STF não dá um centavo para tese bolsonarista sobre 8/1

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Foto: Victor Vilela/Intercept Brasil

Este texto tem de abrir com uma fala do presidente Lula em café da manhã com jornalistas, no dia 13 de janeiro deste ano: “Eu ainda não conversei com as pessoas a respeito disso. Eu estou esperando a poeira baixar. Quero ver todas as fitas gravadas dentro da Suprema Corte, dentro do palácio. Teve muita gente conivente. Teve muita gente da PM conivente. Muita gente das Forças Armadas aqui dentro conivente. Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui”. Nem o presidente nem ninguém com um senso mínimo de realidade duvidavam de que agentes do Estado pagos para garantir a segurança das instituições e das instalações que as abrigam foram cumplices do golpismo. Está em curso o “Golpismo II – A revanche”. Acham que é o atalho para o impeachment de Lula. Infiro ser o caminho mais curto para a prisão de Jair Bolsonaro. Sigamos.

O esgoto corria ontem à céu aberto, com suas línguas fétidas a ehttps://blogdacidadania.com.br/2023/04/stf-nao-da-um-centavo-para-tese-bolsonarista-sobre-8-1/mpestar o ambiente das redes. Em certa medida, o jornalismo, vá lá, profissional se deixou contaminar pelos miasmas de múltiplas formas de degradação: política, ética, moral e o que mais se queira incluir aí que remeta às noções de honra e decência. O golpismo está vivo. O 8 de janeiro, que traz a memória do horror e do despropósito aos democratas, ainda é a grande obra do governo Bolsonaro. E seus protagonistas, alguns dentro do Congresso e outros fantasiados de imprensa, querem mais. Estão em busca de revanche. Pode lhes faltar método, mas não lhes falta faro, como um predador se acoitando para tentar dar um bote na presa. Lula poderia estar vivendo um bom momento. Fez uma viagem exitosa à China, mas suas declarações sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia foram tomadas como única métrica e único saldo da visita. Apresentou a proposta de arcabouço fiscal, que é até mais severa do que se tentava adivinhar e que havia levado o dólar abaixo de R$ 5. Mas aí soou o alarme da especulação: haveria muitas despesas fora do teto — quase todas, diga-se, são imposições constitucionais, e as que não são beiram a irrelevância. “Ah, Lula está acuado”. E então se viu um bom momento para tentar mandar o presidente para as cordas. E então aconteceu. A CNN vazou vídeos com imagens da invasão do Palácio do Planalto por vândalos. Chegou às mãos da imprensa, fazer o quê? Divulgue-se. Ocorre que horas de gravação foram transformadas numa “narrativa” curta — pedindo perdão por empregar uma palavra que, nestes tempos de vale-tudo, virou uma gaveta em que cabe qualquer coisa. Obviamente, a sequência foi cuidadosamente arranjada para transformar o general Gonçalves Dias, então chefe do GSI (Gabinete da Segurança Institucional), em cúmplice e partícipe dos atos golpistas e das práticas de natureza terrorista. Vê-se um homem meio aturdido, convidando os invasores a deixar o andar — e que alternativa ele tinha àquela altura? —, enquanto subordinados seus, no papel ao menos, ofereciam gentilezas aos criminosos, quando não davam de ombros para a violência que se praticava ali. No Congresso, nas redes e no jornalismo “fake”, tinha-se a suposta prova provada da tese que os canalhas tentavam emplacar desde a noite daquele 8 de janeiro, depois de derrotado o ataque golpista: os atos violentos seriam obra de infiltrados de esquerda, que teriam se misturado a “patriotas” honrados, que queriam apenas a deposição do presidente eleito e empossado legitimamente e a entronizado do derrotado. Só isso! Os homens e as mulheres de “família” do bolsonarismo jamais praticariam aquelas baixarias… O troço, então, não prosperou. Eram, sim, militantes do “Capitão”, alguns com mais vínculos com grupos que atuaram freneticamente em favor de um golpe, outros com menos. Mas todos ligados à mesma causa. O curso das investigações evidenciou ramificações golpistas na Polícia Militar do Distrito Federal e nas Forças Armadas. De novo: pode faltar método eficaz a essa gente, mas não a disposição para atuar como uma horda. As prisões feitas no dia 9 de janeiro e a continuidade da investigação deixaram claro a natureza do ato e seus agentes. Tanto é assim que parlamentares bolsonaristas passaram a acusar a suposta agressão aos direitos dos presos e inexistentes maus-tratos nos presídios. Quem diria, não? Os fascistoides preocupados com direitos humanos… Mas que se explique: eles consideravam e consideram que os invasores são, como é mesmo?, “humanos direitos”… O ex-Homiziado de Orlando, até agora, não tentou organizar a oposição. Não tem nada a dizer. Parece apostar no insucesso do governo Lula para, na hora certa, como o predador sem método, mas com faro, dar o bote. O caso das joias, com evidências novas de crimes cometidos em seu governo, não ajuda. A única oposição organizada ao governo está mesmo em setores consideráveis da imprensa. Ocorre que a fascistada dispõe do que considera o seu próprio “jornalismo” e não nutre as melhores relações com o outro, o antes chamado “profissional”, ainda que este se mostre, com frequência assombrosa, disposto a abraçá-los como vozes supostamente respeitáveis da democracia.

