Acórdão do TCU criminaliza Bolsonaro no caso das joias

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O terceiro kit de joias foi entregue nesta terça-feira, 4, à Caixa Econômica Federal. Nesta quarta, 5, Bolsonaro depõe perante a Polícia Federal sobre o caso Foto: Estadão

Discute-se no Tribunal de Contas da União e em outros âmbitos fiscalizatórios o problema da devolução das joias oferecidas pela Arábia Saudita ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à então primeira-dama Michelle. As joias e relógios foram avaliados em R$ 16,5 milhões, mas consta que há outros presentes pendentes de apuração.

O problema maior de Bolsonaro é que incidiu numa prática já anteriormente reprovada pelo Tribunal de Contas da União em relação a outros governantes e políticos, como foi o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da ex-presidente Dilma Roussef. Se antes era possível alegar boa fé, pois de fato foi uma prática comum no meio político, agora não é mais crível essa tese.

Com efeito, o TCU fixou o entendimento sólido a respeito da matéria em acórdão proferido em 2016 (TC 011.591/2016-1 – ACÓRDÃO Nº 2255/2016 – TCU – Plenário). Nesse sentido, este acórdão estabeleceu que devem incorporar o patrimônio da União, por força do disposto no art. 3º, parágrafo único, inciso II, do Decreto 4.344/2002, “todos os documentos bibliográficos e museológicos recebidos pelos presidentes da República, nas denominadas cerimônias de troca de presentes, bem assim todos os presentes recebidos, nas audiências com chefes de Estado e de Governo, por ocasião das visitas oficiais ou viagens de estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de estado de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil, excluídos apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo Presidente da República”, além de expressamente comunicar à Secretaria de Administração da Presidência da República e ao Gabinete Pessoal do Presidente da República que adotasse as necessárias providências para o cumprimento da decisão.

Extrai-se do entendimento da Corte de Contas da União que, mesmo nas situações de troca protocolar e simbólica de presentes, ainda que possam ser de uso pessoal, quando forem dotados de elevado valor comercial, não se aplica a regra do artigo 3º, inciso II, do Decreto 4.344/2002, que regulamentou a Lei no 8.394/91, dispondo sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos Presidentes da República, porquanto tal prática colidiria com os princípios constitucionais da moralidade e razoabilidade administrativas.

De resto, em tese, a apropriação indevida de patrimônio público e o recebimento de presentes em situações de potencial conflito de interesses, pode encontrar reprovação no Código Penal (artigo 312 – peculato), na Lei de Improbidade administrativa (artigo 9º, inciso I), configurando enriquecimento ilícito do agente público.

Evidentemente, não se está a dizer que ocorreu crime ou improbidade administrativa por parte de Bolsonaro ou de algum dos envolvidos neste episódio, pois tais condutas exigem o elemento subjetivo doloso e merecem apuração detalhada. O que se observa, no entanto, pela forma de entrada dos bens no Brasil, foi uma simulação por parte de agentes públicos, tentando ocultar da Receita a verdadeira procedência dos produtos, não adotando os procedimentos exigidos para que fossem incorporados ao patrimônio público, em afronta ao entendimento do Tribunal de Contas da União e da Receita Federal do Brasil.

*Fábio Medina Osório é advogado, ex-Ministro da Advocacia-Geral da União (2016) e Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri.

Estadão