Judiciário promove farra com dinheiro público em meio a crise

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

Juízes federais vão receber um penduricalho salarial que pode custar até R$ 1 bilhão aos cofres públicos. A cifra foi estimada por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e equivale ao pagamento retroativo do chamado adicional por tempo de serviço (ATS). Extinta havia 17 anos, a regalia voltará a ser paga e, por decisão monocrática do corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luis Felipe Salomão, de forma retroativa. Assim, magistrados mais antigos irão receber até R$ 2 milhões cada, referentes ao alegado pagamento atrasado.

A decisão beneficia todos os magistrados federais que ingressaram na carreira até 2006. A cada cinco anos de trabalho, eles tiveram o salário turbinado em 5%. Um juiz que ingressou na magistratura na década de 1990, por exemplo, teve o contracheque inflado em 30%. Ou seja, passou a ter direito a receber a mais cerca de R$ 10 mil todo mês por causa do benefício. Hoje, um juiz federal tem salário-base de R$ 33,6 mil, sem considerar os penduricalhos.

Além disso, em razão da decisão da Corregedoria Nacional do CNJ, o pagamento será equivalente a todo o período entre 2006 e 2022 em que o adicional ficou suspenso. O TCU acaba de calcular o montante bilionário para cobrir os retroativos.

O benefício é alvo de processo na Corte de contas, que apura se a liberação do pagamento retroativo fere os princípios da moralidade e da legalidade ao criar um mecanismo que pode levar a enriquecimento na magistratura. O bônus deve beneficiar parte dos 2 mil magistrados federais em atuação no País – juízes de primeira instância e desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Em São Paulo, pelo menos 200 juízes iniciaram a carreira antes de 2006. No Distrito Federal, outros 200 estão na mesma condição.

O procurador Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, que investiga a concessão desse extra aos juízes, afirmou que o objetivo do processo é avaliar se o benefício fere a legalidade ao distribuir cifras milionárias a magistrados do País. “No serviço público, uma pessoa pode trabalhar a vida inteira e nunca chegar a receber R$ 1 milhão, por exemplo. O objetivo, portanto, é verificar se o pagamento atende aos princípios da razoabilidade e da legalidade”, disse Furtado.

Conforme revelou o Estadão, o Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou a volta do ATS no final de 2022. É esse penduricalho, também conhecido como quinquênio, que prevê o aumento automático e acumulativo de 5% nos vencimentos a cada cinco anos.

“No serviço público, uma pessoa pode trabalhar a vida inteira e nunca chegar a receber R$ 1 milhão, por exemplo. O objetivo, portanto, é verificar se o pagamento atende aos princípios da razoabilidade e da legalidade”
Lucas Furtado, procurador do Ministério Público junto ao TCU

Quando restituiu a medida, o CJF não soube estimar o impacto financeiro da decisão no orçamento. Agora, estimativas feitas pelo TCU apontam que a Justiça Federal já gastou cerca de R$ 130 milhões com os pagamentos retroativos e reconheceu outros R$ 750 milhões de benefícios atrasados que serão pagos mediante disponibilidade orçamentária.

A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também preside o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi contra a recriação do adicional na época, mas acabou vencida pela maioria do colegiado. A magistrada, então, recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, pertencente à estrutura do CNJ, para que o órgão dissesse se havia ou não impedimento formal para o início do pagamento aos juízes.

O corregedor Luis Felipe Salomão não barrou a medida e, em despacho monocrático, liberou o pagamento retroativo. Ele alegou que só poderia ir contra o pagamento se houvesse uma ilegalidade no benefício. “Havendo manifestação oriunda do Conselho da Justiça Federal, no exercício de suas competências constitucionais, não é atribuição da Corregedoria Nacional exercer controle de legitimidade sobre suas decisões, ressalvada a hipótese de flagrante ilegalidade”, escreveu Salomão.

