Lula já dialogou com dezenas de chefes de Estado desde a vitória
Lula prioriza encontros internacionais no início de seu governo. Foto: Evaristo Sá/AFP
SÃO PAULO E BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversará nesta quinta-feira, 6, por telefone com o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Antes, Lula já falou com outros 26 chefes de Estado, entre encontros presenciais e telefonemas, desde a sua posse em 1º de janeiro.
A busca por reposicionar o País internacionalmente fica evidente no espaço dedicado à questão nas agendas oficiais do presidente. Segundo levantamento feito pelo Estadão, Lula tem a média de uma agenda relacionada à política internacional a cada três dias. Para fins de comparação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esteve menos com Lula no período entre 1º de janeiro e 31 de março: foram 22 reuniões, mesmo à frente de temas importantes para o governo, como reforma tributária e arcabouço fiscal.
O doutorando em Geografia das Relações Internacionais pela Unicamp e pesquisador-visitante da Universidade de Coimbra, Gustavo Blum, analisa que a proeminência da política internacional no início do mandato de Lula tem razão, sobretudo, econômica. “Em meio aos resultados da pandemia de covid-19, da inflação dos preços acelerada pela invasão russa na Ucrânia e à necessidade de atuação em termos ambientais para obter recursos financeiros, o Brasil passou a depender cada vez mais de articulação com todos os países no mundo para ter acesso ao financiamento que permita crescimento econômico, assim como a transição energética necessária para o século 21″, afirma.
A agenda ambiental tem sido a principal aposta do governo para isso. Após a posse de Lula, Noruega e Alemanha retomaram os aportes ao Fundo Amazônia, suspensos durante o governo de Jair Bolsonaro. Estados Unidos e outras nações europeias também estudam doar para a iniciativa.
O presidente começou a agenda internacional ainda em novembro, antes de assumir o mandato, quando participou da COP-27 no Egito e depois foi a Portugal para se reunir com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa.
Sua primeira viagem após empossado foi no fim de janeiro, à Argentina. Lá, Lula se encontrou com o presidente Alberto Fernández e anunciou a intenção de uma moeda comum para transação entre as nações vizinhas.
Em seguida, Lula foi ao Uruguai, onde teve agendas com o presidente Lacalle Pou e com o ex-presidente Pepe Mujica, de quem é amigo pessoal. Mujica também veio ao Brasil participar de um evento no Palácio do Planalto, em 1º de março.
Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, o itinerário do petista reforça a estratégia de retomar o protagonismo do Brasil na América do Sul. “Na questão internacional, a ideia de reconstrução é muito forte. Haja vista, a visita de Lula à Argentina logo no início do mandato. Quando faz, ele pede desculpas ao povo argentino pelo comportamento de Bolsonaro, faz uma série de sinalizações e promessas como moeda única, justamente por conta da percepção de recuperar o papel de liderança do Brasil”, avalia.
Em fevereiro, o petista teve o primeiro encontro presencial com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Na Casa Branca, sede do governo americano, ambos conversaram sobre o fortalecimento da democracia e a questão ambiental. O presidente também marcou uma visita à China para o fim de março, mas teve que adiá-la porque foi diagnosticado com pneumonia.
Lula tem buscado se equilibrar na disputa entre norte-americanos e chineses, ambos grandes parceiros comerciais do País, e a guerra da Ucrânia é um retrato disso. O governo Biden exige uma posição mais clara do Brasil contra a Rússia, mas Lula defende uma solução negociada entre russos e ucranianos para o fim do conflito. A China, por sua vez, é aliada do regime de Vladimir Putin, apesar de também mediar um acordo.
Para o pesquisador Gustavo Blum, Lula encontra atualmente um cenário internacional diferente dos dois primeiros mandatos, o que o obriga a adotar uma postura ainda mais moderada. “O mundo atualmente é pautado muito mais por questões políticas do que por questões econômicas, como na década de 2000. As declarações de Lula a respeito de uma culpa compartilhada entre ucranianos e russos relativamente à guerra, por exemplo, tiveram que se tornar mais moderadas para que o Brasil pudesse ter acesso ao desbloqueio dos recursos do Fundo Amazônia por parte dos EUA e de países europeus, por exemplo”, nota.
”Isso mostra que, ainda que o Brasil esteja se posicionando enquanto um ator independente e com seus próprios interesses no sistema internacional, atualmente enfrenta um cenário muito mais limitado em termos de possibilidades diplomáticas que anteriormente”, destaca Blum.