Falsificação de vacinação de Mauro Cid é a mais antiga

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Foto: Adriano Machado/Reuters

Um ano antes de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter seu certificado de vacinação contra a Covid-19 falsificado, o tenente-coronel Mauro Cid, preso pela Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (3), tentou diversos meios para conseguir falsificar o certificado de imunização de sua esposa no ConecteSUS.

Segundo a PF, o objetivo de Cid era conseguir um documento para que a esposa conseguisse viajar aos Estados Unidos sem ter tomado a vacina – o país exige o comprovante de vacinação para estrangeiros.

A investigação da PF aponta que Cid conseguiu inserir dados de vacinação de sua esposa, Gabriela Santiago Cid, no sistema do Ministério da Saúde, além de ter obtido cartões de vacinação físicos com dados falsos sobre doses de vacina, também em nome dela.

O objetivo era fazer com que as informações fraudulentas de vacinação de Gabriela fossem inseridas no ConecteSUS, de acordo com a polícia.

Os envolvidos devem responder por crime de falsidade ideológica, por inserir declaração falsa em documento público, conduta tipificada no art. 299 do Código Penal.

Nesta reportagem você vai ver que, segundo a PF:

Cid pediu ajuda para conseguir o cartão de vacinação para esposa em novembro de 2021;
a operação envolveu um médico, um sargento do Exército, um militar e até um ex-vereador do Rio;
trocas de mensagens obtidas pela investigação mostram o andamento do esquema;
a mulher de Cid usou o documento três vezes para viajar para os Estados Unidos;
no ano passado, Cid e as três filhas também conseguiram cartões falsos de vacinação;
responsável por inserir dados de Cid e das filhas no sistema do Ministério da Saúde é o mesmo que fez a inserção das informações de Jair Bolsonaro e da filha do ex-presidente.
Primeira tentativa: conseguir certificado em Goiás
Em novembro de 2021, Cid pediu ajuda ao sargento Luis Marcos dos Reis para conseguir o cartão de vacinação preenchido com doses da vacina contra a Covid-19 em nome da esposa.

O cartão de vacinação falso recebido por Cid indicava que Gabriela teria tomado uma dose da vacina em 17 de agosto de 2021. A segunda dose teria sido no dia 9 de novembro do mesmo ano. As doses teriam sido aplicadas em Cabeceiras (GO).

No campo observações, havia a assinatura e um carimbo do médico Farley Vinícius Alencar de Alcântara, sobrinho do sargento Luis dos Reis, de acordo com a PF. A investigação aponta que o médico assinou e carimbou para tentar dar “aparência de veracidade” ao documento.

A PF pediu os dados de vacinação de Gabriela e a relação das pessoas vacinadas na Unidade Básica de Saúde de Cabeceiras (GO). Em resposta, o Ministério da Saúde informou que não há registro sobre aplicação de doses em nome da esposa de Cid na UBS da cidade goiana.

A análise de dados da rede de celular da esposa de Cid mostra que, nos dias em que foi indicado que ela teria tomado as doses pelo documento falsificado, Gabriela estava em Brasília.

Com a certidão de vacinação falsa, o objetivo de Cid, segundo a PF, era inserir os dados de vacinação falsos em nome de sua esposa no sistema ConecteSUS do Ministério da Saúde, com a finalidade de obter o certificado de vacinação contra a Covid-19.

Nos dias 22 e 23 de novembro de 2021, ele pediu ajuda ao segundo-sargento do exército Eduardo Crespo Alves. Inicialmente, ele teve dificuldades de inserir os dados.

O problema apontado nas conversas interceptadas pela PF é que os lotes da vacina que constam na carteira falsa obtida em nome de Gabriela não foram distribuídos para o Rio de Janeiro – estado onde o sargento Crespo Alves tentava inserir os dados da esposa de Cid no sistema.

Como os dados não batiam, o sistema não permitiu que os dados fossem inseridos.

Para conseguir realizar a falsificação, Cid e Reis pediram a Farley um novo cartão de vacinação, desta vez em branco, para preencherem com lotes de vacinas distribuídas para o Rio de Janeiro, segundo a PF.

Com a dificuldade de conseguir a falsificação, Cid pediu ajuda ao militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros, com o objetivo de conseguir uma certidão de vacinação emitida pela Secretaria de Saúde do Município de Duque de Caxias (RJ), em 29 de novembro de 2021.

Ailton fez um cadastro no sistema “GOV.BR” em nome de Gabriela, aponta a investigação.

A PF diz que o IP do celular usado para o acesso na conta de Gabriela estava cadastrado no nome de Marcello Fernandes de Holanda e que a conexão se deu a partir da Pavuna, na cidade do Rio.

Esse acesso ocorreu logo após envio de uma mensagem de Ailton para Mauro Cid, demonstrando a pertinência cronológica das mensagens identificadas na quebra telemática com o acesso ao sistema informado pela Secretaria de Governo Digital.

No sentido de esclarecer a participação de Marcelo Holanda nos fatos investigados, a análise dos dados da quebra de sigilo telemático de Ailton revelou que a agenda telefônica dele possui cadastrado o terminal telefônico associado ao nome “AB – GA HOLANDA”.

