nós é estratégico hoje, para o dinamismo das economias nacionais, e mesmo para a inserção global. Estamos buscando no novo Conselhão dar mais espaço para temas como a diversidade étnica, racial, de gênero, que é um tema que já entrou cada vez mais com muita força, também no ambiente corporativo.

Valor: As igrejas vão participar?

Padilha: Nós queremos trazer esse debate para o espaço do Conselhão, mas sinceramente ouvindo vários atores religiosos. A representatividade dele não vai ser só pelos seus membros, mas também pelos grupos temáticos que vamos constituir. Um dos grupos vai ser exatamente sobre o debate inter-religioso. A gente realmente ficou em dúvida e optamos por não apostar nisso.

Valor: Há uma tensão com o agronegócio por conta da mobilização dos movimentos sociais no campo. O Conselhão pode ser um fórum de diálogo sobre isso?

Padilha: Eu estou convencido de que, nesse tema de mobilização no campo, pode ter acontecido um ato isolado. Ao mesmo tempo, eu acredito que sobretudo os atores mais dinâmicos do agronegócio não querem embarcar na postura violenta, antidiálogo, estimulada pelo Bolsonaro nos últimos quatro anos. Nós acreditamos que o Conselhão pode ajudar a criar um ambiente de diálogo muito importante na área rural do país. Vamos ter lá o agronegócio, vamos ter lá o MST, representantes da agricultura familiar.

Valor: O setor de serviços é um dos que mais resistem à atual proposta de reforma tributária. O Conselhão também pode ajudar nisso?

Padilha: Acreditamos que a presença desse setor pode contribuir para o debate da reforma tributária. Mas também em um diálogo importante desse novo mundo do trabalho. Tem uma nova realidade do mundo do trabalho, dos direitos trabalhistas, de como se organiza esse trabalhador, que é muito dinâmico. Acreditamos que trazer esses vários representantes do setor de serviço junto com novas formas de organização dos trabalhadores nesse setor, não só as organizações tradicionais, pode contribuir muito pro debate sobre essa questão do trabalho no setor.

Valor: Os prefeitos estão muito preocupados com a possível extinção do ISS. E de ficarem isolados nesse debate da reforma tributária por causa desse ponto

Padilha: O Conselhão pode ser um espaço para ajudar esse trabalho que vem sendo muito bem desenvolvido pelo Ministério da Fazenda em conjunto com o Congresso na construção de consensos para podermos aprovar uma reforma tributária. A gente não está tratando de pontos específicos na montagem do Conselhão. A ideia é que o Conselhão não seja um somatório da fragmentação dessas agendas, mas seja um espaço para construir agendas comuns.

Valor: Qualquer que seja a reforma aprovada, ela vai implicar a oneração de alguns setores e na desoneração de outros. Isso está claro…

Padilha: Está claro para você. Se a reforma tributária for vista como um embate entre segmentos econômicos, não se cria um ambiente para construir um esforço de aprovação. O centro da reforma tributária é aquilo que vem sido dito pelo ministro Fernando Haddad e pelo Bernard Appy é o da simplificação. Simplificar o que temos de impostos no Brasil para facilitar quem quer investir no país. Valor: Arthur Lira [presidente da Câmara] disse que será uma reforma possível. E que o governo hoje não tem maioria pra aprovar um projeto, que dirá uma emenda constitucional Padilha: A reforma tributária e o marco fiscal não são temas que sejam embate entre governo e oposição. São dois temas, inclusive, que dentro do Congresso Nacional constroem um ambiente de diálogo entre parlamentares que compõem partidos que estão na base do governo com partidos que se declaram de oposição.

Valor: Quando o senhor acredita que a reforma será aprovada?

Padilha: O mais rápido possível. Eu diria que tem um ambiente positivo no Congresso Nacional para aprovar uma reforma tributária neste ano, no Congresso.

