Bolsonarismo vê ruptura com Tarcísio

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Foto: Ricardo Stuckert/PR

À plateia reunida em um evento para o agronegócio, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), diz ter uma relação amistosa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Agora eu e o presidente Lula somos sócios”. Horas depois, em encontro com investidores, Tarcísio reforça a disposição de parceria com o petista. “Nossa relação vai ser republicana”. No mesmo dia, o governador elogia publicamente Jair Bolsonaro (PL), diz que o ex-presidente é o líder da direita no país e afirma não ter pretensão eleitoral de suceder seu padrinho político.

Os discursos de Tarcísio nos dois eventos, realizados em 1º de fevereiro na capital paulista, simbolizam os movimentos feitos pelo governador nos 100 primeiros dias do mandato. Eleito graças ao apoio de Bolsonaro, Tarcísio tem demarcado diferenças ao dialogar com adversários políticos e tenta se consolidar como um moderado. Ao mesmo tempo, demonstra lealdade ao seu patrono eleitoral.

No primeiro mês de governo, Tarcísio reuniu-se com Lula três vezes, em Brasília, para demonstrar apoio à democracia e para pedir ajuda a projetos de interesse da gestão, como a privatização do porto de Santos. Esteve também com ministros como Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

O primeiro teste da relação com Lula se deu em 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais vandalizaram os Três Poderes em Brasília. No dia dos atos terroristas, Tarcísio afirmou que não deixaria essa cena se repetir em São Paulo e reforçou a segurança em torno de prédios públicos. No dia seguinte, no entanto, Tarcísio titubeou sobre ir a Brasília para um encontro liderado por Lula, em um gesto de defesa da democracia e de solidariedade ao petista. Num primeiro momento, disse que não iria, mas recuou depois de receber um telefonema da presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber. A magistrada pregou a necessidade do diálogo entre as instituições e os entes federativos depois dos atos.

O governador avaliou a possibilidade de participar por vídeo, mas decidiu ir a Brasília e participou do encontro com Lula, governadores e lideranças de instituições. Tarcísio discursou, disse que a democracia ficaria mais forte e pediu “gestos de todos para a pacificação”. Elogiou ainda o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e disse que tem que aprender com ele sobre São Paulo.

Ao mesmo tempo em que se descolou do radicalismo, Tarcísio não permitiu em São Paulo que a polícia retirasse manifestantes acampados em frente a um quartel, apesar de uma ordem judicial determinar a desmobilização. O governo determinou “ações pacíficas e baseadas no diálogo” com os bolsonaristas.

Tarcísio voltou a se unir a Lula para enfrentar a tragédia no litoral norte paulista depois de fortes chuvas, em fevereiro. O governador e o presidente se reuniram em São Sebastião (SP) e pregaram o trabalho em conjunto. Ao lidar com a calamidade, Tarcísio transferiu o gabinete do governo para o litoral norte, e lá se reuniu com ministros e secretários estaduais.

Na montagem do governo, Tarcísio blindou a área política do governo da influência de bolsonaristas e deu protagonismo a Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD e secretário de governo, que tem ajudado a manter uma boa interlocução com o governo federal.

Ao tentar se mostrar como moderado, no entanto, Tarcísio foi criticado por bolsonaristas. O governador gerou mal-estar com sua base política ao falar que não é um “bolsonarista raiz” e ao realizar ações de governo como a sanção do projeto de lei que autoriza o uso da maconha medicinal no SUS. O diálogo com Lula, com o MST, com ministros do Supremo Tribunal Federal e com o ex-governador João Doria também geraram críticas. Outra diferença em relação a Bolsonaro foi a defesa da vacinação.

Apesar de adotar uma postura distinta em relação a Bolsonaro, Tarcísio não pretende romper com o ex-presidente. E o governador não deixou de fazer acenos aos aliados do ex-presidente.

Tarcísio sancionou projetos caros ao bolsonarismo, como o que torna a Marcha para Jesus um patrimônio cultural imaterial do Estado e a lei que proíbe a exigência do certificado de vacinação em espaços públicos. Mudou ainda o nome da futura estação de metrô Paulo Freire para Fernão Dias. Nomeou indicados pela família Bolsonaro para a gestão, como Diego Dourado, irmão de Michelle Bolsonaro, e os secretários Guilherme Derrite (Segurança) e Sonaira Fernandes (Políticas para a Mulher).

Para o cientista político e professor da FGV Fernando Abrucio, a fragilidade de Jair Bolsonaro depois da eleição, com a possibilidade de se tornar inelegível, ajuda Tarcísio a se distanciar do bolsonarismo mais radical. “Se Bolsonaro estivesse forte, seria mais difícil para ele fazer esse movimento”, disse Abrucio. “Tarcísio tem buscado compatibilizar o poder de Kassab, que é o grande chefe do governo, com o bolsonarismo. Isso não tem sido fácil”, afirmou o professor. “Por vezes, ele tem sido chamado de ‘traidor’ pelos bolsonaristas.”

Na área de segurança, bandeira do bolsonarismo, o começo do governo foi marcado pelo aumento de 25% das mortes cometidas por policiais. A letalidade registrada em janeiro e fevereiro foi de 74 casos – mais de uma morte por dia. No ano passado, no mesmo período, foram 59 casos. Mesmo com esse aumento, nenhum policial foi morto em serviço no primeiro bimestre. A Secretaria de Segurança Pública disse que todos os casos são investigados e levados para o Ministério Público.

Na economia, Tarcísio reforçou a ideia de que fará um governo liberal e deu início a um amplo programa de privatizações, concessões e parcerias público privadas. Autorizou os estudos para a venda da Sabesp e da Emae, fez o leilão do trecho norte do Rodoanel e deu andamento ao processo de concessão do trem intercidades, entre São Paulo e Campinas.

O governador anunciou a concessão de linhas da CPTM e do metrô, e descartou qualquer possibilidade de romper o contrato das linhas 8 e 9 da CPTM, concedidas à ViaMobilidade, apesar dos recorrentes problemas nas duas linhas.

Para reforçar a bandeira liberal, Tarcísio disse que terá Paulo Guedes como conselheiro e levou o ex-ministro a um encontro com empresários alemães.

No plano político, Tarcísio enfrentou testes nesses 100 dias. Na relação com a Assembleia Legislativa, o governador conseguiu eleger seu candidato para o comando da Casa, o deputado André do Prado (PL), com apoio do PT, e barrou a instalação de CPIs que pudessem afetá-lo. Tarcísio tem apoio de ao menos 60% dos deputados e estuda criar a Medida Provisória estadual, para ampliar o poder do Executivo em relação ao Legislativo.

Em outro teste, desta vez com servidores públicos, o governador demonstrou dificuldade para lidar com a primeira greve de sua gestão, a dos metroviários. Houve divergências não só com os grevistas, mas também dentro da gestão, com o comando do Metrô.

O governador é tido por bolsonaristas como um nome natural para suceder Bolsonaro na disputa presidencial e tem buscado um eleitorado mais amplo, mas sem perder a conexão com a base bolsonarista que o elegeu em 2022. No entanto, tem tirado a disputa presidencial de 2026 de seus discursos. “No dia que você chegar, virar governador, de costas para o governo, já pensando no próximo passo, você está morto”, disse, em um dos eventos de 1º de fevereiro.

Valor Econômico