Após 19 anos Congresso e Exército voltam a ter interlocução

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Foto: Gabriela Biló/Folhapress

O Comando do Exército escalou um general para comandar o setor responsável pelo relacionamento com o Congresso Nacional após um período de 19 anos sem que oficiais da patente fossem designados para a função.

A estratégia de recolocar um general duas estrelas (primeiro de três níveis do generalato) na chefia da assessoria parlamentar foi adotada pelo comandante da Força, Tomás Paiva, diante da possibilidade de projetos contrários ao interesse das cúpulas militares serem aprovados no Legislativo.

O general Marcus Augusto da Silva Neto foi o escolhido para a função. Ele assumiu o cargo após aval dos 16 generais do Alto Comando do Exército, em reunião em fevereiro. Silva Neto, como é conhecido, é considerado um general experiente, com boa interlocução política.

O general chegou a ser sondado por integrantes da cúpula do Exército para o cargo ainda no fim do ano passado, após a vitória de Lula. Em avaliação interna, militares acreditavam que o Congresso poderia entabular discussões sobre o papel das Forças Armadas diante do envolvimento político da caserna com o governo Bolsonaro.

Uma das funções iniciais de Silva Neto, segundo relatos, será a de entender se há possibilidade de aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) do PT para alterar o artigo 142 da Constituição e retirar a citação à garantia da lei e da ordem entre as atribuições das Forças Armadas.

Ele também terá de avaliar o termômetro no Congresso para a instalação de uma CPI para investigar a invasão às sedes dos Poderes em 8 de janeiro e coordenar estratégias para conseguir emendas ao Orçamento para as despesas do Exército.

Tomás Paiva afirmou a subordinados, em janeiro, que o comando deveria preservar o Exército contra propostas de reformulação das Forças Armadas. A conversa foi gravada e vazada por militares presentes no encontro.

“Faz parte da cadeia de comando segurar para que isso não ocorra. Agora fica mais difícil, mas nós vamos segurar, porque o Brasil precisa das Forças Armadas. Da nossa postura, da nossa coesão, da nossa manutenção dos valores, da crença na hierarquia e disciplina, do nosso profissionalismo, depende a força política do comandante e dos comandantes de Força para obstar qualquer tipo de tentativa de querer nos jogar para o enquadramento”, disse na ocasião.

Para o senador e general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a convocação de um oficial-general para a assessoria parlamentar demonstra a relevância que o Exército tem dado para as discussões no Parlamento.

“Essa é uma questão estratégica do Exército. Ele está dando mais importância à assessoria colocando um elemento de nível hierárquico mais elevado para ter um diálogo mais forte com os parlamentares”, disse à reportagem.

No comando da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada nos últimos dois anos, Silva Neto foi o responsável por coordenar a segurança de eventos da Presidência da República, como o 7 de Setembro e a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nos dois casos, o general foi designado para o CSA (Coordenação de Segurança de Área) após o GSI (Gabinete de Segurança de Área), então sob o comando do general Augusto Heleno, solicitar ao Exército o nome de um militar para comandar a organização da segurança dos eventos.

No Bicentenário da Independência, por exemplo, ele teve de alterar a logística das solenidades para atender às ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL) de colocar tratores no desfile cívico-militar.

Ele ainda coordenou com lideranças de movimentos bolsonaristas a entrada na Esplanada dos Ministérios do carro de som utilizado no último 7 de Setembro, no qual Bolsonaro subiu e puxou gritos de “imbrochável”.

Nos preparativos da posse, a situação do general foi mais delicada. Inicialmente, a equipe da Polícia Federal que realizava a segurança de Lula tentou escantear o GSI e o Exército da cerimônia de posse.

No fim, o general Silva Neto conseguiu destravar parte da resistência e fez reuniões com integrantes da PF, do Governo do Distrito Federal e da equipe de transição de Lula sobre a segurança do evento.

O Exército informou, por nota, que a “última vez que um general chefiou a ASPAR (Assessoria Parlamentar) do Exército foi no ano de 2004”. À época, o general Rubem Peixoto Alexandre deixou o cargo prestes a receber a terceira estrela no ombro.

O principal esforço do general era buscar melhores condições ao Exército, com reforço orçamentário, após um período de dificuldades financeiras no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O militar chegou a receber um voto de louvor da Câmara, sugerido pelo deputado federal Alexandre Cardoso (PSB-RJ). “Sua presença nesta Casa foi fator determinante para a construção do consenso em torno da importância do reaparelhamento das Forças Armadas”, escreveu na ocasião.

Em 2006, Ricardo de Mattos Cunha assumiu a assessoria parlamentar como coronel e deixou o cargo justamente após ser promovido a general.

O fortalecimento da assessoria parlamentar das Forças foi uma estratégia adotada pelos militares durante o processo de redemocratização, em 1985. Na Assembleia Nacional Constituinte, assessores do Exército atuavam nas conversas com constituintes e repassavam as informações para o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves.

Como herança dessa época, as Forças Armadas ainda investem fortemente na assessoria parlamentar. Os militares usam uma sala de 27 m² no 27º andar da torre do Senado.

Seis assessores sem farda costumam circular pelos gabinetes de deputados e senadores para pedir emendas aos projetos da Defesa e sentir o clima para eventuais derrotas nas Casas.

Folha