Valor: Governistas e oposição têm uma visão diferente sobre o marco fiscal. Isso esbarra na capacidade que governo vai ter para investir, para manejar o Orçamento

Padilha: Mas o marco fiscal não é um marco para este governo. O que o Brasil precisa é ter um marco fiscal que garanta previsibilidade para este e os próximos governos. Para quem quer investir hoje, programar investimentos de médio e longo prazos, o ambiente a ser criado no país. A mesma coisa em relação à sustentabilidade. O Brasil tem tudo para promover uma profunda transformação de matriz energética e ser um grande exemplo para o mundo. Esse é um investimento de médio e longo prazo que exige essa estabilidade.

Valor: É possivel um debate conjunto entre reforma tributária e marco fiscal no Congresso?

Padilha: Logicamente, o marco fiscal caminha junto com o debate da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com a própria discussão do Orçamento do ano que vem. Ele tem um calendário mais pré-definido. Mas é muito positivo para o país os dois debates estarem acontecendo juntos. Porque são dois pilares muito importantes para criar um ambiente de estabilidade e atração de investimentos.

Valor: Uma revisão da reforma trabalhista pode ser discutida dentro do Conselhão?

Padilha: O presidente nunca falou em revisão. O que é uma das promessas do presidente é discutirmos diante da nova realidade do trabalho. Como garantirmos que o trabalhador no aplicativo com vínculo de trabalho intermitente tenha o mínimo de direitos. Que o fato de ser gestante garanta a licença-maternidade. Tenho certeza que vários dos empresários, que dirigem empresas que têm novos regimes de trabalho, têm isso como uma preocupação. Como, obviamente, as entidades que representam esses trabalhadores, também têm. Eu acho que pode ser um espaço de encontro no debate sobre esse novo mundo do trabalho.

Valor: Quem serão os representantes fixos do Conselhão?

Padilha: O presidente, o vice-presidente e o ministro das Relações Institucionais. A gente parte de um número com mandatos que podem ser renovados. Tem em torno 150, 160. E com maior representação. Um pouco mais de 40% de participação de mulheres, o que é um ganho enorme em relação ao Conselhão de 2003. Terá representação de todas as regiões, maior participação de representantes negros. A gente fez um grande esforço de aumentar fortemente a representação de mulheres.

Valor: Qual a importância do setor financeiro no colegiado?

Padilha: O setor financeiro é extremamente importante hoje. Inclusive, tem um papel importante de influenciar o conjunto da dinâmica econômica, a postura e a participação dos outros empresários. E nós queremos o Conselhão como uma plataforma que estimule a verdadeira revolução em ESG que já vem acontecendo em atores econômicos no mundo privado. E muito estimulado pelo setor financeiro, nas diretrizes de governança para as empresas que abrem seu capital. Valor: Quando será a primeira reunião? Padilha: O nosso combinado com o presidente é poder fazer a primeira grande reunião do pleno logo depois da volta dele da China. Então nós vamos em abril fazer a primeira reunião do pleno.

Valor: O Conselhão pode ajudar o governo em temas como a autonomia do BC, por não ter uma base forte no Congresso?

Padilha: Quando o Congresso aprova essa lei [de autonomia do BC], ele puxa pra si também esse debate [sobre juros]. Esse debate vai acontecer no Congresso independentemente do Conselhão. O Conselhão vai ser um espaço de debate da cena pública. Se tem uma pessoa que dá vazão a qualquer debate, crítico, sugestões, é o presidente Lula. A era de um presidente que só queria viver na sua bolha, no seu cercadinho acabou. O Conselhão, de uma certa forma, é a erosão final do cercadinho do Bolsonaro. É criar um espaço para a cena pública com muita diversidade, onde vai estar sentado, de um lado, um grande representante do agronegócio e, do lado, dele um representante do MST, da agricultura familiar, do setor urbano, da diversidade cultural, da Região Nordeste do país, da Região Sul. [O Conselhão] é erodir o cercadinho do Bolsonaro e a sociedade de bolhas, essa ideia da sociedade fechada na sua bolha do WhatsApp.

Valor: Essa questão das “fake news” será discutida?

Padilha: Tudo que seja decisivo para o fortalecimento da democracia, eu acho que tem que ser um debate do conselho. Depois do que a gente viveu com o Bolsonaro – a política do cercadinho, do conflito, da disseminação de fake news, do incentivo aos ataques terroristas que aconteceram aqui -, é impossível um espaço como esse não ter o tema da democracia como um dos seus temas centrais. As grandes democracias têm discutido esse tema: como preservar suas democracias dos crimes que estão sendo cometidos nas redes sociais.

