Lula quer prioridade para cidades com baixo IDH

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Foto: Cadu Gomes

Cobrado pela base a liberar recursos do extinto orçamento secreto que foram incorporados aos caixas de ministérios, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva impôs uma série de critérios para que o dinheiro seja destinado aos redutos eleitorais de parlamentares. Portarias publicadas pelas pastas nas últimas duas semanas preveem regras que incluem privilegiar o desembolso a cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), além de projetos específicos.

Nos bastidores, congressistas do Centrão reclamam que as travas vêm dificultando o acesso aos recursos, enquanto o governo argumenta que as regras mais rígidas servem para um melhor direcionamento das verbas públicas — contraponto ao descontrole que marcou a utilização das chamadas emendas de relator nos últimos anos.

A falta de critérios técnicos para a distribuição do orçamento secreto, instrumento que permitia aos parlamentares destinarem verbas da União sem transparência e isonomia, foi um dos argumentos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com a ferramenta, em dezembro do ano passado. O mecanismo era usado pelo governo para contemplar cidades escolhidas por aliados sem que eles fossem identificados. Em troca, o apoio aos interesses do Planalto no Congresso.

O atual governo, entretanto, continua usando as verbas do antigo orçamento secreto como instrumento de barganha política para angariar apoio no Legislativo. Os R$ 9,8 bilhões inicialmente previstos para as emendas de relator foram transferidos para os caixas de sete ministérios. Em um acordo fechado no fim do ano passado, durante as discussões da PEC da Transição, a equipe de Lula concordou em enviar esses recursos para prefeituras indicadas pelos deputados e senadores.

Infográfico mostra evolução das emendas parlamentares — Foto: Editoria de Arte

Infográfico mostra critérios de três pastas para direcionamento de verbas — Foto: Editoria de Arte

O pontapé inicial para que os valores sejam pagos, contudo, só foi dado no início deste mês, após os parlamentares darem sinais de insatisfação com a demora para liberar os recursos. Um dia após o governo sofrer sua principal derrota na Câmara, em 3 de maio, com a derrubada de parte de um decreto de Lula sobre saneamento, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pediu aos ministérios que publicassem as portarias estabelecendo como iriam distribuir as verbas.

O Ministério das Cidades, por exemplo, definiu que pelo menos 60% dos R$ 2,4 bilhões que herdou devem ser destinados a municípios com IDH inferior ao do Brasil (0,754). Uma das críticas de especialistas em relação ao mecanismo era exatamente que, ao delegar a deputados e senadores a decisão de como e onde o dinheiro público deveria ser empregado, o governo ignorava a necessidade das populações para privilegiar interesses políticos de aliados.

Levantamento do GLOBO publicado no ano passado evidenciou a distorção ao revelar que metade dos R$ 20 bilhões do orçamento secreto foi destinada a apenas 7,7% das cidades do país. Entre 2020 e 2021, por exemplo, Petrolina (PE) recebeu R$ 166,4 milhões das emendas de relator, enquanto municípios mais pobres, como Solidão, no mesmo estado, não receberam um centavo.

Parlamentares de partidos do Centrão reclamam nos bastidores do excesso de regras e afirmam que prefeituras estão enfrentando dificuldades para cadastrar projetos e, assim, receber recursos. Um integrante do grupo afirma que, na prática, o governo “liberou sem liberar” as emendas do antigo orçamento secreto.

O vice-líder do governo na Câmara, Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), afirma que esses critérios são importantes para garantir a boa aplicação dos recursos.

—É para evitar desvio de finalidade e os desmandos do orçamento secreto. Ou seja, o orçamento público, como tem de ser, vai ter regras—disse Pinheiro Neto ao GLOBO.

Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais defendeu a distribuição dos recursos com base em regras preestabelecidas.

“Cabe destacar que o governo vê como democrático e desejável que os parlamentares apoiem as prefeituras na apresentação de propostas e o governo federal na identificação das demandas da população brasileira por todo o país”, afirmou a pasta responsável pela articulação política.

No caso do Ministério do Esporte, que tem direito a R$ 211 milhões para distribuir, além de pistas de skate, a portaria publicada pela pasta prevê prioridade a localidades com “vulnerabilidade social” (baixo IDH), alto índice de violência e locais próximos a escolas públicas.

Já na Saúde, os R$ 3 bilhões que ficaram com a pasta devem ser divididos quase que igualmente entre as áreas de atenção primária e especializada. No primeiro caso, a prioridade será projetos de estruturação da infraestrutura odontológica, que inclui compra de equipamentos, cadeiras e unidades móveis, assim como computadores e transporte eletivo.

Na atenção especializada, há a previsão de construção, reforma e ampliação de unidades, além de renovação da frota do Samu. Em outras palavras, são recursos que não serão destinados apenas à manutenção de unidades, mas que podem ser usados para a construção de novos equipamentos.

O anúncio do ministério de que as verbas estavam disponíveis gerou movimentação de gestores municipais e estaduais. O Fundo Nacional de Saúde precisou fazer duas transmissões ao vivo na semana passada para tirar dúvidas de como as propostas deveriam ser cadastradas.

O Globo