Novo comandante do Exército dificulta acesso a armas
General Tomás Miguel Ribeiro Paiva deixou o Comando Militar do Sudeste para assumir a chefia do Exército. Foto: Reprodução/Exército Brasileiro
O general Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva tirou da gaveta mais uma medida que permaneceu quase dois anos esquecida pelos seus antecessores no cargo: a unificação dos cadastros de armas do Exército e da Polícia Federal. O general assinou portaria conjunta com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, para o compartilhamento de dados e informações entre o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp) e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército.
O Sinesp é um sistema mantido pelo Ministério da Justiça com dados da Segurança Pública no País, como o Banco Nacional de Boletins de Ocorrência. Ele é acessado pelas polícias estaduais e federais, que têm nele sua principal ferramenta para rastrear armas. Já o Sigma é o sistema que registra as armas dos chamados CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), bem como as que pertencem aos militares das Forças Armadas e das Polícia Militares.
A falta de ligação entre esses sistemas era o que impedia que o Exército se adiantasse e pudesse cassar registros de colecionadores, atiradores e caçadores enrolados com a Justiça ou que permitisse que pessoas acusadas de crimes pudessem ter o registro de CAC e até comprar fuzis e outras armas (além de transportá-las sem registro), como ocorreu com o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). Jefferson usou um fuzil e granadas para atacar policiais federais que foram prendê-lo na véspera das eleições de 2022. Após a prisão do ex-deputado, o Exército abriu um processo administrativo para verificar por que as armas de Jefferson, que estava com o registro de CAC suspenso, estavam no Rio quando deviam ter sido guardadas no Distrito Federal.
Política armamentista
Os chamados CACs foram usados durante o governo de Jair Bolsonaro como meio de propagar sua política armamentista. Por meio de decreto, o presidente ampliou o acesso a armas de fogo potentes, a munições e ao porte, o que segundo especialistas facilitou a vida de facções criminosas. Estas passaram a usar laranjas para comprar fuzis no Brasil por meio de CACs por até um terço do preço pago na Bolívia ou Paraguai, por exemplo. Os decretos que facilitaram o acesso a armas – inclusive fuzis – foram suspensos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Até então, um atirador podia comprar 30 armas com esse registro, sendo 15 fuzis de uso restrito e 6 mil munições por ano.
Com a portaria, o general Tomás e o secretário Francisco Tadeu Barbosa de Alencar pretendem simplificar a oferta de serviços públicos, além de permitir um monitoramento da nova política de armas do governo. Com a união entre os cadastros, será possível à fiscalização da PF e do Exército apurar a situação de cada CAC, das armas que mantêm registradas e dos antecedentes criminais em todo o País de pessoas que buscam comprar armas. Todos os acessos no novo sistema serão monitorados. Os agentes federais poderão fazer buscas a partir do cadastro do CAC, pela númeração da arma, pelo CNPJ, CPF, pelo nome da pessoa física e pelos dados do Banco Nacional de Boletins de Ocorrência por meio do Sinesp, bem como número de registro da ocorrência.
No Exército, quem deve cuidar da unificação do sistema será o Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados. O acesso a parte dos dados do Sigma ficará restrito aos agentes lotados nas unidades de inteligência dos órgãos do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública. De acordo com a portaria, a integração entre o Sinesp e o Sigma faz parte do Sistema Nacional de Rastreamento, o SisNaR, que era previsto na portaria do Comando Logístico do Exército (COLOG), de setembro de 2021.
O sistema de rastreamento foi previsto primeiro em portaria de 2020, cancelada pelo Exército um mês após, segundo o Exército, “questionamentos e contrapontos levantados por diversos setores da sociedade, especialmente nas mídias sociais, e da administração pública em razão da tecnicidade do tema”. O MPF chegou a investigar a participação de Bolsonaro no cancelamento da portaria.
Para o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, a portaria editada pelo general e pelo secretário vai facilitar o combate às milícias e às facções criminosas. “Porque este armamento registrado no Exército, na prática, está invisível para investigações da polícia. Só se rastreava se os delegados tivessem disposição de enviar oficio ou e-mail e aguardar semanas. Além do atraso, a falta de consulta direta também atrapalha o sigilo de investigações”, afirmou.
A portaria encerra quase uma década de pressão de instituições policiais e organizações da sociedade civil, como o Instituto Sou da Paz, que consideravam a unificação dos cadastro fundamental para as investigações de crimes com uso de armas de fogo. De acordo com dados do instituto, com a facilitação à compra e posse de armas promovida pelo governo Bolsonaro, o número de armas registradas no Sigma chegou a quase dois milhões em 2022. Até a portaria ser publicada, era quase impossível para um policial estadual verificar com rapidez se uma arma usada em um crime estava cadastrada no Exército e quem a registrara. Publicada no dia 10, a nova portaria atual entrará em vigor no dia 1.º de maio.
“Esse é o primeiro passo – importantíssimo – para a gente ter noção do que está acontecendo no mercado de arma de fogo no Brasil, pois as brechas acontecem pelas falhas no processo de registro de CACs. Isso precisa mudar. Essa unificação é o primeiro passo para entender o tamanho do mercado e o que está acontecendo, em razão dos sérios problemas causados pelo afrouxamento de legislação e controle de fiscalização que ocorreu nos últimos quatro anos”, afirmou Roberto Uchôa, que é policial federal, pesquisador e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para ele, a portaria se preocupou muito em garantir o sigilo das informações do Sigma e menos em permitir ao policial da ponta da linha ter noção do que encontrará em uma busca, para a sua segurança. “É preciso um cuidado maior com o profissional de segurança que está enfrentando esse problema”, disse Uchôa.