Novo ensino médio sofre com injunções políticas
(crédito: Antonio Augusto/Secom/TSE)
A resistência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à implementação do Novo Ensino Médio (NEM) tem como pano de fundo entre outros motivos um componente político: a maneira como a conversão da última fase da Educação Básica foi gestada. A tentativa de mudança se consolidou como um dos primeiros atos de Michel Temer (MDB), em 2016, que assumiu a Presidência da República após o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Temer, que passou ao controle do país em agosto de 2016, publicou a reformulação do Ensino Médio por Medida Provisória (MP) um mês depois. MPs são instrumentos com força de lei, adotadas exclusivamente pelo presidente da República em casos de relevância e urgência para o país.
No último dia 4, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu, por portaria com prazo de 60 dias, a conversão paulatina do antigo para o novo Ensino Médio, que ocorria desde 2017. Autor de projeto de lei (PL) de 2013 sobre o tema, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) afirma que as ressalvas do partido, e do governo, quanto às alterações estão para além do modelo proposto inicialmente por Temer e, depois, pelo Congresso.
Em 2017, Câmara e Senado transformaram a MP em Projeto de Lei de Conversão (PLV). “A maneira como Temer levou a pauta à frente foi gravosa, sem debate com professores e estudantes, interrompendo um processo democrático em curso há cinco anos. Ele editou uma MP, de maneira autoritária, e assim criou um rompimento do diálogo”.
Em 2013, ainda no governo Dilma, Reginaldo Lopes propôs a criação de uma comissão especial, a CEENSI, para discutir com mais profundidade o assunto tratado no PL 6840/2013, que versa, entre outros pontos, do tempo integral nas escolas. O relatório assinado pelo ex-deputado Wilson Filho (Republicanos-PB) sobre o projeto foi favorável.
A proposição, admitida nos colegiados permanentes pelos quais precisava passar, ficou pronta para ir a plenário ao final de 2014, mas estacionou. Os ex-deputados federais Henrique Eduardo Alves (PSB-RN) e Eduardo Cunha (PTB-SP), presidentes da Câmara entre 2013 e 2016, não levaram o PL à frente, para votação.
Cópia idêntica
Cunha era o presidente da Casa no impeachment de Dilma. Ex-líder da bancada de federais do PT e um dos nomes de referência do partido na área de educação, Reginaldo Lopes argumenta que a MP de Temer “é, em torno de 90%, uma cópia idêntica ao PL de sua autoria”. O emedebista é, até hoje, algoz do partido do presidente Lula, que, junto aos correligionários, bem como a aliados, define o ex-vice de Dilma como “golpista”.
O texto da MP transformado em lei em 2017 previu um prazo máximo de cinco anos para a implementação do NEM em todo Brasil. A pandemia do novo coronavírus, entre 2020 e 2022, foi um dos cenários que atrapalharam o processo. A falta de recursos é, também, apontada por gestores locais como impeditivo para o avanço do NEM.
O parágrafo 211 da Constituição determina que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” e que a “União (…) exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira” às UFs.
Na geladeira
O relatório aprovado por unanimidade na CEENSI em 2014, discutido com o Ministério da Educação (MEC) — que tinha à época Aloizio Mercadante (PT) como titular — determinou que o projeto de lei ampliasse formações a professores, considerando inclusive programas de capacitação nacional de docentes, em especial matemática, física, química e inglês, disciplinas críticas no ensino brasileiro.
Uma melhor infraestrutura de escolas de Ensino Médio, de responsabilidade de governadores, também foi prevista no texto do início da década passada. As melhorias, porém, dependem de recursos que não saem somente dos tesouros estaduais, com necessidade de aporte maior que o previsto na Constituição por parte do governo federal, admite Reginaldo Lopes.
“É importante que o governo entre com mais coordenação e que ele possa como ente que contempla maior arrecadação criar um ambiente que torne todas as mudanças possíveis. Não sou contra a implementação do Novo Ensino Médio, nem o PT, mas é preciso que esse movimento aconteça no seio de uma discussão plural. Não haverá revogaço por parte do MEC. O ministro Camilo Santana (PT) deu apenas uma pausa para que o fórum de debates sobre o assunto possa acontecer.”
Está em curso uma consulta pública de 90 dias para debater o tema com a sociedade civil. Com entidades de educação que se reuniram com o ministro e ex-governador do Ceará, o Correio apurou que há compromisso do gestor de seguir com a atualização do Ensino Médio, após interlocução com setores envolvidos.
O deputado federal analisa como outro ponto relevante para a suspensão temporária, que na prática atinge apenas o prazo que corre até 2024 para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a necessidade de garantia da implementação com subnacionais. O termo se refere a entes federativos. Lula tem feito críticas nas últimas semanas ao NEM e reiterado que a reforma “não vai ser do jeito que está”.
“Para que a gente possa fazer uma coisa que seja agradável para o governo, mas também aos estudantes”, anunciou o presidente. Com a pressão e as declarações do petista, Camilo Santana oficializou a pausa. Em paralelo, a Câmara e o Senado discutem o NEM, em suas respectivas Comissões de Educação. A senadora Tereza Leitão (PT-PE) está à frente da subcomissão, criada ao final de março.
Na segunda-feira passada (3), a parlamentar reiterou ao Correio que a intenção do MEC não é revogar a lei, e sim organizar o modelo para não prejudicar alunos que dependem do Enem, que na nova configuração passará a ter prova discursiva no segundo dia de aplicação do exame.
Na avaliação do senador Esperidião Amin (PP-SC), se os prazos forem alterados, a norma de 2017 vai perder o propósito. À reportagem, Tereza Leitão explica que a ideia preliminar do grupo é realizar entre seis e sete audiências públicas com o setor, incluindo educadores favoráveis e contrários à implementação do modelo.
O cronograma de trabalho da subcomissão será apresentado nesta quarta-feira (12). Os demais integrantes do grupo criado são Dorinha Seabra (União Brasil-TO), Augusta Brito (PT-CE), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Astronauta Marcos Pontes (PL-SP). Pedagoga, a petista argumenta que o NEM, tal qual está, é incompatível com o programa de governo de Lula.
O que é o NEM
Em termos gerais, o site do MEC consolida o esboço geral do Novo Ensino Médio em três tópicos*. O modelo impacta diretamente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de Educação e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A oferta de diferentes itinerários formativos no NEM possibilitará a escolha das trilhas de aprofundamento e eletivas pelos estudantes, ampliando seus conhecimentos em uma das áreas como Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza ou Ciências Humanas e Sociais; ou ainda, em uma formação técnica e profissional que poderá ser ofertada pela escola. São os chamados itinerários formativos, nos quais estudantes têm a opção de focar.
Com a aprovação da BNCC do Ensino Médio, os novos referenciais elaborados para as 27 unidades da federação (UFs) assim como a formação de professores, os recursos e materiais didáticos e as matrizes das avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
O NEM amplia a carga horária mínima de 2.400 para 3.000 horas, um dos principais pontos de defesa dos favoráveis às mudanças. Desse total, pelo menos 1200 horas serão destinadas aos itinerários formativos.
*Fonte: site do Ministério da Educação