Em 30 de novembro de 2021, Ailton avisou Cid que ele tinha três frentes no Rio ajudando. Um deles seria um vereador.

“Ele, ele é um político, né vereador aqui do Rio de Janeiro, sabe como resolve, né?“ Esse vereador, segundo a PF, seria Marcello Moraes Siciliano.
No mesmo dia, por volta das 13h47, Ailton avisou que o problema estava sendo resolvido: “Situação da nossa amiga: resolvido 100% de baixa. Me manda, não quero os dados, me manda foto da identidade, frente verso e CPF”.

Em 30 de novembro de 2021, por volta de 19h, Ailton enviou uma mensagem a Cid, dizendo que conseguiu incluir os dados de Gabriela: “Recebi o retorno agora. É… aquele amigo, já está vacinado com 2 doses da Pfizer. Amanhã eu estou pegando o documento está bom?”.

A PF conseguiu confirmar com o Ministério da Saúde o registro das duas doses em nome de Gabriela Cid em Duque de Caxias (RJ).

Contudo, as duas doses, de datas de agosto e de outubro de 2021, foram colocadas no sistema do ministério no mesmo dia: 30 de novembro de 2021, com diferença de 1 minuto entre os registros. Segundo a PF, isso comprova a inserção de dados falsos.

Os dados telefônicos de Gabriela apontam que ela estava em Brasília, e não em Duque de Caxias, nos indicados para a vacinação.

Em 13 de dezembro de 2021, Cid pediu a Ailton um “print” do ConecteSUS, pois teria perdido os comprovantes. Ailton respondeu que tinha apagado os dados, mas que conseguiria. Em seguida, ele mandou prints de cartões falsos de vacinação de Gabriela com duas doses da Pfizer feitas em Duque de Caxias.

Com o certificado de vacinação contra a Covid-19 falso, Gabriela fez viagens para os Estados Unidos em três datas: 30 de dezembro 2021, 9 de abril de 2022 e 21 de dezembro 2022. Essa, segundo a PF, seria a motivação para o pedido de inserção de dados falsos no ConecteSUS.

As investigações mostram que Gabriela emitiu um certificado de vacinação no dia 30 de dezembro de 2021, às 16h21. Mais tarde, às 21h55, ela embarcou em um voo com destino a Houston (EUA), que partiu do Aeroporto do Galeão, no Rio.

Em 9 de abril do ano passado, a esposa de Cid viajou de Brasília para Miami. O voo teve uma conexão na Cidade do Panamá. Ela retornou para o Brasil no dia 21 de abril de 2022, segundo a PF.

Já em 21 de dezembro do ano passado, Gabriela fez uma nova viagem para Miami, partindo de Brasília. Uma semana antes, ela emitiu um certificado de vacinação no sistema ConecteSUS.

A PF informou que a apuração mostra que a esposa de Cid usou em pelo menos três vezes o certificado falso para viajar, o que pode ser enquadrado como crime de uso de documento falso.

Filhas de Cid
Além da esposa, as três filhas de Mauro Cid e o próprio coronel também teriam recebido documentos falsos para comprovar a vacinação contra a Covid-19, segundo a PF.

A investigação identificou que os nomes de Cid e das três filhas aparecem em uma lista de pessoas imunizadas em Duque de Caxias, no mesmo local em que a esposa do coronel possui registro de vacinação.

A PF disse que “causou estranheza” o fato de as filhas de Mauro Cid terem sido vacinadas em Duque de Caxias, já que a família mora em Brasília.

Pelos dados do sistema, o coronel e as filhas foram vacinados três vezes: em 22 de junho de 2021; 8 de setembro de 2021; e 19 de novembro de 2021. Todas as doses teriam sido aplicadas no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias.

O inquérito mostra que, em duas datas em que as doses teriam sido aplicadas no Rio de Janeiro, duas filhas de Cid estavam em Brasília, o que levanta indícios de falsificação nos dados.

Informações obtidas pela PF com o Ministério da Saúde indicam ainda que os registros de vacinação de Mauro Cid e das filhas no sistema do SUS foi feito em 17 de dezembro de 2022, mais de um ano depois das supostas aplicações das doses.

Conforme a investigação, os registros no sistema foram feitos por João Carlos de Sousa Brecha, secretário municipal de Duque de Caxias. Ele também foi responsável por inserir os dados no sistema das supostas vacinações de Jair Bolsonaro e da filha do ex-presidente, de acordo com a PF.

Mauro Cid e família: dizem que vão se manifestar quando tiverem acesso aos autos do processo.
João Carlos Brecha, secretário de Governo de Duque de Caxias: a TV Globo entrou em contato com a prefeitura da cidade, mas não teve retorno.
Jair Bolsonaro: o ex-presidente da República afirmou que não tomou vacina e que não houve adulteração nos registros de saúde dele e da filha. “Nunca me foi pedido cartão de vacina em lugar nenhum, não existe adulteração da minha parte. Eu não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso”, disse.

G1