Tarcísio censura TV Cultura
TV Cultura apaga documentário crítico ao bolsonarismo após pressão – Foto: TV Cultura/Reprodução
A TV Cultura apagou de sua conta no YouTube um documentário crítico à extrema direita após pressão do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) e de seus aliados.
Intitulado “O Autoritarismo está no ar – 3 anos depois”, o programa produzido pela emissora é uma atualização de um documentário sobre os riscos democráticos com o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo, veiculado em 2020.
A nova versão inclui o levante golpista de 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro depredaram prédios dos Três Poderes.
A emissora é vinculada ao governo de São Paulo por meio da Fundação Padre Anchieta, custeada com verba do estado e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, e está sob o guarda-chuva da Secretaria de Cultura e Economia Criativa.
A transmissão do programa, em 23 de março, irritou bolsonaristas. Eduardo levou a queixa ao governo paulista, chefiado por Tarcísio de Freitas — ex-ministro da Infraestrutura de seu pai —, segundo relataram dois aliados do deputado.
Eduardo teria argumentado que o governo do PT jamais permitiria que a EBC, empresa de comunicação federal, transmitisse um documentário crítico ao MST, movimento social de trabalhadores sem-terra e próximo do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dias depois, a TV Cultura suspendeu a re-exibição do documentário, que deveria ser feita na primeira semana de abril, de acordo com um jornalista da emissora. O funcionário classificou a decisão como “censura clara” e afirmou que a retirada do vídeo das redes sociais é uma prática “nada comum”. O vídeo agora consta como indisponível no YouTube.
Procurada, a TV Cultura não respondeu até a publicação desta reportagem.
A ofensiva contra o cargo da secretária de Cultura, Marília Marton, aumentou após o documentário. Eduardo criticou publicamente a exibição do programa.
Reações públicas
“A @tvcultura parece estar sob influência de alguém c/ calça apertada ainda. Discurso ideológico e uso da máquina estatal em favor da política”, escreveu no Twitter, referindo-se ao apelido pejorativo dado ao ex-governador de São Paulo, João Doria.
A crítica foi endossada por dois ex-secretários de Cultura de Bolsonaro, o deputado federal Mario Frias (PL-RJ) e André Porciuncula. Frias tuitou: “A secretária de cultura de SP parece estar empenhada em deixar que a extrema esquerda continue utilizando a máquina pública cultural paulista para manter sua agenda. É um absurdo que a TV Cultura, sustentada com verba do governo paulista, seja palco para todo tipo de narrativa alucinada da esquerda. Lamentável!”
Já o deputado estadual Gil Diniz (PL), braço direito de Eduardo na Assembleia Legislativa de São Paulo, disse que “não vai descansar até acabar com essa palhaçada e responsabilizar os militantes travestidos de jornalistas”.
Após a pressão, Marília Marton, que afirma publicamente ser de direita, fez uma reunião com o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, do qual faz parte enquanto secretária, mas nega ter tratado do assunto.
Ao GLOBO, a secretária diz não ter gostado do documentário e questionou se produzir esse tipo de conteúdo seria papel de uma emissora pública. E afirmou não ter pressionado a cúpula da TV Cultura a apagar o vídeo de seus canais, e que também não sofreu pressão por fazer qualquer mudança.
— A minha pergunta, enquanto secretária da Cultura e membro do Conselho, é: aquele documentário tem interesse público? Eu assisti ao documentário e particularmente achei que, se ele fosse muito bom, estaria no Netflix. (Achei) mal escrito, mal roteirizado, mal filmado — afirma a secretária.
Ela critica a associação do programa entre os golpistas de 8 de janeiro e o campo ideológico da direita, e sugere que pode ter havido infiltrados na manifestação que se desdobrou na destruição dos prédios.
— A gente não pode dizer que aquilo (ato golpista de 8 de janeiro) era só pessoas da direita. Será que ali não tinham pessoas que nem sabiam o que estava acontecendo? É uma ação de pessoas loucas, que não tem a ver com uma ideologia de direita — diz ela.
Circulou entre bolsonaristas ligados ao governo de São Paulo que José Roberto Maluf, presidente da fundação, e Eneas Carlos Pereira, diretor de programação da TV, estariam na mira dos bolsonaristas após a veiculação do programa. Até esta terça-feira, nenhuma mudança na diretoria havia sido feita.
Cargo cobiçado por Mário Frias
Existe no alto escalão do governo de São Paulo a avaliação de que Frias quer indicar o sucessor de Marília Marton. Ele tentou emplacar uma indicação durante o governo de transição, mas Tarcísio acabou escolhendo Marton.
Bolsonaristas de São Paulo defendem que a emissora possa refletir mais a visão do governo eleito, mais à direita que os anteriores. Uma ideia defendida no meio é que quadros demitidos da Jovem Pan, como o comentarista Adrilles Jorge e o jornalista Augusto Nunes, que já foi apresentador do Roda Viva, um dos principais programas jornalísticos da emissora, possam ser levados à equipe da TV Cultura.
Não é a primeira vez que bolsonaristas lançam uma ofensiva sobre nomes ligados à pasta da Cultura de Tarcísio. Em novembro, assim que o coordenador da transição de governo de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, anunciou os 105 integrantes da equipe, bolsonaristas começaram a bombardear pessoas não alinhados ao grupo político.
Um dossiê com ataques a Pedro Mastrobuono, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus durante o governo Jair Bolsonaro, começou a circular entre bolsonaristas no mesmo dia. No vídeo de um minuto e meio, Mastrobuono era apresentado como “aliado da esquerda” e defensor do “globalismo”. A mensagem dizia que ele estava cotado para ser o secretário de Cultura de Tarcísio e defendia que ele não ocupasse o cargo.