Bolsonaro queria prender Moraes e anular eleição
Foto: Alexandre Cassiano
A Polícia Federal identificou áudios e mensagens de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro que evidenciam uma articulação de um plano de golpe de Estado. A trama, segundo investigadores, consistia em incitar ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), hostilizar as urnas eletrônicas, convencer a cúpula do Exército a rejeitar o resultado das eleições em 2022 e prender o ministro Alexandre de Moraes, da Corte.
A investida antidemocrática, aponta a PF, foi discutida pelo major reformado do Exército Ailton Gonçalves Barros, pelo coronel Elcio Franco e por um militar ainda não identificado. Os diálogos, de acordo com os investigadores, “deixam evidente a articulação conduzida por Ailton Barros e outros militares, para materializar o plano de tentativa de golpe de Estado no Brasil, em decorrência da não aceitação do resultado da eleição presidencial ocorrida em 2022, visando manter no Poder o ex-Presidente da República Jair Bolsonaro e restringir o exercício do Poder Judiciário brasileiro, por meio da prisão do Ministro Alexandre de Moraes, do STF”.
A PF chegou a esta conclusão após analisar áudios e prints encontrados nos arquivos de um celular de Barros durante uma investigação envolvendo Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. No fim de abril, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, concordou que os diálogos indicam uma articulação de uma tentativa de golpe e determinou o “compartilhamento integral” dessas provas com o inquérito que apura a responsabilidade de autoridades pelas invasões às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Entre as mensagens que chamaram a atenção da PF, estão dois prints (capturas de tela) de uma conversa entre Barros e um contato denominado “PR 01”, “possivelmente relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro”. Essas imagens foram deletadas e, em seguida, enviadas a Cid. A primeira tratava da intenção de grupos organizadores dos atos de 7 de setembro de 2021 de acamparem em Brasília em 31 de março, data do golpe de 1964. O objetivo era pressionar os onze ministros do STF a “saírem de suas cadeiras”. A segunda sugeria inserir nesses movimentos temas de interesse de Bolsonaro como a defesa do impeachment do ministro Alexandre de Moraes e o ataque às urnas eletrônicas. Não é possível saber se o ex-ajudante de ordens respondeu.
Para a PF, há fortes indícios de que Barros não só tinha proximidade com Cid mas também mantinha contato direto com Bolsonaro e se “dispôs a incitar grupos de manifestantes para aderirem a pautas antidemocráticas do interesse do ex-presidente da República”. Na eleição passada, Barros divulgou em sua campanha a deputado estadual um áudio em que Bolsonaro o chamava de “segundo irmão”. O militar da reserva ainda acompanhou o então presidente durante a votação no segundo turno na Vila Militar, no Rio de Janeiro.
Procurado, o advogado Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação, afirmou que Bolsonaro e Barros não tinham proximidade. Segundo Wajngarten, houve tentativas de aproximação por parte de Barros durante o período eleitoral, mas os dois nunca mantiveram conversas de teor antidemocrático. A defesa de Barros não foi localizada. O criminalista Bernardo Fenelon, que assessora Cid, não comentou.
No relatório de análise das mensagens, a PF também destacou dois áudios encontrados no celular de Barros e registrados em 15 de dezembro de 2022. Os arquivos são atribuídos a um militar da reserva não identificado que tenta acelerar a realização do plano golpista. “Combatente, nós estamos no limite longo da ZL (zona limite). Daqui a pouco não tem mais como lançar. Vamos dar passagem perdida, e aí é perdida para sempre. Você entende que eu tô falando (…) Tão há 40 e poucos dias, entendeu, até o Braga Neto veio aqui conversar com eles, que nem eu falei, tirou foto”, diz o interlocutor na gravação.
O termo “limite longo da ZL”, segundo a PF, significa no linguajar militar “o prazo máximo, a zona limite (ZL)”, enquanto “deu passagem perdida” seria uma operação frustrada. “No caso, possivelmente, o interlocutor está alertando que o prazo para implementação do Golpe de Estado e decretação do ato de ‘Garantia da Lei e da Ordem’ estava se esvaindo, com a proximidade da data da posse do novo Presidente da República eleito”, apontam os investigadores.
