Exército contrata empresa que garimpava em terras indígenas

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Foto: Reprodução

O governo federal contratou para perfurar poços artesianos na Terra Indígena Yanomâmi (TIY) a empresa de um dos principais acusados de chefiar o garimpo ilegal na região. Trata-se da Catarata Poços Artesianos, de propriedade do empresário Rodrigo Martins Mello, o Rodrigo Cataratas.

Ao tomar conhecimento do caso, o Ministério Público Federal (MPF) em Roraima pediu à Justiça Federal a suspensão da contratação da empresa, alegando irregularidades. O juiz Rodrigo Mello, da 4.ª Vara Criminal, decidiu que a empresa deve terminar os poços contratados a fim de não prejudicar a população local, para, em seguida, se retirar da área.

Ele proibiu novo acesso ou a permanência de pessoas da empresa, a qualquer título, na TIY, “inclusive para promover a execução de contratos públicos” e determinou a “suspensão parcial do exercício de atividade econômica dos requeridos, incluindo a execução de contratos públicos, salvo prévia autorização judicial”. A Procuradoria afirmava que a presença da Cataratas na TIY teria “o potencial de ser utilizada como tentativa de conferir legitimidade à manutenção da presença de infratores” na terra Yanomami.

A primeira contratação foi feita em 10 de março pelo 6.º Batalhão de Engenharia de Combate (6.º BEC), do Comando Militar da Amazônia, do Exército, em regime de emergência. Seu objetivo era aumentar a quantidade de água disponível no 4.º Pelotão Especial de Fronteira (PEF) envolvido na operação de socorro aos indígenas na região de Surucucu, em Roraima. O valor do contrato não é alto: trata-se de R$ 185 mil. E a empresa foi escolhida pelo critério de menor preço em um pregão eletrônico. De acordo com o Exército, não cabia à unidade fazer a análise dos problemas judiciais de “eventuais proprietários da Cataratas”.

Além do Exército, o MPF investiga a possível contratação da mesma empresa pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, a fim de instalar outro poço na Unidade Básica de Saúde Indígena de Surucucu, próximo das instalações do 4.º PEF. Por enquanto, a procuradoria não obteve informações sobre esse contrato.

De acordo com a ação do procurador da República Matheus de Andrade Bueno, a empresa Cataratas e seus sócios foram denunciados em ação penal, em 2022, e se tornaram réus em razão da exploração ilegal de minérios na TIY. Os empresários e seus supostos cúmplices são acusados de lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e de formar organização criminosa responsável por fornecer aeronaves, munições de armas e fogo, combustível e outros materiais para o garimpo ilegal.

O contexto narrado soa como possibilidade de que o infrator, ao qual já incumbiria o dever de reparar o dano, seja remunerado por uma obra cuja necessidade é fruto de um ato ilícito próprio anterior, fulminando, a um só tempo, a boa-fé objetiva (…) a responsabilidade ambiental e, até mesmo, o simples bom senso.”
Matheus de Andrade Bueno, procurador da República

Uma empresa de táxi aéreo supostamente em nome de dois laranjas teria sido utilizada ainda para a retirada clandestina de ouro da região. Segundo o MPF, “ressalta-se que a atividade de perfuração de poços artesianos funcionava justamente como ferramenta de ocultação entre recursos de origem lícita e ilícita, operando, portanto, como mecanismo de atos de lavagem de bens e valores pela empresa”. E uma das áreas em que essa atividade ocorria era justamente a de Surucucu.

Ainda de acordo com a procuradoria, o “poço atualmente existente no 4.º PEF, em Surucucu, além de estar em processo de aterramento tem indicativos da presença de metais pesados, efeito deletério comum da prática de garimpo ilegal”.

O procurador alegou ainda que, ao analisar o processo administrativo conduzido pelo 6º BEC, foi possível identificar que a empresa Cataratas estaria impedida de contratar com órgãos públicos. A razão disso seria uma série de irregularidades fiscais e “pendências quanto à demonstração da qualificação econômico-financeira”. Por fim, o MPF alegou que a empresa Cataratas, “ao tempo da contratação, estaria impedida de licitar com o poder público em razão de sanções impostas a outra pessoa jurídica vinculada ao grupo”. No caso, a empresa de táxi aéreo de Rodrigo Cataratas.

Desde janeiro, o Ministério da Saúde decretara Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em razão da falta de assistência aos indígenas da região. Instalou-se na TIY então um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) para coordenar as ações, sob responsabilidade da Sesai. A TIY é a maior reserva indígena do País.

