Câmara absolverá partidos de irregularidades eleitorais

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Wilton Junior/ Estadão

A Câmara dos Deputados acelerou a tramitação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para anistiar infrações cometidas por partidos políticos nas últimas eleições. O texto prevê que punições em decorrência de propaganda irregular ou abusiva em campanhas, conduta passível de multa, sejam anuladas. O perdão vale também para legendas que descumpriram cota de gênero e raça nos pleitos.

A PEC está prevista para ser votada nesta terça-feira, 25, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Organizações de transparência e combate à corrupção criticam o texto e apelam aos parlamentares para que não avancem com a medida. “Uma PEC como essa não só enfraquece a representação como enfraquece a capacidade de fiscalização da Justiça Eleitoral. A gente não pode permitir que isso ocorra”, disse Mônica Sodré, diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps).

A pesquisadora afirmou que, para evitar esse tipo de proposta, é importante que haja estímulo de educação e consciência políticas da população. “Como sociedade, prestamos pouca atenção nos partidos e elegemos 513 deputados e 81 senados. Cobrar os representantes assim como as instâncias dos partidos é fundamental.”

O Congresso tenta repetir a estratégia adotada em abril de 2022, quando aprovou emenda à Constituição que perdoou partidos que não usaram os recursos destinados às campanhas femininas na eleição de 2020. O texto então em vigor dizia que as legendas deviam destinar o mínimo de 30% dos recursos do fundo eleitoral, abastecido com dinheiro público, a candidatas mulheres e oferecer quantidade proporcional do montante a candidaturas negras por sigla.

A nova PEC propõe uma extensão da anterior ao alongar o perdão para a eleição de 2022. Um dos trechos permite também que partidos possam receber doações de pessoas jurídicas para pagar dívidas contraídas até agosto de 2015.

O autor do texto, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), afirmou que os “entes partidários tiveram dificuldade em se ajustar” às regras. Ele argumentou que a situação dos partidos “é problema urgente que precisa ser sanado”. No ano passado, as legendas tiveram a cifra recorde de R$ 5,7 bilhões no fundo eleitoral, bancado com recursos públicos, para eleger candidatos aos Legislativos e Executivos do País.

Entre todas as PECs apresentadas à Câmara neste ano, a chamada PEC da Anistia é a que mais avançou. O texto já tem parecer favorável para apreciação na CCJ. Após votação no colegiado, seguirá para análise em comissão especial, que pode fazer alterações à proposta. Caso chegue ao plenário, a aprovação depende de três quintos – 308 votos da Câmara –, em dois turnos.

Após a apresentação da PEC, 14 deputados pediram a retirada de assinatura. Do número, 12 são mulheres, que alegaram “erro material” ao ter realizado a assinatura. O gabinete do deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), um dos que protocolaram a remoção, afirmou que houve erro na equipe, que trocou assinaturas e acabou por endossar a proposta sem analisar o mérito. Otoni disse que, após tomar conhecimento do conteúdo da PEC, pediu a retirada da assinatura.

A medida não afeta a tramitação do texto. Porém, se os nomes que agora não chancelam mais a iniciativa não tivessem aderido à proposta antes do protocolo, o texto não poderia ser submetido à análise porque faltaria o número mínimo de 171 assinaturas. Ao todo, 184 deputados assinaram a PEC.

Do PT, 12 parlamentares deram aval ao projeto – um deles é o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE). Os líderes dos dois “blocões” da Câmara, Felipe Carreras (PSB-PE) e Fábio Macedo (Podemos-MA), e o líder do PL, Altineu Côrtes (RJ), também endossaram a proposta. Carreras disse não ter se debruçado sobre o tema. Segundo ele, houve pressão de colegas, sem discussão em reunião da líderes.

Para o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Roberto Livianu, a PEC é uma “verdadeira aberração”. “A anistia nada mais é do que o desrespeito aos interesses da sociedade representados na lei”, disse. “Essas anistias são um ato de desrespeito àquilo que é estabelecido pela Constituição. Se você tem regras que determinam cotas, elas precisam ser respeitadas.”

O Inac é uma das organizações que, ao lado de movimentos da sociedade civil, enviaram carta aberta à Câmara em que pediram a retirada de tramitação da proposta. “A PEC estabelece a maior anistia da história aos partidos”, diz o texto. “A proposta consolida a total impunidade ao descumprimento generalizado de determinações legais.”

Na atual legislatura, as mulheres representam cerca de 18% do total da Câmara e apenas uma delas, Adriana Ventura (Novo-SP), é líder na Casa. O número de negros (que incluem candidatos autodeclarados pretos ou pardos) eleitos é de cerca de 25%.

Como mostrou o Estadão, um grupo de 33 deputados candidatos à reeleição mudou de cor ao disputar a eleição em 2022 e os candidatos brancos e asiáticos receberam duas vezes mais recursos do que candidatos negros e indígenas para custear as despesas de candidaturas no ano passado. O levantamento foi realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A advogada Carla Rodrigues, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e o Observatório de Violência Política Contra a Mulher, criticou a PEC da Anistia: “É uma violência político-econômica de gênero. Eu entendo como uma falta de compromisso com as mulheres e as pessoas negras”.

Partidos políticos que não garantiram 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidatas mulheres poderiam ser punidos.

É preciso uma quantidade proporcional de recursos financeiros à quantidade de candidaturas negras por legenda. A medida repete um autoindulto concedido em 2022. O descumprimento também poderia ser punido.

Na avaliação de juristas, o texto não apenas anistia partidos políticos que não cumpriram a cota de gênero e raça, mas perdoa qualquer outra multa, sanção ou suspensão dos fundos que foram determinadas antes de a emenda entrar em vigor.

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia passará por votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e seguirá para uma comissão especial, podendo passar por ajustes. Caso avance, a proposta irá a plenário e precisará do apoio de 308 deputados em dois turnos para, então, ir ao Senado.

Estadão