Sem pauta que não seja atacar minorias e babar preconceitos contra políticas sociais e de inclusão, os tarados morais resolveram se apegar a uma CPI ou CPMI sobre o 8 de janeiro. Mas sob que pretexto? Aquele mesmo: os ataques teriam sido orquestrados por infiltrados, e o governo Lula teria feito corpo mole, permitindo os atos violentos para, então, se vitimizar, legitimando atos que consideram… antidemocráticos! Para essas notáveis criaturas, a defesa da democracia e do Estado de direito é intolerável. A base do governo Lula, seguindo um critério lógico, racional, objetivo, concluiu o óbvio: as investigações estão em curso, cada um dos entes da República está cumprindo o seu papel — PF, MPF e STF —, e não há razão, pois, para a comissão. A, se me permitem, racionalidade convencional nem sempre serve para avaliar o bolsonarismo. Passaram, com seus porta-vozes do esgoto, a brandir a tese de que o governo temia a investigação justamente porque teria algo a esconder. E que “algo” era esse? Ora, a sua conivência ou condescendência com a violência. Ainda que tudo grite o contrário. Opor-se à CPMI acabou sendo um erro da ingenuidade. É claro que, se instalada, tende a repetir a pantomima que temos visto nas comissões da Câmara, em que delinquentes políticos disfarçados de deputados ficam produzindo vídeos para suas redes sociais. Quanto mais agressivos e estúpidos, melhor! Mas parece que o país terá de se submeter ao espetáculo grotesco. Cumpre lembrar que ainda temos Supremo em Brasília. E então vem a público o vídeo divulgado pela CNN.

Ora, quem quer que tenha vazado à imprensa aquelas imagens — e não estou fazendo juízo de valor sobre a sua divulgação — não estava interessado em demonstrar o óbvio: o governo foi o alvo, a vítima, o agredido. Ao contrário: ao exibir imagens de um general que parece lhano com os golpistas, a mentira da suposta conivência ganhou verossimilhança. Erros também foram cometidos. Inclusive por Gonçalves Dias. Lula e assessores seus já haviam indagado ao general se as câmeras instaladas no terceiro andar nada haviam registrado. Receberam a informação de que estavam quebradas. Dias determinou o sigilo das imagens, divulgando algumas apenas. E tenho cá minhas desconfianças se não foi induzido a erro nos dois casos. Estou a dizer que há uma boa chance de ele nem ter mentido ao presidente. Pode ter sido enganado. Mas cabe à investigação elucidar esses aspectos. O GSI do dia 8 de janeiro era o mesmo que estava sob o comando de Augusto Heleno. Houve apenas uma troca de generais, não de servidores. Aqueles que circulavam com tanta desenvoltura entre golpistas, até oferecendo uma aguinha, tinham uma memória de trabalho. Quem quer que tenha vazado a imagem buscava aquilo que conseguiu. A demissão de Gonçalves Dias é o de menos. Ele não era o alvo, apenas o inocente útil para tentar provar aquela tese que nascera ao fim do dia 8: o governo teria permitido que a violência praticada por seus próprios agentes prosperasse para incriminar os pobres bolsonaristas, aqueles, vocês sabem, que apenas queriam, como é mesmo?, a deposição do presidente eleito e empossado legitimamente e a entronizado do derrotado.

Isso que está em curso é o segundo ataque golpista, agora desferido por outros meios. O objetivo é tornar a CPMI inevitável. Uma vez instalada, vão tentar transformá-la numa fonte de desestabilização do governo. Fosse tudo como querem — e militantes não faltariam para isso, inclusive na imprensa –, o governo Lula seria fulminado pelos “mercáduz” e pelos juros de Roberto Campos Neto, e a fascistada tentaria emplacar a tese do impeachment. O “Capitão” está em silêncio. Mas, a seu modo, tudo indica, está trabalhando. O tiro, no entanto, pode sair pela culatra. Áudios que vieram a público ontem à noite provam que o ex-chefe da Receita Federal Júlio César Vieira Gomes pressionou funcionários da cúpula do órgão, por WhatsApp, para que liberassem as joias e a entregassem ao primeiro-tenente da Marinha, Jairo Moreira da Silva, aquele que foi destacado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ordenança de Bolsonaro, para pegar ilegalmente o “presente” avaliado em R$ 16,5 milhões. Essa é apenas uma das encrencas do “Mito”. Há muitas outras. Setores da imprensa parecem um tantinho esquecidos do que se deu entre 2019 e 2022, mas ainda existem leis e juízes com memória em Brasília. A “revanche golpista” que está em curso pode, em vez de depor Lula, conforme anseiam os bandidos, contribuir para encurtar o caminho de Bolsonaro até a cadeia. A menos que ele queira pagar a aposta para saber se pode ou não ser alcançado pela democracia. Em seu lugar, mudaria de rumo.

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