Desde janeiro equipes do ministério atuam na TIY, que abriga cerca de 30,4 mil habitantes. De acordo com o governo federal, o grupo encontrou “crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda”. Só neste ano, cerca de 50 indígenas morreram em consequência desse quadro, causado, principalmente, pela devastação provocada pelo garimpo ilegal de ouro e outros minérios.

Acampamento nas margens do rio Uraricoera, próximo de Waikás, na terra Yanomami
Acampamento nas margens do rio Uraricoera, próximo de Waikás, na terra Yanomami Foto: Bruno Kelly/HAY
O enfrentamento da crise que atingiu o povo Yanomami contou ainda com uma operação para a retirada de invasores do território indígena. Na última semana, 14 pessoas foram mortas na TIY entre indígenas e invasores, muitos dos quais ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

É toda essa situação que fez o MPF pedir urgência para a análise de seu pedido sobre a Cataratas. Para a procuradoria, a contratação da empresa, além de conferir legitimidade à manutenção da presença de infratores na TIY, viabilizaria “a prática de infrações penais, especialmente neste momento sensível, permeado por uma atmosfera de insegurança e terror, em que o Estado brasileiro desenvolve esforços para reverter a crise humanitária”. A empresa estaria auferindo lucro ao prestar um serviço que só se tornou necessário, justamente, em razão da “prática de infrações a ela imputada”.

“O contexto narrado soa como possibilidade de que o infrator, ao qual já incumbiria o dever de reparar o dano, seja remunerado por uma obra cuja necessidade é fruto de um ato ilícito próprio anterior, fulminando, a um só tempo, a boa-fé objetiva, a teoria dos atos próprios, o princípio do poluidor-pagador, a exigência constitucional da responsabilidade ambiental e, até mesmo, o simples bom senso”, manifesta o procurador Matheus de Andrade Bueno.

Além do MPF, a Urihi Associação Yanomami, representativa da região de Surucucu, também se manifestou opondo-se à contratação da empresa. Ela pediu a imediata interrupção da execução do contrato. A reportagem não conseguiu localizar o empresário Rodrigo Cataratas nem os representantes da empresa. À Justiça, a empresa negou as irregularidades.

Em nota, o Exército informou que o critério de seleção da empresa para a perfuração do poço em Surucucu seguiu “o disposto na Nova Lei de Licitações e Contratos”. “O certame em tela teve como fundamentos os princípios da administração pública, com especial atenção ao da legalidade e da eficiência (economicidade), tendo como vencedora a Empresa Cataratas Poços Artesianos.”

Segundo a Força terrestre, “além de apresentar a habilitação técnica exigida em lei, tal empresa ofereceu o menor valor para a obra em questão dentre todos os participantes”. A nota prossegue afirmando que a dispensa de licitação “decorreu da necessidade emergencial de se perfurar um poço dentro da área do 4.º Pelotão Especial de Fronteira a fim de apoiar o esforço do Comando Conjunto da Operação Yanomami e do Estado Brasileiro”.

O critério de seleção da empresa para a perfuração do poço em Surucucu seguiu o disposto na Nova Lei de Licitações e Contratos. O certame em tela teve como fundamentos os princípios da Administração pública, com especial atenção ao da Legalidade e da Eficiência (economicidade), tendo como vencedora a Empresa CATARATAS POÇOS ARTESIANOS. Além de apresentar a habilitação técnica exigida em lei, tal empresa ofereceu o menor valor para a obra em questão dentre todos os participantes.

A dispensa de licitação, prevista na citada Lei de Licitações e Contratos, decorreu da necessidade emergencial de se perfurar um poço dentro da área do 4º Pelotão Especial de Fronteira (4º PEF), localizado na região de Surucucu, no noroeste de Roraima, a fim de apoiar o esforço do Comando Conjunto da Operação Yanomami e do Estado Brasileiro em atendimento à situação emergencial de saúde na Terra Indígena Yanomami.

Cabe ressaltar que desde 31 de dezembro de 2022, diversos órgãos e agências vêm sendo apoiados pelas infraestruturas de alojamento e alimentação no 4º PEF – Surucucu, tais como a Polícia Federal, a Força Nacional do Sistema Único de Saúde, a Força Nacional de Segurança Pública, os Órgãos de Imprensa, a Força Aérea Brasileira, a Marinha do Brasil, a FUNAI, o IBGE, o VOARE e a SESAI.

Ressalte-se, por oportuno, que somente após a Empresa CATARATAS entregar o poço, objeto do contrato, pronto para o uso, o 6° BEC poderá efetuar a liquidação da respectiva nota fiscal, com o posterior pagamento do serviço contratado, nos estritos termos da legislação vigente.

Estadão