Comandante da Marinha desce a lenha em Bolsonaro

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Fotos de Cristiano Mariz

O almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen assumiu o comando da Marinha defendendo a redução da participação de militares da ativa no governo e a desfiliação de partidos políticos. Para endossar essa mensagem, Olsen deu um prazo para que membros das tripulações se desliguem de legendas. Além disso, reuniu cerca de 120 integrantes de cargos internos de chefia para deixar claro o papel das Forças Armadas como “instituições de Estado”.

Em entrevista ao GLOBO, Olsen refuta a tese difundida pela rede bolsonarista de que caberia às tropas atuar para dirimir conflitos entre o Executivo, Judiciário e Legislativo. “Não é poder moderador. O papel de interpretar a Constituição é do STF”, afirma ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor divulgou um boletim interno na Marinha reforçando o pedido de desfiliação política de militares da ativa. Qual foi o resultado disso?

Fizemos um apanhado, por amostragem, e verificamos que havia militares filiados a partidos políticos. Isso é uma contravenção disciplinar que deve ser apurada em processo administrativo, caso a caso, garantindo amplo direito de defesa. Observamos que vários militares estavam filiados à revelia do próprio, por má fé de diversos partidos. Eu mesmo procurei olhar se não estava filiado. Estabelecemos um prazo dentro de 90 dias para que possam requerer suas desfiliações, demonstrando atitude de boa-fé. A partir daí, vamos fazer de novo um rastreamento. Aqueles que continuarem filiados serão passíveis de processo administrativo. Vão ter oportunidade de defesa e eventualmente serão punidos.

Como o senhor tem atuado para evitar a politização de integrantes da Marinha?

É no mínimo curioso que, com as atribuições e as necessidades da Força, ainda haja tempo para se ocupar com política. Caso esteja se ocupando com esses assuntos, alguma coisa está deixando de fazer. Estive reunido com 120 suboficiais que exercem uma função de liderança junto às diversas tripulações do Brasil.

O que disse a eles?

Temos um Brasil polarizado, e os militares foram trazidos para esse contexto. Precisamos reforçar o entendimento de que é uma instituição de Estado e sobre a conduta necessária para que sejamos coerentes com esse dispositivo constitucional. Olhar o artigo 142 da Constituição e enxergar que as Forças Armadas poderiam ser um poder moderador é equivocado. As Forças Armadas não estão ali para discernir o que possa vir a ser um contencioso entre dois Poderes. O papel de interpretar a Constituição Brasileira não é das Forças. É do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como o senhor vê a presença de militares da ativa no primeiro escalão do governo como ocorreu na gestão Bolsonaro?

Os militares têm uma formação continuada que dá um preparo de excelência sobre diversos aspectos. Agora, acho equivocado manter-se no exercício desses cargos públicos como oficial da ativa. Caso um militar migre para exercer um cargo público, ele deve requerer transferência para a reserva. Do contrário, não assume. Essa condição poderia ser até automática: se aceitar o cargo, passa para a reserva. O que talvez hoje esteja muito em pauta é a politização das Forças Armadas. Uma condição que foi trazida. Por mais que quatro anos pareçam um período muito curto, isso acabou, de certa forma, trazendo militares para um contexto muito aproximado da política, o que não é desejado.

E o que fazer para evitar essa situação?

Quando ingressamos na Força, assumimos um compromisso de dedicação integral. Como vou admitir que uma pessoa que assume esse compromisso adote uma condição conveniente de se candidatar a cargo político e depois voltar para a Força se não for eleito? Respeito a opção de cada um traçar o seu destino, mas que trate de buscar outra ocupação. Representamos a instituição 24 horas por dia, sete dias por semana. Esses militares que se envolveram em manifestações, por exemplo, não é o fulano, mas é a Marinha, o Exército, a Força Aérea. Isso traz a Força para uma discussão e um contexto que não é próprio dela.

Após os ataques golpistas, Lula disse que muita gente das Forças Armadas foi conivente com a invasão às sedes dos Três Poderes. Como avalia a relação do presidente com os militares?

Eu nunca vi essa desconfiança do presidente ir além das palavras na relação com a Força. Acho absolutamente justificável, em função de tudo que ocorreu, que o presidente tenha as suas ressalvas em relação aos militares num contexto político ideológico. Na medida que houve de fato o ocorrido, é natural que o presidente se sinta constrangido. Mas, desde a primeira conversa que eu tive com ele, sempre se mostrou preocupado em assegurar os investimentos para a Força. Nunca deixei de ser recebido pelo presidente da República. Em uma das nossas reuniões, houve uma interrupção, e o presidente disse: “Quando eu tiver reunido com o ministro da Defesa e os comandantes das Forças, não me interrompa”. Recentemente, passei por uma cirurgia, e o presidente me ligou de Portugal para saber como eu estava.

O senhor mencionou os investimentos para a Marinha. Quais são os projetos estratégicos da Força?

A presença de potências extrarregionais no Atlântico Sul deve ser motivo de preocupação do Estado brasileiro. Temos aqui a Rússia, a China e o Reino Unido. A China está inserida dentro de uma política muito agressiva de cooperação particularmente com os países da costa ocidental da África. Há também um nível de cooperação muito intenso entre Rússia, China e Venezuela dentro de uma política de sanções dos Estados Unidos. Temos que estar muito atentos a toda essa avaliação estratégica que é feita de maneira recorrente pela Marinha para que possamos ter o devido preparo e emprego da Força. Outro ponto estratégico é a construção naval. A partir de 2014, tivemos uma queda bastante acentuada desse setor. Precisamos retomá-lo. Temos estaleiros, que são infraestruturas já estabelecidas e podem ser rapidamente retomadas, com investimentos de curto prazo, que gera empregos, renda e arrecada tributos. Além de gerar empregos, oferece uma condição muito forte de qualificação profissional. Mas precisamos criar um ambiente favorável para investimento.

O Globo