“Não se observa nenhuma circunstância que obste o seu prosseguimento em relação ao pagamento dos valores retroativos, nos exatos termos do acórdão proferido pelo Conselho da Justiça Federal, que deve ser cumprido sem ressalvas, inclusive quanto à sua consideração como gratificação de acúmulo”, defendeu o corregedor nacional de Justiça.

“Não se observa nenhuma circunstância que obste o seu prosseguimento em relação ao pagamento dos valores retroativos, nos exatos termos do acórdão proferido pelo Conselho da Justiça Federal, que deve ser cumprido sem ressalvas, inclusive quanto à sua consideração como gratificação de acúmulo”
Luis Felipe Salomão, corregedor do Conselho Nacional de Justiça

A decisão individual de Salomão gerou efeito cascata em tribunais de todo o País, inclusive estaduais, que desde o ano passado deflagraram movimentos para reinserir o ATS em suas folhas de pagamento. A volta do benefício segue roteiro semelhante em vários Estados brasileiros.

As associações apresentam requerimentos de implementação do adicional e a direção dos TJs locais acata os pedidos que privilegiam a própria categoria. Foi assim, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), onde o presidente Paulo Sérgio Velten Pereira atendeu à demanda apresentada pela Associação de Magistrados do Maranhão (AMMA), sob o argumento de “reconhecer o direito adquirido à incorporação do ATS no subsídio” dos juízes.

No despacho, Pereira cita que a Coordenadoria de Pagamentos da Corte apresentou estimativa inicial de R$ 90 milhões para cobrir o retroativo referente ao período até 2022. O desembargador explica na decisão que a liberação dos recursos está fora da programação normal do orçamento de 2023 e só deve ocorrer por meio de suplementação ou sobras orçamentárias. O tribunal possui atualmente R$ 6 milhões em sobras, que, segundo Pereira, podem “ser utilizados para amortizar parte do passivo” com os magistrados.

O mesmo trâmite ocorreu no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), que, por unanimidade, aceitou o requerimento da Associação de Magistrados do Estado (Amepa) mediante a “existência de disponibilidade orçamentária e financeira em estrita observância às normas que regem a inafastável responsabilidade fiscal”.

Na capital do País, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal e dos Territórios (Amagis) também apresentou pedidos para que os juízes recebessem as verbas retroativas.

Após a conquista, a entidade de classe emitiu um comunicado aos seus associados “a par de agradecer a lucidez, celeridade e disponibilidade da presidência do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) e do Trabalho Pleno no encaminhamento de mais essa importante demanda associativa”.

No texto, a Amagis ainda afirma “que seguirá no acompanhamento diário do assunto, na busca pela implantação em folha de pagamento da parcela mensal, bem assim da quitação dos valores pretéritos”.

Segundo apurou o Estadão, a concessão do retroativo se espalhou por pelo menos outros quatro Tribunais de Justiça nos Estados de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Roraima. A retomada do penduricalho também está em discussão no TJ de Santa Catarina.

Vaivém do adicional por tempo de serviço

Volta do pagamento é aprovada pelo CJF

O Conselho da Justiça Federal (CJF) aprovou a volta do adicional por tempo de serviço no final do ano passado, 17 anos depois de sua extinção. À época, o órgão afirmou não ter a estimativa dos custos do penduricalho.

Quinquênio

Também conhecido como quinquênio, esse bônus estabelece o aumento de 5% nos vencimentos de magistrados a cada cinco anos.

Voto vencido

A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também comanda o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi contra a medida, mas foi vencida pelo colegiado e recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, órgão pertencente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Retroativo

Ao seguir os moldes da antiga regra, a regalia será paga de forma retroativa e magistrados mais antigos da Justiça Federal irão receber até R$ 2 milhões cada.

Corregedoria

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, não barrou o penduricalho e, em despacho monocrático, liberou o pagamento retroativo do benefício.

Processo

O pagamento retroativo é alvo de processo no Tribunal de Contas da União (TCU), que apura se o penduricalho fere os princípios da moralidade e legalidade. De acordo com estimativa dos técnicos da Corte de contas, o impacto dos atrasados pode chegar a R$ 1 bilhão.

Estadão