Tucano ignora contexto político em crítica a Lula

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depois de apoiar publicamente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno da eleição presidencial do ano passado e atuar como um dos principais interlocutores entre PT e PSDB em diversos momentos da política brasileira, o empresário e agora ex-senador Tasso Jereissati está frustrado com os rumos do Palácio do Planalto.

“Estou muito surpreso. Eu não esperava que o Lula e sua equipe viessem nessa linha radical de política econômica”, afirmou o tucano em entrevista ao Estadão, referindo-se aos embates do governo com o Banco Central. Aos 74 anos, o ex-governador do Ceará e ex-presidente do PSDB não disputou as últimas eleições e hoje tem um assento na Executiva Nacional da legenda.

Como o senhor avalia os primeiros meses do governo Lula no aspecto econômico e esse embate promovido com o Banco Central?
Estou muito surpreso. Eu não esperava que o Lula e sua equipe viessem nessa linha radical de política econômica. Não é radical só pelo fato de ser de esquerda, que tem propostas boas, mas pelas ideias ultrapassadas, vencidas e que já foram testadas. É radical também pelo tom da agressividade. Esse embate com o Banco Central é inteiramente desnecessário. Em relação ao presidente do Banco Central, chegou a ser feito um ataque pessoal. Isso é profundamente prejudicial à economia do País. Por outro lado, o (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda) traz alguma moderação. Mas o conjunto traz uma linha agressiva que volta atrás em conquistas de outros governos, do (Michel) Temer e até do Lula.

Estou muito surpreso. Eu não esperava que o Lula e sua equipe viessem nessa linha radical de política econômica.
Após Lula se eleger com apoio de uma frente ampla no 2º turno, esperava um governo mais amplo também?
Esperava que não só o governo, mas o próprio Lula fosse mais amplo, porque ele já foi. O Lula 1 era muito aberto. Ouvia de um lado, do outro e distinguia. Na maioria das vezes tomava o rumo correto na área econômica. Eu acompanhei isso de perto, especialmente nos três primeiros anos. Lula tinha o (Antonio) Palocci como ministro e uma equipe econômica muito boa, que tinha o Marcos Lisboa, o (Joaquim) Levy e o (Bernard) Appy. Lula tinha uma abertura para uma visão mais ortodoxa da economia maior do que tem hoje.

Acredita que Lula terá dificuldades no Senado com esse perfil de viés mais conservador da Casa?
Qualquer presidente teria de fazer muitas concessões para governar com esse perfil que saiu das eleições de 2022 no Congresso. O Lula me parece que politicamente está fazendo essas concessões. Eu li que boa parte das diretorias executivas dos ministérios não está preenchida. Você falou que o Senado na atual legislatura é conservador, mas eu diria que é mais fisiológico.

Existe um vácuo de lideranças nacionais de oposição no campo do centro. Qual deve ser o papel do PSDB, agora sob a presidência do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite?
Nós já definimos nossa posição, que é de oposição. Mas não seremos uma oposição, entre aspas, bolsonarista. O PSDB é o único partido que fez oposição ao (Jair) Bolsonaro e agora ao Lula. Foi nesse espaço de centro que trabalhamos a vida inteira. Mas, nos últimos anos, especialmente após a eleição do Bolsonaro, esse espaço desapareceu. Prevaleceram a polarização e um radicalismo gigantescos. Não restou ao eleitor outro caminho a não ser Lula ou Bolsonaro. Nunca acreditamos no Bolsonaro. Sempre fomos contra ele. Votamos no Lula no segundo turno. Mas agora, principalmente em função da política econômica, temos obrigação de ser oposição.

O que significou para o PSDB ter deixado de lançar um candidato próprio à Presidência em 2022?
Nascemos como um partido pequeno, mas de qualidade. O PSDB era reconhecido por ter os melhores quadros do Brasil e ainda intelectuais da academia e economistas. Chegamos à Presidência. Sofremos reveses e cometemos erros após perdermos a eleição para o Lula em 2022. Perdemos espaço para a polarização. Não havia espaço para um discurso de bom senso e equilibrado nas eleições de 2022. Quando apoiei Lula no segundo turno, sofri ataques da direita e do centro. Ou você era uma coisa ou era outra. A expectativa era de que o Lula viesse com a disposição de fazer um governo para todos, mas isso não aconteceu. Estamos vendo um Lula até raivoso em determinados momentos. Ele mesmo falou que era preciso acabar com o nós contra eles. Não veio um Lula Mandela, veio um Lula anti-Bolsonaro.

Estamos vendo um Lula até raivoso em determinados momentos. Ele mesmo falou que era preciso acabar com o nós contra eles.

Qual a posição do sr. sobre o PL das Fake News?
Essa discussão tomou outro rumo depois do 8 de janeiro. Aquilo que muita gente percebia como uma luta de ódios verbalizada na internet tornou-se fato repugnante, que foi a invasão e depredação da Praça dos Três Poderes. Isso foi estimulado pelas redes sociais. Essa é uma discussão que existe no mundo inteiro. Apesar de urgente, esse debate precisa ser mais aprofundado para se chegar ao mínimo de consenso.

O governo Lula acertou na política de preços dos combustíveis? Foi uma vitória parcial do ministro Fernando Haddad?
Não foi uma vitória nem uma derrota total do Haddad. O que a gente vê são coisas improvisadas e contraditórias. Criaram um imposto novo sobre exportação de petróleo, o que é uma incoerência total para quem diz que está tendo como prioridade a reforma tributária. Um dos pilares da reforma tributária é a desoneração total das exportações. É incentivar as exportações, e não onerar. Ir na direção contrária pode causar uma série de desequilíbrios. Há uma insegurança jurídica muito grande. Ninguém sabe qual será o rumo da economia. Existe uma paralisação dos investimentos. Estão todos esperando para ver o que acontece. Hoje, toda a expectativa do mercado, que tem sido atacado como se fosse um monstro, gira em torno da vida real da economia. A grande esperança é o novo arcabouço fiscal. Se vier algo consistente, isso vai dar um start na economia.

O MST fez recentemente, na Bahia, as primeiras invasões de áreas produtivas neste terceiro mandato de Lula. Que leitura o sr. faz dessa relação entre o movimento e o governo?
Se isso voltar a acontecer, será a radicalização definitiva não só da política, mas da sociedade brasileira. Isso é levar para o campo uma insegurança que ele já tinha com o governo Lula. O campo, que sustenta as exportações e o crescimento da economia, vai virar um campo de revolta e de enfrentamento com o governo. Espero que isso não aconteça.

O sr. vislumbra que alguma liderança do centro democrático possa ocupar o espaço do bolsonarismo na oposição ao governo Lula?
Nossa expectativa não é ocupar o campo do Bolsonaro, mas do centro. Não temos afinidade com o bolsonarismo radical. Para não ficar só na crítica ao governo Lula, foi um enorme ganho para o País a retomada do discurso sobre meio ambiente. Voltamos a existir lá fora. Deixamos de ser pária. Nisso concordamos inteiramente com a política do Lula. E tem a questão da vacina. Vi com muita alegria o (vice-presidente) Geraldo Alckmin vacinando Lula. Esse espaço do centro estava muito enxertado pelo antipetismo. Nossa expectativa é ocupar a centro-direita e a centro-esquerda.

Estadão