Do MST à PF, todos criticam lei antiterrorismo

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Foto: Agência Senado/Agência Senado

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado incluiu em sua pauta de votações nesta quarta-feira um projeto que amplia o rol de condutas que podem ser enquadradas como terrorismo no país. A proposta é alvo de críticas por parte de organizações de direitos humanos, que apontam o risco de criminalização de movimentos sociais, como o MST. Além disso, delegados da Polícia Federal afirmam que o texto acabará por permitir o enquadramento de inúmeros crimes comuns como atos terroristas, sobrecarregando a corporação.

Entre outras medidas, o texto prevê que serão punidas com pena de 12 a 30 anos de prisão condutas praticadas em nome ou em favor de organizações que, entre outras: criam obstáculos ou limites à livre circulação de pessoas, bens e serviços para exercer poder paralelo em determinada região ou zona territorial urbana ou rural.

O texto original é de autoria do senador Styvenson Valetim (Podemos-RN) e tratava apenas de endurecimento de penas para crimes como tráfico e organização criminosas. Ao passar pela CCJ do Senado, contudo, passou a incluir o enquadramento de manifestações políticas no crime de terrorismo, o que levou parlamentares do PT a pedirem mais tempo para analisar a proposta.

A versão que será votada é o relatório do senador Jorge Kajuru (PSB-GO). Ele fez novas alterações após as críticas e retirou do texto um trecho que tratava qualquer “distúrbio civil” como “ato terrorista”.

As mudanças fizeram com que o próprio governo passasse a defender o texto. Em audiência nesta terça-feira no Senado, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou apoiar o projeto:

— Nós temos uma posição convergente ao parecer do senador Kajuru. Essa é a posição do Ministério da Justiça em relação ao texto dele — disse Dino.

Para Leonardo Santana, da Rede Justiça Criminal, as alterações ao texto não foram suficientes para deixar de criminalizar os movimentos sociais.

— A conduta de “obstaculizar ou limitar a livre circulação de pessoas, bens e serviços”, por exemplo, é típica dos movimentos sociais e sindicais — diz Santana. Ele acrescenta: — Os parlamentares argumentam que a salvaguarda presente na lei que exclui a sua incidência para os movimentos sociais será mantida, mas em plenário tudo pode mudar. Além disso, em toda reunião aparece de forma direta a intenção de uso da lei antiterror para criminalizar movimentos, como o MST.

Na contramão do ministro da Justiça, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) encomendou uma análise técnico-jurídica que mostra que a aprovação da proposta acarretará a sobrecarga da corporação e da Justiça Federal. A entidade classifica o texto como inconstitucional.

Entre os argumentos apresentados pela ADPF está o de que a aprovação da proposta ocasionará o enquadramento de inúmeros crimes comuns como atos terroristas, o que faria com que, consequentemente, todo e qualquer ato que possa ser minimamente equiparado à prática de terrorismo no Brasil fosse investigado pela Polícia Federal e julgado pela Justiça Federal.

Em um documento de 14 páginas encaminhado à CCJ do Senado, a entidade ressalta ainda que o projeto, da forma como foi elaborado, traz clara insegurança jurídica e, consequentemente, incriminações indevidas, uma vez que foi construído com base em situações genéricas que possibilitam as mais variadas interpretações.

A análise diz ainda que o dispositivo representa flagrante violação ao princípio da legalidade, sob o prisma da taxatividade penal – princípio do Direito Penal que estabelece que a lei penal deve ser precisa e objetiva em relação aos comportamentos considerados criminosos, bem como às sanções previstas para cada um deles.

— Atualmente, a Polícia Federal conta com um quadro de cerca de 13 mil policiais, número abaixo inclusive das vagas existentes e insuficiente para atuação em toda sua competência, o que torna inconcebível a transferência de competência de inúmeros crimes comuns no rol de atos terroristas. Isso, sem dúvidas, acarretará uma sobrecarga da PF e da Justiça Federal. Não estamos questionando a gravidade dos atos cometidos por determinados grupos que se pretende enquadrar na legislação, mas que esses crimes não podem ser colocados em posição de igualdade — afirma Luciano Leiro, presidente da ADPF.

Como o projeto está em caráter terminativo, a expectativa é que a proposição saia direto para a Câmara dos Deputados sem a necessidade de ser apreciada pelo plenário do Senado.

— Defendemos que a matéria vá pelo menos para discussão em audiência pública, para que autoridades e entidades sejam ouvidas. Caso o objetivo seja aumentar o rigor do sistema penal para determinadas infrações, o legislador possui outros meios de fazê-lo, sem a necessidade de equipará-las ao crime de terrorismo. Desfigurar a Lei n. 13.260/2016 visando punir infrações penais que não se enquadram na seara do terrorismo, certamente, não é o caminho mais aconselhável — pontua Leiro.

O Globo