Mídia começa chororô por Dallagnol

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Felipe Rau/Estadão

Prepare seu estômago para um chororô interminável que começa com Dallagnol e se estenderá a Moro. Confira matéria abaixo

************************************************************************************************

A cassação do mandato do Deputado Federal Deltan Dallagnol fez-me recordar a “Operação Mãos Limpas”.

Não entro no mérito da decisão por desconhecer profundamente os fatos e as provas, mas confesso que me deixou muito triste, posto que ele estava a desempenhar de maneira muito competente suas funções parlamentares.

E a similitude com o que ocorreu na Itália é muito grande.

No começo dos anos 90, após a prisão do mafioso Tommaso Buscetta no Brasil e testemunho do dissidente da KGB Vladimir Bukokski, foi deflagrada na Itália a denominada “Operação Mãos Limpas”, culminando com a prisão de quase três mil pessoas, dentre elas centenas de empresários e políticos, inclusive quatro que haviam sido primeiro-ministro.

As acusações basicamente eram de pagamento de propina a altos funcionários públicos e políticos para que empresas vencessem licitações a assinassem contratos bilionários com empresas públicas. Toda a nação italiana aplaudiu de pé as ações, enquanto partidos políticos eram atingidos em cheio, vindo alguns deles a desaparecer posteriormente.

A operação foi comandada pelo magistrado Antônio di Pietro, junto com sua equipe, lembrando que na Itália Magistratura e Ministério Público integram a mesma carreira.

Durante a operação, devido à enorme pressão exercida por “forças ocultas”, a equipe foi aos poucos sendo desfeita até desaparecer.

Nos meses seguintes, foram aprovadas pelo parlamento italiano diversas leis com o claro propósito de proteger os parlamentares e dificultar a punição de agentes públicos corruptos e seus corruptores. Chegou-se ao cúmulo de vários integrantes da operação serem acusados de abuso de autoridade e de corrupção.

No Brasil, muito parecida com a operação italiana, tivemos a finada “Lava-jato”. Políticos e empresários poderosos, até então intocáveis, foram investigados, processados, condenados e presos para o desespero de muitos profissionais da área do direito, que dominavam o Poder Judiciário, obtendo êxito em praticamente todos os recursos interpostos.

As sentenças condenatórias foram prolatadas às pencas e a imensa maioria mantida nos Tribunais, notadamente no Tribunal Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça. Estes Tribunais analisaram as medidas requeridas e deferidas durante a operação e as tiveram como hígidas, ou seja, isentas de vícios processuais e abusos.

No entanto, aos poucos tudo foi mudando. Novas leis foram aprovadas e a jurisprudência dominante alterada de modo a alcançar as decisões e sentenças proferidas, retroagindo e atingindo os atos processuais já consumados e decididos de acordo com o entendimento vigente à época.

E muitas dessas novas decisões foram proferidas por apenas dois ou três Ministros da Suprema Corte e não por seu plenário, que decerto não teria aniquilado a operação e os processos em andamento, inclusive com sentenças condenatórias prolatadas e mantidas por três desembargadores e quatro ou cinco Ministros do Superior Tribunal de Justiça, sempre por unanimidade.

Dizer que houve inúmeros abusos e vícios processuais não procede. Claro que houve alguns, que foram reconhecidos em segunda ou terceira instância e a legalidade recomposta. Mas nada que pudesse macular toda a operação, que foi respaldada por estes tribunais na imensa maioria dos processos.

Com efeito, o que ocorreu na Itália também adveio aqui. O mecanismo contra-atacou e aos poucos minou toda a operação de modo, não a inocentar os condenados e acusados, já que as provas abundam nos autos, mas a anular os processos por vícios processuais formais, no meu modo de ver inexistentes na boa parte dos casos, o que comumente ocorreu no país em situações desse tipo, anotando que a prescrição é quase certa em praticamente todos os processos.

Mesmo com todo o sucesso da operação e com o empenho de verdadeiros heróis nacionais, passam os mocinhos a serem chamados de bandidos e os bandidos se arvoram em heróis e vítimas, que, segundo muitos interessados no retorno do status quo, apenas perseguiu políticos e empresários dignos, que se enriqueceram às custas do trabalho honesto.

Enfim, a esperança em um país livre da corrupção e da impunidade para os poderosos não passou de um sonho, que parece muito longe de ser realizado.

Estadão