Aliança sino-brasileira vai dar o que falar
Foto: Ken Ishii / Pool / AFP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva traz na bagagem da viagem à China, encerrada ontem, dezenas de acordos de cooperação, em especial no campo do agronegócio, além de diversos contratos celebrados entre empresas brasileiras e chinesas. O petista também deixou claro para o presidente da nação asiática, Xi Jinping, com quem se reuniu nessa sexta-feira, que pretende elevar o patamar da parceria estratégica entre os dois países, “ampliar fluxos de comércio e, com a China, equilibrar a geopolítica mundial”. “É com a China que nós temos tentado equilibrar a geopolítica mundial, discutindo os temas mais importantes”, reiterou.
Um dos pontos da visita de Lula é a intenção do Brasil de se tornar um mediador na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A declaração conjunta dos chefes de Estado, divulgada após o encontro, aponta para um apoio mútuo dos dois países como atores na busca por uma solução de paz para o conflito.
“As partes afirmam que o diálogo e a negociação são a única saída viável para a crise na Ucrânia e que todos os esforços conducentes à solução pacífica da crise devem ser encorajados e apoiados”, enfatizaram, no documento.
Já na viagem que fez aos Estados Unidos, em fevereiro, Lula assinou uma declaração conjunta com o presidente americano, Joe Biden, em que criticava a invasão da Rússia ao território da Ucrânia, um dos objetivos da diplomacia americana, mas o desejo brasileiro de reconhecimento do país como negociador do conflito não foi atendido.
Na declaração conjunta de ontem, negociada com os chineses pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim, o Brasil reconhece publicamente que “recebeu positivamente ” o plano de paz de Beijing para o conflito, enquanto a China também atestou os esforços do Brasil de encontrar uma solução para a guerra.
O apoio mútuo é visto com cautela pelos aliados ocidentais da Ucrânia, liderados pelos Estados Unidos. Eles temem que um alinhamento dos emergentes possa aproximar esses países da Rússia, que passa por um processo de pressão, com o isolamento diplomático e econômico.
Os documentos da inteligência dos EUA, vazados nesta semana em redes sociais, reforçam essa reserva americana ao apontar que a Rússia estaria vendo com simpatia os esforços do Brasil em construir um grupo de países que seria “supostamente imparcial” para negociar uma solução do conflito.
A visita de Lula foi marcada por diversas declarações fortes, como a sugestão do presidente de se abandonar o dólar como moeda de troca nas relações comerciais entre os dois países. “Nós precisamos ter uma moeda que transforme os países numa situação um pouco mais tranquila, porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar, quando ele poderia exportar em sua própria moeda, e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, ressaltou, durante a posse da ex-presidente Dilma Rousseff no comando do Novo Banco de Desenvolvimento, instituição do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
A declaração, vista como uma ameaça à hegemonia americana, foi depois ponderada pelo presidente. Ele disse que moeda única é um processo difícil e pediu para que Dilma tenha calma com a sugestão estando à frente do banco dos Brics. “É necessário ter paciência, mas por que um banco como o dos Brics não pode ter uma moeda que possa financiar a relação comercial entre Brasil e China, e entre os outros países dos Brics? É difícil, porque tem gente mal-acostumada, e todo mundo depende de uma única moeda”, frisou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também se apressou em negar um possível afastamento em relação aos Estados Unidos. Para ele, o Brasil é “grande demais para escolher parceiro”. Destacou que o interesse do governo é estabelecer as melhores relações tanto com os Estados Unidos quanto com a União Europeia e a China.
Em uma reafirmação da independência brasileira e do não alinhamento na política externa, Lula disse que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”. A fala, no encontro com Xi Jinping, foi em resposta às críticas sobre a visita que fez à Huawei, empresa banida pelos americanos sob a alegação de espionagem.
Conforme balanço do Itamaraty, na viagem do presidente Lula à China foram fechados 20 acordos entre o governo e empresas estatais brasileiras e instituições chinesas. Já no setor privado, houve a celebração de mais de 20 contratos entre companhias dos dois países. Os acordos vão da retomada da cooperação para a construção de satélites até a compra de caminhões elétricos.
A construção de satélites ocorre com a renovação de um acordo de cooperação, que prevê desenvolvimento, fabricação, lançamento e operação conjunta do Satélite Sino Brasileiro de Recursos Terrestres, o CBERS-6. O novo equipamento, sexto da série, contará com uma tecnologia chamada Radar de Abertura Sintética (SAR), que vai permitir o monitoramento da Amazônia em qualquer condição climática.
“É um desenvolvimento comum de tecnologia. Com os chineses, desenvolveremos uma nova tecnologia de sensoriamento remoto, para além dos sensores óticos, com imagens mais precisas das situações climáticas, sobretudo na Amazônia, que permitirá ver através das nuvens”, disse a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos.
Já no setor privado, entre os contratos firmados está a aquisição de 280 caminhões elétricos da chinesa JAC Motors pela brasileira Seara e a compra de cinco navios do maior estaleiro do mundo, o chinês Cosco, pela empresa de celulose Suzano.
Do lado brasileiro, o grande vitorioso de vendas foi o agronegócio, que conseguiu levantar embargos e facilitar as condições para a exportação por meio de um convênio que prevê a elaboração de estudos para a adoção de um certificado sanitário digital, com o intuito de simplificar a exportação de proteína animal para o mercado chinês.
Também foi celebrado um memorando de entendimento entre o Ministério da Fazenda e o governo chinês para a promoção da cooperação e da colaboração de projetos de interesse mútuo, como parcerias público-privadas (PPPs), infraestrutura e captação de recursos.
Na declaração conjunta, divulgada após o encontro de Lula com o presidente chinês Xi Jinping, consta um comprometimento com as mudanças climáticas. Os dois países lembram que nações desenvolvidas se comprometeram, no Acordo de Paris, a abastecer um fundo climático que deveria chegar a US$ 100 bilhões por ano, meta não alcançada desde 2009.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, disse que a China será uma importante parceira para o reflorestamento no Brasil. Por meio de acordos tecnológicos, o governo pretende aumentar a rastreabilidade florestal no país. “Queremos trabalhar com rastreabilidade, e o Brasil tem um potencial muito grande para ser, ao mesmo tempo, uma potência agrícola e uma potência florestal”, frisou.