Gastos públicos ineptos somam 20% do PIB

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Entre os países de renda média alta, ou seja, sem contar as nações pobres e as miseráveis do planeta, o Brasil tem o pior desempenho no quesito gestão pública. “Isso quer dizer que o governo brasileiro funciona de forma menos eficiente do que todos os outros que fazem parte da sua categoria ou estão acima dele”, diz Humberto Martins, professor da Fundação Dom Cabral (FDC).

E qual a consequência de tal condição? Martins explica: “Arrecadamos e gastamos 20% (cerca de R$ 2 trilhões) a mais do que a média dos países do nosso grupo de renda. E isso para entregar, mais ou menos, o mesmo nível de bem-estar à população. Esse é um número escandaloso. Significa que a nossa taxa de ineficiência é de 20% do PIB. Imagine o que faríamos se tivéssemos esse dinheiro a mais para gastar com alguma eficácia. Seria possível, logo de cara, resolver os problemas da educação e da saúde, por exemplo.”

A análise de Martins foi feita a partir da elaboração de um novo indicador, o Índice de Capacidade Institucional (ICI), criado pela Fundação Dom Cabral e divulgado com exclusividade pelo Metrópoles. Ele tem como objetivo aferir a competência de um governo em produzir desenvolvimento e proporcionar bem-estar a seus cidadãos. “Uma gestão pública débil e ineficaz tem efeito direto sobre o crescimento de um país”, afirma o professor. “Vimos isso com clareza no estudo e aplicamos essa métrica a 200 países.”

Outra conclusão do estudo, destaca o professor da Dom Cabral, é que o modelo de “recursos + alinhamento” não vai solucionar o problema do desenvolvimento e do bem-estar social no Brasil. “Os políticos pensam que podem resolver tudo com dinheiro e uma base alinhada”, diz Martins. “Isso não é verdade. Mesmo que nessas condições, o padrão disfuncional da gestão pública vai consumir as verbas e não entregará bons resultados.”

E como mudar tal quadro? Para Martins, o passo inicial é dar clareza de propósito as instituições – algo que, ressalta o professor, soa óbvio à primeira vista, mas, na prática, seria uma mudança tão inovadora quanto arrojada.

Martins lembra que uma análise feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que um quarto (25%) das organizações públicas estão numa zona de “desorientação estratégica”. “Isso significa que elas não sabem quem são, para onde vão e para que servem”, afirma. “Ou seja, estão perdidas e, assim, consomem recursos sem clareza dos resultados.”

Nesse caso, o professor da Dom Cabral frisa que os dados do TCU avaliam basicamente instituições ligadas ao governo federal. “Nos estados e municípios a situação é muito pior, é devastadora”, afirma.

Outra frente de mudanças, destaca o acadêmico, deve focar na gestão de pessoas. Além da qualificação e da alocação adequada da força de trabalho, é importante superar uma série de limitações, a começar pelo modelo dos concursos públicos. “Hoje, eles medem só o conhecimento dos candidatos, mas precisam ser feitos para avaliar e atrair aqueles que têm vocação para o setor”, diz. “Dificilmente, uma pessoa não vocacionada terá energia para desempenhar um bom trabalho na área pública.”

Há ainda a questão da estrutura das carreiras. “A diferença entre os valores dos salários de entrada e saída é muito pequena e isso desestimula a progressão”, afirma. “É preciso incentivar o melhor desempenho e o empreendedorismo. Hoje, os avanços de um profissional no setor público são definidos pelo tempo de serviço.”

A disparidade de salários, na avaliação de Martins, é outro entrave. As carreiras jurídicas, por exemplo, são sobrepagas e, ao lado da elite burocrática, têm um poder de barganha muito grande junto ao centro do poder. Em contrapartida, áreas como educação, saúde e meio ambiente remuneram mal e sofrem com a falta de pessoal.

Algumas carreiras, acrescenta o professor, também devem ser transversais. “Um gestor qualificado, por exemplo, pode ocupar um cargo em qualquer organização pública, em qualquer Ministério”, afirma. “Hoje, em muitos países, mesmo posições muito especializadas da alta burocracia são supridas por profissionais que atuam de forma mais ampla, multissetorial.”

Metrópoles