Em outro áudio, também registrado em 15 de dezembro no celular de Barros, um interlocutor não identificado diz: “Então, esse próximo áudio, também, além do ZERO UNO, aí tem que ser passado pa todo aquele pessoal que você passa sempre, entendeu? Então agora, negão, é…assim…a…Já estamos em guerra, né? Só que agora é a…assim…Temos que executar essas ações. Vou dar o conceito da operação”.
Para a PF, “[o arquivo] deixa claro que a ‘operação especial que teria que ser executada’, na verdade, foi um codinome para a execução de um golpe de Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras, lideradas pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro”. Os investigadores ainda destacam que “o plano descrito pelo interlocutor também incluía a prática de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, restringindo o exercício de um dos poderes da República, no caso, o Supremo Tribunal Federal, que seria implementado com a prisão do Ministro Alexandre de Moraes pela Brigada de Operações Especiais de Goiânia/GO”.
Essa investida golpista foi detalhada em outros áudios encontrados no celular de Barros, divulgados pela CNN e obtidos pelo GLOBO. Segundo o militar, durante a operação golpista teria que “ser dada a missão ao comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia de prender o Alexandre de Moraes no domingo, na casa dele, como ele faz com todo mundo. E aí, na segunda-feira, ser lida a portaria (…), o decreto de garantia da lei e da ordem, e botar as Forças Armadas, cujo Comandante Supremo é o presidente da República, para agir, senão nunca mais nós vamos limpar o nome do glorioso Exército de Caxias”.
Subordinado ao Comando Militar do Planalto, o comando de Operações Especiais de Goiânia é constituído por uma tropa de elite especializada em combater ações de terrorismo e contraterrorismo. Na época, a unidade militar localizada a 172 quilômetros de Brasília, era chefiada pelo general Carlos Pimentel, que hoje comanda o Centro de Operações do Comando Militar da Amazônia. No áudio, Barros diz que é “preciso convencer” o general Pimentel a “prender Moraes”. “Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens”. A PF, porém, não encontrou nenhum indício de envolvimento de Pimentel no caso. Procurado, o general negou que tenha sido procurado para tratar desse assunto.
Ao longo da apuração, a PF também se deparou com áudios atribuídos ao coronel Elcio Franco, ex-número 2 do ministro Eduardo Pazuello na Saúde e ex-assessor da Casa Civil. Na gravação, encaminhada em 25 de dezembro a Barros por um interlocutor identificado apenas como “coronel Virgílio”, Franco diz que o então comandante do Exército Freire Gomes não iria tomar a frente “nesse assunto” e que estava com medo das consequências.
“Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado? Qual foi o seu assessoria? Ele tá indo pra pior hipótese. Qual foi a…Qual a pior hipótese? Ah, deu tudo errado, o presidente foi preso, e ele tá sendo chamando pra responder. Eu falei ó, eu…durante o tempo todo (inteligível) contra o presidente, pô. Falei que não deveria fazer, que não deveria fazer, que não deveria fazer, e pronto, né? Vai pro Tribunal de Nuremberg desse jeito”, disse Franco, segundo transcrição da PF, revelada pela CNN e obtida pelo Globo.
Na avaliação dos investigadores, a partir desse áudio “depreende-se, portanto, que o assunto tratado pelo Coronel Élcio seria uma suposta demanda do Coronel Virgílio no sentido de fazer chegar a indivíduos do alto comando das Forças Armadas suas orientações e ideias no sentido de promover algum tipo de intervenção militar”.
Diante do impasse envolvendo Freire Gomes, Franco sugere uma estratégia alternativa: convencer o general Pimentel, comandante de Operações Especiais, a conduzir a trama golpista. “Quem tem a tropa na mão é o comandante de operações especiais”, afirma o coronel, segundo a PF.
A investigação aponta que, após receber essa mensagem, Barros enviou um áudio para o interlocutor chamado “coronel Virgilio”, criticando o “alto comando” das Forças Armadas e dizendo que um dos generais estava “dificultando a vida do PR” ao se “colocar contra”. De acordo com a PF, o militar aliado de Bolsonaro termina a gravação xingando a cúpula do Exército e dizendo que “não cabe fazer pressão no PR”, referindo ao então presidente Bolsonaro.