Valor: Parece que chegou-se a uma solução para a permanência do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, não?

Padilha: Desde o começo, o presidente Lula tem dito claramente que vai dar, não só pra esse ministro, mas pra qualquer ministro ou ministra, a garantia da presunção da inocência. E cabe a esses ministros ou ministras dar explicações, esclarecer as dúvidas, mostrar com fatos que aquilo do qual ele é acusado não procede. Participei da reunião [com o Juscelino] e o presidente Lula reforçou exatamente isso para o ministro das Comunicações. Se você não concorda com aquelas acusações que estão sendo feitas, explique-se. O presidente Lula, vai dar a ele [ministro] o direito da presunção da inocência.

Valor: Vocês estão convencidos da inocência dele?

Padilha: Nós estamos dando a ele o direito da presunção da inocência, como daremos a todos os ministros e ministros. Valor: É uma forma de evitar que o governo fique suscetível à pressão por demissão de ministro? Padilha: O governo não vai ficar suscetível a nenhum partido ou qualquer opinião em relação a isso. O governo seguirá os fatos.

Valor: Como esse caso pode influenciar a relação do governo com o União Brasil?

Padilha: Eu separo totalmente [essas duas questões]. Nós temos várias ministras e ministros que não são filiados a partidos. A relação com o União Brasil tem sido uma relação que independe de ministro A ou B. E acredito que nós vamos ter a melhor relação possível com a União Brasil. O União tem indicado, desde o começo, quadros para o governo, tem ampliado a sua participação.

Valor: O União Brasil está perto de se federar com o PP, que está mais na oposição. Isso não vai mudar a relação dele com o governo?

Padilha: Eu saúdo qualquer federação que foi constituída, que signifique maior coesão de projetos partidários. Isso, pra mim, é saudável, contribui para a democracia, para o fortalecimento de partidos. Se essa fusão vier acontecer, eu acredito, inclusive, que pode melhorar a relação, porque você desfragmenta essa relação.

Valor: Mas o comando do PP faz oposição ao governo….

Padilha: Se acontecer, nós vamos discutir como será a nossa relação com o União Brasil. Acredito que nossa relação possa melhorar, inclusive com a definição de votação de projetos. Tem projetos que independem de governo e oposição.

Valor: Está demorando muito preenchimento de cargos no governo. Essa demora é política?

Padilha: Não, não tem nenhuma relação com isso. O que tem é que você está reconstruindo a estrutura de governo federal. Nós recriamos o Ministério da Cultura, criamos o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério das Mulheres, Ministério dos Esportes, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Na MP que nós encaminhamos em 1º de janeiro, tem órgãos que deixam de existir, órgãos que passam de um ministério pro outro. Isso fez com que só no final de janeiro a gente tivesse a estrutura desses órgãos, exatamente porque nós recriamos ministérios que tinham sido destruídos pelo Bolsonaro sem aumentar cargos, sem aumentar gastos, reorganizando aquilo que tinha na máquina federal.

Valor: Foi feito um acordo, com a chancela do Lira, para que os deputados novos também recebam uma parte das emendas parlamentares. Mesmo assim, vários deles assinaram, por exemplo, o requerimento de criação da CPMI do atos de 8 de janeiro. O governo vai cobrar para que quem recebeu esse recurso não dê apoio a iniciativas desse tipo?

Padilha: Nós consideramos que a melhor forma de apurarmos quem financiou, quem mobilizou, quem organizou esses atos de 8 de janeiro, que foram um atentado à democracia, seja fortalecer o trabalho que já vem sendo feito pela Polícia Federal, pelo Ministério da Justiça e pelo Judiciário. Qualquer iniciativa, sobretudo liderada por quem passou pano para os atos terroristas, não são iniciativas positivas para a apuração desses fatos. Esse debate nós vamos fazer com os líderes não só do governo, mas também de oposição.

Valor Econômico