Manchetes sobre imagem de Lula confundem eleitor

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Foto: Richard A. Brooks / AFP

Finalmente, depois de uma expectativa que se arrastou por meses, Joe Biden lançou no dia 24 último a sua candidatura à reeleição. “Let’s finish the job”, concluiu no vídeo de três minutos. Os críticos não perderam a oportunidade de chamar a atenção para as pesquisas divulgadas na mesma semana que apontavam um grande número de democratas desejosos de outra opção. E ainda mais importante, que o presidente mantinha uma aprovação baixa, de apenas 40% na média dos levantamentos.

Na verdade, esse apoio de quatro em cada dez americanos não chega a ser um argumento inviabilizador do projeto. Reagan tinha, na mesma altura do percurso, marca parecida (39%). Porém, qual teria sido o efeito político eleitoral se, em vez de 40%, o percentual anunciado fosse apenas os 22% que em pesquisas como a Marist Poll ou a Fox News Poll correspondiam aos que “aprovavam fortemente” o seu trabalho? Óbvio que a reeleição seria carimbada de logo como um sonho impossível. A “aprovação” dos governantes é o item mais frequente nas pesquisas desde que George Gallup o introduziu em julho de 1939. Não há melhor preditor das chances de reeleição dos mesmos, bem como da sua capacidade de influenciar os demais poderes e de impulsionar a própria agenda.

No Brasil, dados das pesquisas sobre o desempenho do presidente Lula feitas no primeiro quadrimestre deste ano por quatro institutos¹ foram estampados 16 vezes na primeira página dos cinco principais jornais do país.² Esses títulos naturalmente se multiplicaram nas TVs, nas rádios, nos blogs e nas redes sociais. Com percentuais que variaram, na média, de 38% a 58%. Discrepância aparentemente inexplicável que deve ter desnorteado os leitores. Qual o motivo? Simplesmente, 56% dos títulos estavam errados. Confundiam avaliação com aprovação. Na verdade, nesse período, 58% foi a média mais alta da “aprovação” ao governo. Ao passo que a média da “avaliação expressamente positiva” mais baixa foi de 38%. A diferença é fonte de confusão para quem lê; matéria-prima para a batalha de narrativas; e, como não poderia deixar de ser, um fator de desgaste adicional para a imagem das pesquisas. A origem disso é fácil de entender. Não ocorreu só agora. O equívoco vem de longe. Mas o fato de ser um problema antigo não significa que deva ser naturalizado.

Aprovação: a pergunta é dicotômica “aprova ou desaprova?” ou pode ser em escala como “aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova, nem desaprova”, “desaprova” e “desaprova fortemente”. Quando as escalas são usadas, se somadas as duas categorias positivas e as duas negativas, chega-se a um conjunto das atitudes positivas e negativas diante de um governo assim como ocorre no formato dicotômico “aprova ou desaprova?”.

Avaliação: “ótimo/bom/regular/ruim/péssimo”. Avaliações expressamente positivas (ótimo/bom) e expressamente negativas (ruim/péssimo) deixam de fora atitudes positivas e negativas que estão contidas na categoria “regular”. Resultados não podem ser confundidos com “aprovação”.

As opiniões sobre um governo, bem como sobre outros objetos, podem ser mensuradas de forma dicotômica, como desde o início dos inquéritos (exemplo: aprova ou desaprova) ou as atitudes também podem ser graduadas por meio de escalas com palavras, números, ou ambos, modelo que leva o nome de Likert, o psicólogo social que o concebeu. Assim, metade dos dez institutos americanos de maior prestígio ranqueados pelo FiveThirtyEight usa desde sempre apenas o enfoque binário (aprova/ desaprova), e metade lança mão de escalas (“aprova fortemente”, “aprova”, “não aprova nem desaprova”, “desaprova”, “desaprova fortemente”). Há diferenças na exata formulação da pergunta (wording) por cada investigador, embora a referência ao “trabalho que o presidente X está fazendo” seja a mais comum. Mas nenhum deles recorre à avaliação adjetivada usada entre nós (ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo). E todos eles usam uma única pergunta.

Aqui, diferentemente, a maioria dos institutos lança mão de duas questões: uma com escala de “avaliação”, outra, dicotômica, de “aprovação”. E daí deriva a confusão na mídia entre uma coisa e outra. Das casas tradicionais, com mais de duas décadas na praça, apenas o Datafolha não inclui a pergunta de “aprovação”. Na cobertura da imprensa é frequente vermos denominada como “aprovação” o que na verdade é tão somente a avaliação “expressamente positiva”, deixando-se à margem as atitudes positivas contidas no segmento que classifica o governante como “regular”. O que fica demonstrado com clareza no cruzamento das respostas às duas indagações.³

Ou seja, além de tomadas recorrentemente como sinônimos, o que não são, também se faz amiúde uma equivalência entre o que é aprovação (expressando o conjunto das atitudes positivas) e o que representa apenas o equivalente a uma parte delas — a avaliação expressamente positiva (ótimo/bom) da administração.

As pesquisas no Brasil foram submetidas na última disputa presidencial a um ataque sem tréguas do negacionismo científico politicamente motivado. No entanto, também é certo que por vezes institutos e veículos escorregaram no esclarecimento ou na interpretação dos dados, como se deu na “pane analítica” verificada imediatamente após o primeiro turno. Portanto, há necessidade de uma didática incessante sobre como elas são feitas, e sobretudo como devem ser lidas. Os institutos têm promovido junto aos jornalistas uma boa reflexão sobre os diferentes métodos de coleta e as principais características amostrais. É hora de focar com igual ênfase a formatação e a redação das questões. E de explicar como isso impacta potencialmente nos resultados. Ajudaremos muito se sempre anexarmos os questionários aos relatórios divulgados ou pelo menos incluirmos as perguntas no rodapé de gráficos e tabelas.

Todos temos algo a melhorar na nossa comunicação com a imprensa para auxiliá-la a apresentar à sociedade as informações provenientes das pesquisas de forma cada vez mais fidedigna. Afinal, conhecer a opinião pública, em especial no que concerne aos mandatários, é essencial para a democracia representativa. Insubstituível para governantes, políticos em geral e sobretudo para a própria cidadania. Para que ela possa se conhecer por inteiro, ver-se completa no espelho, especialmente nessa época em que seu olhar cotidiano está enclausurado em bolhas virtuais.

O Globo