Ministros de Bolsonaro aceitaram presentes proibidos no exterior

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Foto: Valdenio Vieira/PR / Governo Federal

A Secretaria-Geral e a Comissão de Ética da Presidência da República foram notificadas nesta quarta-feira pelo Tribunal de Contas de União (TCU) sobre os relógios de luxo recebidos por parte dos integrantes da comitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro em viagem oficial ao Catar, em 2019. Para o órgão, as peças de luxo recebidas estão em “desacordo com o princípio da moralidade pública” e extrapolaram os “limites da razoabilidade”.

A decisão atendeu parte de um pedido do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). Em sua representação, o parlamentar informou ao TCU que cinco membros da comitiva do presidente ao Catar receberam de presente relógios das marcas Cartier e Hublot, que podem custar até R$ 53 mil. A Comissão de Ética Pública da Presidência analisou o caso em 2022, e entendeu à época que os membros da comitiva não precisavam devolver os presentes. A decisão difere da tomada pelo TCU nesta semana.

Os relógios de luxo foram destinados a ministros de Bolsonaro na época. Os beneficiados foram Gilson Machado (Turismo) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). O deputado Osmar Terra (MDB) também recebeu uma peça, assim como Sergio Ricardo Segovia, então presidente da Apex; e Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, que era chefe da Assessoria Especial de Relações Institucionais.

Gilson Machado: o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro foi candidato ao senado de Pernambuco pelo PL, nas eleições de 2022, mas não conquistou o cargo e perdeu para Teresa Leitão (PT). A tentativa de candidatura ocorreu após o então líder do governo do Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), desistir da reeleição e se afastar do ex-presidente.
Amigo pessoal de Jair Bolsonaro, Machado ficou famoso por tocar sanfona em algumas das lives semanais do ex-presidente, passou pela casa que hospeda o ex-presidente nos EUA, em Orlando, desde o último fim de semana.

Ernesto Araújo: o ex-ministro das Relações Exteriores é criador de um canal no YouTube chamado “Logopolítica”, onde ficou conhecido nas redes em polêmicas por adotar uma postura de criticar as atitudes do governo de Bolsonaro diante do conflito da Ucrânia. Defensor de que o país adotasse posições pró-Ocidente, o diplomata e escritor se graduou em Letras pela Universidade de Brasília (UnB), em 1988, e ingressou na carreira diplomática em 1991.

Sérgio Ricardo Segóvia Barbosa: Contra-Almirante na Marinha Brasileira, o militar assumiu a presidência da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em 2019. Ele participou da comitiva do presidente Jair Bolsonaro que viajou à Miami no início do mês.

Osmar Terra: deputado federal (MDB), exerce seu sexto mandato pelo Rio Grande do Sul. O médico gaúcho já foi ministro do Desenvolvimento Social, durante o governo de Michel Temer, e Ministro da Cidadania no governo de Bolsonaro. É um dos maiores defensores de Bolsonaro e fez forte campanha contra a vacinação da Covid-19 no país.

Caio Megale: economista-chefe da XP Investimentos, Megale foi secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio e diretor de programas no Ministério da Economia, entre os anos de 2019 e 2020. Ainda durante o governo Bolsonaro, Megale também integrou a equipe de Paulo Guedes, no Ministério da Economia, até meados de 2020.

Na ocasião, o encontro de Jair Bolsonaro e o emir do Qatar, Tamim bin Hamad al-Thani foi para promover relações bilaterais entre os dois países. Apenas depois da volta ao Brasil, alguns presentes foram repassados aos membros do governo pela Presidência da República.

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No mesmo episódio, a comitiva brasileira presenteou às autoridades do Qatar peças alusivas à cultura brasileira. O emir Tamim bin Hamad al-Thani, por exemplo, recebeu camisas do Flamengo e da seleção brasileira.

Também foram presenteados o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, e o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. No período, Onyx e Heleno não revelaram quais presentes receberam. O único a devolver o presente foi Roberto Abdalla, embaixador brasileiro em Doha na época da viagem. Ele abriu mão do Hublot devido ao “seu custo elevado”.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, recebeu uma placa com os seguintes dizeres inscritos: “Qatar Business Incubation Center – Developing the Next QAR 100 Million Companies in Qatar”. O objeto não tem valor comercial.

O caso chegou em 2022 à Comissão de Ética Pública da Presidência, após Caio Megale levantar dúvida quanto a ser ético ou não ficar com o relógio da Cartier. Ele recebeu o presente um mês depois da viagem através de um ajudante de ordens da Presidência da República.

O caso terminou em empate na comissão. Assim, coube ao seu presidente, André Ramos Tavares, decidir. No seu entendimento, os membros da comitiva não precisavam devolver os relógios. Segundo ele, isso não seria uma “flexibilização da regra”, mas uma “hipótese normativa de exceção”. A decisão foi justificada tendo com base uma declaração do Ministério das Relações Exteriores que afirma terem sido os presentes parte de uma prática usual das relações diplomáticas.

Tavares, no entanto, sinalizou para a necessidade de se estabelecer um critério objetivo para tais situações, com a definição de um valor máximo para os presentes que podem ser aceitos em função de relações diplomáticas.

Já o TCU entendeu que o “recebimento de presentes de valor tão elevado afrontaria o princípio constitucional da moralidade” e extrapolaria o código de conduta da alta administração pública.

O Globo