Presidente petista da CCJ promete “assertividade”

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Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Reconhecido pelo estilo incisivo na defesa de suas convicções, o ex-presidente do PT e deputado federal reeleito Rui Falcão (SP) comprometeu-se com seus pares a adotar uma postura serena e imparcial ao se eleger presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) há três semanas. Mas a altercação envolvendo três deputados, que quase foram às vias de fato na semana passada, entretanto, foi o primeiro teste de fogo para o tom de moderação que o petista promete. O episódio acabou expondo a Câmara e reforçando as demandas da oposição para que Falcão mantenha a neutralidade à frente do colegiado.

“A moderação não é inibidora da assertividade”, ressalvou Falcão em entrevista ao Valor. “Moderação é não alterar a voz, não entrar em provocação, não gritar, não ofender pessoalmente, ter flexibilidade para ouvir as pessoas”, exemplificou.

A CCJ é a comissão mais importante da Câmara, e, portanto, seu controle é o mais concorrido. É um colegiado estratégico para a aprovação dos projetos de interesse do governo, assim como para barrar as propostas das quais o Palácio do Planalto discorda.

Em um acordo para obter o apoio do PT na reeleição, o presidente Arthur Lira (PP-AL) prometeu a direção do colegiado ao partido. Com 99 deputados, o PL disputou o cargo, mas o PT reúne mais de 100 parlamentares na federação com PV e PCdoB, e Lira manteve a palavra.

À frente do PT, e mesmo após concluir o mandato, Falcão protagonizou polêmicas. No pleito do ano passado, ainda durante a pré-campanha, liderou um movimento – ao lado do também ex-presidente do PT José Genoino – para que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) não fosse confirmado como candidato a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Superada a crise, tornou-se aliado e próximo de Alckmin.

Em dezembro de 2015, na direção do PT, Falcão travou uma queda de braço com articuladores do governo, que atuavam pela absolvição do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no Conselho de Ética. O presidente do PT foi a público dizer que era preciso zelar pela imagem da legenda e cobrou o voto dos petistas pela cassação do emedebista.

No dia 1º de dezembro de 2015, Falcão publicou em suas redes sociais: “Confio em que nossos deputados, no Conselho de Ética, votem pela admissibilidade [do processo]”. No dia seguinte, Cunha não perdoou e assinou a abertura do impeachment contra Dilma Rousseff. Meses depois, a petista foi afastada e Cunha foi cassado.

“Manter a temperança e a calma não significa que você não tenha convicção, que não seja firme, não possa contraditar ou polemizar”, esclareceu o petista.

No dia da eleição para presidente da CCJ, vários colegas disseram esperar que o petista mantivesse a serenidade à frente do cargo. Ele também explicou como irá se conduzir, uma vez que o PT é a sigla do presidente da República. “Todos conhecem meu partido”, disse ao Valor. “Atuarei em vários momentos defendendo projetos com os quais eu concordo e que serão do meu partido, mas quando quiser opinar sobre eles eu saio da Mesa e vou para o plenário.”

No entanto, integrantes da oposição afirmam que o petista está devendo essa demonstração de imparcialidade. Já há receio, por exemplo, que ele priorize aliados na distribuição de relatorias de projetos.

Nas primeiras semanas, Falcão tratou de ritos e procedimentos com o líder da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ), e recebeu em audiência o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Vale lembrar que Falcão sempre foi uma das vozes mais combativas no PT contra a Lava-Jato, que levou Lula à prisão em 2018. Dallagnol exercia a função de procurador da República durante a operação.

Ao Valor, Carlos Jordy disse que Falcão ainda está devendo esse gesto de imparcialidade. “Ele disse que atenderia a proporcionalidade [das bancadas], mas isso não ocorreu quando fomos votar o convite ao Dino, por exemplo”, cobrou, referindo-se ao ministro da Justiça, Flávio Dino. “Rui Falcão até agora, apesar de ser uma figura muito educada e simpática, não está demonstrando que vai ter essa postura imparcial e republicana com a oposição.”

Outra liderança da oposição com assento na CCJ, sob a condição de anonimato, reconheceu que o petista recebeu todos os integrantes com cordialidade e demonstrou compromisso em manter as temperaturas baixas para que as propostas avancem. Mas acredita que o petista vai priorizar aliados na distribuição de projetos. “Ficou claro que para ter acesso a certas relatorias é preciso fazer concessões e entregas, mas quem é da oposição pode não estar disposto a isso”, alegou.

Questionado sobre o episódio do dia 29 de março, em que o candidato a primeiro vice-presidente da CCJ, André Janones (Avante-MG), abriu polêmica com o colega Nikolas Ferreira (PL-MG) e Alberto Fraga (União-DF), Falcão argumentou que “perdeu temporariamente” o controle da sessão, mas logo recuperou a direção dos trabalhos.

Naquele dia, durante a participação do ministro da Justiça, Flávio Dino, na CCJ, Nikolas Ferreira, ao obter a palavra, foi interrompido com provocações que reproduziam uma declaração transfóbica de sua autoria no Dia Internacional da Mulher.

Irritado, Ferreira pediu para prosseguir, quando Janones provocou: “Vai, chupetinha”. A temperatura subiu e a cena culminou com Janones e Fraga quase se atracando em plenário.

O desafio de Falcão para tentar manter um ambiente de serenidade será semanal, porque o colegiado reúne os expoentes da oposição. Além de Nikolas e Fraga, estão lá bolsonaristas como Carlos Jordy e a deputada Caroline de Toni (PL-SC), e lavajatistas influentes, como Dallagnol e Rosângela Moro (União-SP).

“Vai acontecer de novo”, avaliou Falcão. Mas argumentou que, um dia depois do incidente, cerca de 20 integrantes do colegiado usaram a fala para lamentar o episódio e destacar que a comissão não pode funcionar nesse tom de conflito porque prejudica a própria Câmara. “Todos concordam que é preciso evitar esse tipo de lacração pela imagem da Casa”, diz Falcão.

Nesse ambiente conflagrado, ainda não foram eleitos os três vice-presidentes da CCJ. Pela atuação na campanha lulista, em um acordo entre PT e Avante, Janones, que é bacharel em direito, foi indicado para ser o primeiro vice-presidente, mas o confronto com seus pares lhe retirou pontos na disputa pelo cargo.

Ao Valor, Janones explicou que enquanto estiver na CCJ, tanto no comando dos trabalhos como participando das reuniões, tentará se moderar. “Eu tenho estilo mais bélico, mais combativo. Nenhum estilo é errado. Todos os espaços que ocupamos trazem responsabilidades”, argumentou Janones.

“Se a minha indicação para a vice da CCJ se concretizar, estou ciente de que será impossível manter essa postura bélica se estiver na Mesa como vice-presidente porque o cargo exige essa postura mais serena”, reconheceu.

Valor Econômico