20 faculdades teriam fraudado papéis do Fies
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A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) investigam um esquema que pode ter envolvido servidores do Ministério da Educação e gestores de pelo menos 20 faculdades particulares para liberar, de forma ilegal, verbas relacionadas ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Segundo as investigações, a fraude envolvia o registro de informações falsas das instituições de ensino e até a clonagem de decisões judiciais para que as faculdades pudessem receber esse dinheiro.
A Justiça autorizou o bloqueio de quase R$ 21,3 milhões em recursos das faculdades supostamente envolvidas no caso. O dano total aos cofres públicos, no entanto, pode ser ainda maior.
Entenda, abaixo, como funciona o repasse do Fies às faculdades – e como os fraudadores agiam, de acordo com a PF e a CGU.
O trâmite normal
As regras em vigor atualmente preveem uma série de passos para que uma faculdade particular possa acessar os recursos do Fies. Entenda:
A adesão das faculdades ao Fies é voluntária, e as instituições precisam informar ao MEC os valores das mensalidades e as vagas que serão ofertadas no programa.
O aluno que adere ao Fies contrata um financiamento estudantil junto à Caixa ou ao Banco do Brasil, e só começa a pagar as parcelas após concluir o curso. O prazo de pagamento e os juros variam.
Em vez de receber as mensalidades do estudante, a faculdade é “paga” pela União na forma de títulos da dívida identificados pela sigla CFT-E.
Esses títulos não podem ser negociados e ficam “guardados” na Caixa Econômica. As instituições podem, no entanto, usar os valores para quitar dívidas previdenciárias ou tributárias.
Se a faculdade, no entanto, conseguir comprovar que não tem dívidas desse tipo – ou seja, apresentar uma Certidão Negativa de Débitos –, as regras preveem a “recompra do título”. Ou seja, o resgate desses papéis e a liberação do dinheiro para a faculdade usar como bem entender.
Ou seja: para usar os recursos do Fies como bem entender, a faculdade particular precisa comprovar ao governo que não tem nenhuma pendência de impostos ou de previdência.
Para as instituições de ensino que não estão nesse cenário, uma outra possibilidade é pedir uma autorização provisória (liminar) à Justiça para usar esses recursos de forma livre, mesmo que as dívidas sigam pendentes.
Tanto a certidão negativa quanto a decisão liminar devem ser inseridas em um sistema eletrônico do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC que lida com a liberação de recursos. É por esse sistema, também, que as faculdades pedem o “resgate” dos títulos do Fies.
A fraude, segundo as investigações
De acordo com a PF e a CGU, a fraude se baseava justamente nessa possibilidade de liberar o dinheiro por decisões liminares da Justiça.
A apuração apontou que o grupo fraudava essas sentenças. Havia pelo menos cinco “modalidades” de fraude e adulteração dos documentos:
copiar dados de uma decisão verdadeira para criar uma liminar falsa;
falsificar a data-limite de uma decisão verdadeira – ou seja, prorrogar a permissão de resgate;
forjar a inclusão de uma faculdade não beneficiada em uma decisão judicial legítima;
criar uma liminar completamente falsa, do zero;
mudar o alcance da decisão, ou seja, inserir uma liminar parcial no sistema como se houvesse permissão total.
Em todas essas possibilidades, a instituição ficava autorizada indevidamente a resgatar os títulos em dinheiro.
A fraude, de acordo com a apuração, envolvia:
servidores e terceirizados do FNDE à época, que recebiam “vantagens indevidas” para cadastrar os documentos falsos no sistema;
advogados de escritórios especializados em direito educacional, que agiam junto a esses servidores.
Além de toda a manipulação dos títulos do Fies, a investigação apontou ainda outros tipos de adulteração.
Segundo a PF, uma empregada terceirizada do FNDE chegou a usar o acesso ao sistema para alterar seu próprio financiamento – e estendeu a “bondade” ao companheiro.
Havia, ainda, casos de estudantes inseridos no Fies fora das regras ou do prazo de adesão, ou seja, com cadastros ilegais.
O que diz o governo
O MEC não se pronunciou sobre a operação desta quarta. Já a gestão do FNDE divulgou nota informando que apura o caso desde 2020 e que os servidores suspeitos foram exonerados. Leia o comunicado:
O FNDE informa que o caso já estava sendo apurado desde 2020, quando a autarquia identificou cadastros irregulares de liminares judiciais para recompra de títulos por parte de mantenedoras. O caso foi levado à Polícia Federal e à CGU, que prosseguiram com apurações e demais providências. Os supostos envolvidos foram afastados imediatamente dos cargos que ocupavam e o FNDE prestou todos os esclarecimentos e informações necessárias.
A atual gestão do FNDE já está apurando junto à CGU e à Polícia Federal se há indícios de fatos novos que necessitem de providências adicionais. Reforça, ainda, seu compromisso com a integridade e que está à disposição dos órgãos do Sistema de Justiça e de Controle para que os procedimentos ocorram em obediência aos direitos e garantias constitucionais.