Cappelli faz sucesso como interino do GSI

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Foto: Wenderson Araujo/Valor; Isaac Amorim/MJSP; Ana Carolina Fernandes/Folhapress e Giovani Pereira/Folhapress

Ao ser chamado pela segunda vez para tentar abrandar mais uma crise em uma das áreas mais frágeis do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ricardo Cappelli ganhou no círculo do poder de Brasília a fama de coringa, reconhecida até por militares.

Nomeado interinamente para o comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), cargo que assumiu na semana passada e no qual permanecerá apenas por alguns dias, sua escolha para reestruturar um setor vital para o futuro do governo mostra como o jornalista, formado no movimento estudantil e moldado no PCdoB, tornou-se um quadro que tem se mostrado, até o momento, apto a lidar com a radicalização das forças militares, aspecto crucial da intentona bolsonarista de 8 de janeiro.

O general Marcos Antonio Amaro dos Santos, da reserva do Exército, é o favorito para assumir o GSI após a demissão do general Gonçalves Dias, mantendo a área sob esfera militar. Amaro chefiou o GSI no governo Dilma Rousseff e foi comandante militar do Sudeste no governo Bolsonaro.

A nomeação interina de Cappelli revela o poder e prestígio de seu padrinho político, o ministro da Justiça, Flávio Dino, na Esplanada dos Ministérios de Lula. Cappelli não tinha proximidade com o presidente até o início do governo.

Após 23 dias de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, quando exonerou vários policiais militares e autoridades civis que se omitiram nos eventos que levaram às invasões nas sedes dos Três Poderes, Cappelli iniciou a missão de “despolitizar”, ou “desbolsonarizar”, o Gabinete de Segurança Institucional, órgão cuja função é prover a segurança da Presidência da República.

A queda do general Gonçalves Dias revelou o tamanho da fragilidade e dos problemas de Ricardo Garcia Cappelli, um carioca de 51 anos que ocupava originalmente a secretaria-executiva do Ministério da Justiça. Como ficou evidente nos últimos dias, a investigação interna no GSI pouco avançou sob o comando de GDias, como é conhecido o general que era amigo de Lula.

Para surpresa de muitos no Executivo, a escolha de Cappelli para a missão recebeu apoio inclusive de oficiais do Exército. Durante o trabalho no Distrito Federal, muitos na Polícia Militar e no entorno da vice-governadora Celina Leão (PP) ficaram com boa impressão do ex-interventor. Agora a tarefa será mais complexa por envolver um setor de inteligência que foi, ao longo de todo o governo Jair Bolsonaro (PL), identificado com a linha mais radical. O ex-ministro do GSI, general Augusto Heleno, desde sempre fora um grande entusiasta do bolsonarismo.

“Cappelli construiu uma relação de confiança política e pessoal muito forte com Dino. Lula não o conhecia bem. E ele ganhou o respeito na PM do Distrito Federal, evidenciando o êxito de seu trabalho na intervenção”, conta Aldo Rebelo, ex-deputado federal, ex-ministro da Defesa e do Esporte no governo Dilma Rousseff (2011-16), e ex-chefe do agora ministro interino do GSI.

Por cinco anos, Cappelli trabalhou com Aldo, ambos à época no PCdoB, na pasta de Esporte, ocupando a secretaria nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social. “Tinha afinidade partidária com ele. Era uma pessoa de muito bom conceito no partido”, contou Aldo. Foi nesse período que o “mundo dos militares” passou a fazer parte da rotina de Cappelli.

“Ele é realmente um coringa que o governo tem”, afirmou ao Valor o general reformado Fernando Azevedo, ministro da Defesa de Bolsonaro entre 2019 e 2021 e que trabalhou ao lado de Cappelli na preparação dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – Azevedo ocupava o cargo de Autoridade Pública Olímpica. “Tivemos uma convivência boa, ele é um rapaz preparado e inteligente. Tenho ele em alta conta”, ressaltou o general.

Característica de outros integrantes do PCdoB, caso do próprio Aldo Rebelo, Cappelli construiu boas relações com setores da caserna, demonstrando “compreensão”, segundo expressão de interlocutores, com a questão militar.

Como Aldo, ele também foi presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), entre 1997 e 1999, instituição onde deu o verdadeiro pontapé na carreira política. Um dos seus padrinhos na época foi o hoje deputado federal Lindbergh Farias (PT), que se notabilizou no movimento estudantil fazendo oposição ao então presidente Fernando Collor. A relação com Lindbergh se estreitou nos anos seguintes, levando Cappelli a fazer parte do governo do petista em Nova Iguaçu (RJ) na década seguinte.

“Ele é um cara ágil, tem capacidade de gestão e a iniciativa típica de quem foi do movimento estudantil. É uma pessoa de ação”, conta Lindbergh.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB), antecessor de Cappelli na presidência da UNE, o considera um “carioca clássico”, que “adorava polêmicas e era muito gozador”. Na primeira semana do governo Lula, antes de virar interventor, o hoje chefe interino do GSI fora visto, tranquilo, numa tradicional roda de samba de Brasília, o que ele não pôde mais repetir.

O início da gestão de Cappelli na UNE foi turbulento, já que o dirigente era alvo de desconfianças por ser considerado inexperiente. Na despedida do cargo, deixou os colegas impressionados ao conseguir levar, como presidente da instituição, o ditador cubano Fidel Castro – que já estava em visita oficial ao Brasil – para o encerramento de um congresso em Belo Horizonte. “Era uma maluquice que acabou dando certo”, afirmou Kerison Lopes, assessor da liderança do PT na Câmara dos Deputados que era à época uma liderança estudantil.

Pelo PCdoB, partido no qual se desfiliou em 2021 após a saída de Flávio Dino, acompanhando-o para o PSB, Cappelli disputou duas eleições, não obtendo votos suficientes em ambas: foi candidato a deputado estadual no Rio em 2002 e depois tentou virar vereador na sua cidade natal.

Foi graças à atuação ao lado de Dino, cujos laços se estreitaram dentro do PCdoB, que ele se tornou no coringa deste início de terceiro mandato de Lula. Na gestão no Maranhão, entre 2015 e 2022, Cappelli foi representante do Estado em Brasília e depois secretário de Comunicação do Maranhão.

Valor Econômico