Além da direita, Lula sofre fogo amigo da esquerda

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Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Contrariando a agenda governista, o PT prepara uma ofensiva nos próximos meses sobre as principais propostas do Executivo que vão tramitar no Congresso. A iniciativa trará mais uma dificuldade para o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, que já terá trabalho para vencer resistências anunciadas por outras siglas da base e pelo Centrão em aprovar uma série de medidas.

Na queda de braço sobre o arcabouço fiscal, o PT quer evitar que a nova regra e a reforma tributária sejam apresentadas de forma que entrem em choque com bandeiras de esquerda do partido. Há uma preocupação, por exemplo, com o limitador de investimentos previsto no arcabouço idealizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o que, na visão de uma ala do PT, comprometeria o cumprimento das promessas de campanha.

O deputado Lindbergh Farias (RJ) pontua que a preocupação é evitar um “aperto fiscal que dificulte a recuperação econômica”. Também há incômodo com a ideia, em gestação na Fazenda, de desvincular da receita os gastos do governo com saúde e educação, como previsto na Constituição.

— Fui surpreendida com uma declaração do secretário do Tesouro (Rogério Ceron) de que iriam modificar ou desconstitucionalizar os pisos da educação e saúde. Isso é muito complicado para nós. É uma bandeira histórica do partido. O ministro (Haddad) nunca falou sobre isso conosco. Espero que o debate não seja encaminhado dessa forma — afirmou ao GLOBO a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Em várias frentes, os casos de descontentamento entre PT e governo se sucedem. No fim de fevereiro, por exemplo, Haddad estava na Índia, onde participava de um encontro do G-20, quando soube que a presidente do PT havia postado nas redes sociais uma manifestação enfática em favor do adiamento da volta dos impostos sobre os combustíveis, tema que pretendia discutir com Lula quando voltasse ao país.

Irritado, o ministro ligou para reclamar e pediu a ela que, antes de tratar de assuntos que dizem respeito à Fazenda, conversasse com ele. O debate sobre os combustíveis é ilustrativo de um debate mais amplo: a Medida Provisória que retomou os tributos encontra resistências também , por exemplo, no União Brasil, terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados — a sigla carrega como bandeira a redução da carga tributária.

Também no campo dos impostos, petistas preveem que a discussão da reforma tributária será ainda mais tensa. Um dos temores é de que o fatiamento da proposta, como planejado pela Fazenda, faça com que o Congresso acabe não mexendo com a questão da renda e patrimônio, um dos pontos centrais para o PT.

O deputado e ex-presidente do PT Rui Falcão (SP) defende que a implantação da unificação de ICMS, ISS e impostos federais, prevista originalmente na primeira fase, seja condicionada à aprovação da reforma da renda e patrimônio.

Na lista de pautas que podem gerar ruído com o partido do presidente está ainda a relação do Planalto com o MST e as discussões sobre reforma agrária, a política de preços da Petrobras e a relação com militares.

No horizonte, ainda há outra ordem de percalços para o governo administrar, como a tramitação da Medida Provisória que extingue a Funasa, o que gera resistências dos partidos de centro. Outro ponto de atenção é o texto que criou a atual estrutura da Esplanada e, por exemplo, passou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) da Agricultura para o Desenvolvimento Agrário. A Conab, responsável por supervisionar o Plano Safra, programa que concede crédito a pequenos e médios produtores, foi entregue ao ex-deputado Edegar Pretto (PT-RS), com ligações históricas com o MST. Em meados do mês passado, o MDB aprovou um documento em que diz que dará suporte às medidas encaminhadas pelo Executivo, “sem jamais deixar de fazer as críticas quando necessário”. O texto fala ainda em “respeito à propriedade privada” e ao “agronegócio”.

Em outro foco de embate, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já anunciou que a Casa não aceitará retrocessos no marco do saneamento, modificado por um decreto de Lula. Com a nova correlação de forças na Câmara e a formação de dois superblocos, o governo também não encontrou um ambiente que garanta a tranquilidade para a formação de uma maioria parlamentar.

O grupo recém-formado por Lira, que engloba PSB e PDT, além de União Brasil e PP, ainda hesita em demonstrar uma afinidade completa com o governo Lula. Na avaliação do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do superbloco, a adesão vai depender dos projetos apresentados:

— A gente ainda tem muitas dificuldades a serem superadas. Haverá totalidade dos votos em algumas propostas, em outras talvez não tenha.

Integrantes de outros partidos da base enxergam na postura do PT um movimento para não perder espaço na esquerda para siglas como o PSOL. Enquanto isso, há o alerta de que o sucesso do governo pode estar atrelado a um discurso de centro.

— O discurso para a militância está cada vez mais claro que caberá à Gleisi — afirma o líder do União no Senado, Efraim Filho (PB).

Para o senador Omar Aziz (PSD-BA), o presidente sabe que não há como atender a todas as demandas :

— Não será imposto ao Brasil a tendência ideológica de qualquer partido, seja de esquerda ou de direita. Lula é pragmático.

Como O GLOBO mostrou na quinta-feira, o Planalto terá que administrar ainda a briga por espaço orçamentário. Parlamentares de MDB, PSD e União Brasil, siglas que controlam ministérios, apresentaram emendas ao texto que reorganiza a Esplanada pleiteando a transferência de programas. Em um dos casos, emedebistas querem transferir o setor de hidrovias, que tem orçamento de R$ 1 bilhão e e hoje está na alçada do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB), para o Ministério dos Transportes, comandado por Renan Filho (MDB). Com as disputas internas a pleno vapor, Gleisi minimiza a possibilidade de as resistências apresentadas pelo PT atrapalharem o governo no Congresso.

— Não há nenhuma posição de confrontar governo, de confrontar o Haddad. Nós votaremos com o governo. Mas queremos levantar alguns aspectos e discutir.

Tópicos sensíveis

Saneamento
Decretos assinados por Lula beneficiando empresas públicas e prefeituras em contratos de prestação de serviços, foram alvos de críticas de aliados. O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou em rede social que o Congresso não admitiria “retrocessos” no marco legal do saneamento.

Reforma tributária
A exemplo do arcabouço, o PT também não diz se apoiará a proposta em discussão na Câmara. O partido afirma apenas que a prioridade da política econômica é o desenvolvimento, a reindustrialização e o crescimento com geração de empregos.

Relação com militares
Diante da politização das Forças Armadas sob Bolsonaro, o PT tenta limitar a atuação de militares e apresentou projeto para restringir o papel da caserna. O governo, contudo, tenta contornar a ofensiva para não criar mais animosidade.

Política de preços da Petrobras
O PT pressiona para que o governo acelere o fim da política de preço de paridade de importação, uma das promessas de campanha de Lula. O presidente, porém, diz que o assunto ainda não está sendo discutido. Entre os partidos de centro da base, a iniciativa não é bem vista.

MST
As invasões promovidas pelo movimento, que tem ligações com o PT, são motivo de descontentamento em parte da base de apoio ao governo no Congresso Nacional. A avaliação é que o Executivo deveria dar um freio no MST.

Funasa
Medida Provisória que extingue a Fundação Nacional de Saúde desagradou ao Centrão, que tem alguns partidos na base de Lula. O bloco usava as 26 superintendências do órgão para fazer indicações políticas e manter a capilaridade nos municípios.

Conab
Outro ponto que incomoda partidos aliados é a transferência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) da Agricultura para o Desenvolvimento Agrário, chefiado por Edegar Pretto (PT-RS), ligado ao MST. O órgão é responsável por supervisionar o Plano Safra, programa que concede crédito a pequenos e médios produtores.

O Globo