Ação de hoje no TSE contra Bolsonaro é só aperitivo
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começa a julgar nesta quinta-feira a primeira das 16 ações que tramitam na Corte e podem deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.
A maioria dos ministros deve votar para condenar o ex-chefe do Executivo que, ao longo dos últimos anos, proferiu incontáveis ataques ao sistema eleitoral. Não se descarta, porém, que um pedido de vista postergue a conclusão da análise da ação de investigação eleitoral (Aije) apresentada pelo PDT.
O TSE reservou três sessões para a análise do processo. O julgamento, que não deve terminar nesta quinta-feira, poderá seguir nos dias 27 e 29 de junho, a última semana antes do recesso do Judiciário. Caso Bolsonaro seja condenado, ele não poderá disputar eleições para nenhum cargo até 2030 – são oito anos a contar a partir de 2022.
O julgamento começará com o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, apresentando o relatório sobre a Aije, isto é, uma espécie de resumo do processo, que já foi tornado público pelo tribunal, no seu site, desde o primeiro dia deste mês. O documento deixa evidente que o TSE levará em consideração outros atos antidemocráticos cometidos por Bolsonaro ao longo dos seus dois últimos anos na Presidência, e não apenas a reunião com embaixadores que é a base do processo.
Há menções, por exemplo, a “lives” realizadas ainda em 2021 e outras declarações do ex-presidente para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. O PDT contou, no penúltimo ano do governo Bolsonaro, pelo menos 23 ataques do então presidente à integridade do sistema eleitoral.
Após a apresentação do relatório-resumo, os advogados do PDT e de Bolsonaro poderão se pronunciar. A defesa do ex-presidente, a pedido, terá direito a fazer uma sustentação oral de 30 minutos, o dobro do tempo destinado à defesa do partido político que pede a sua inelegibilidade.
“A reunião com os embaixadores em si não resume o que está em jogo, que é atuação sistêmica do então presidente contra o sistema eleitoral e a democracia”, afirmou ao Valor o advogado Walber Agra, um dos que assinou a petição inicial do PDT e que fará a sustentação oral no plenário do TSE, citando o evento de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, que embasou a ação.
Agra disse que os ataques do ex-capitão do Exército ao sistema eleitoral estão num “marco temporal” que abrange o “passado, o presente e o futuro”, já que ele algumas vezes mencionava supostas fraudes em 2018, no pleito que o elegeu à Presidência, e as repetiu ao longo da campanha eleitoral do ano passado e inclusive após deixar o governo.
O advogado lembra que há uma profusão de conteúdo gerado pelo ex-presidente contra as urnas, seja em “lives” presidenciais ou em programas de rádio ou TV onde foi entrevistado.
Discurso teve como objetivo “desacreditar a legitimidade do sistema de votação digital”
— Paulo Gonet
Procurada, a defesa de Bolsonaro no TSE, a cargo do advogado Tarcísio Vieira, não se pronunciou. Em outra oportunidade, Vieira admitiu que as condições são “desfavoráveis” ao cliente. No processo, Bolsonaro manifestou-se por meio do advogado dizendo que exercia “a liberdade de expressão” e que “expôs seu ponto de vista sobre o sistema de votação para convidados que nem mesmo eram eleitores”.
Após as manifestações dos advogados, o Ministério Público Eleitoral apresenta seu parecer. Depois, Benedito começa a votar. Concluída a manifestação do relator, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, começa a colher os votos dos outros seis ministros. Moraes será o último a apresentar o voto.
O processo que será analisado pelo plenário do TSE questiona um encontro promovido por Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, com embaixadores estrangeiros em julho do ano passado. O então presidente levantou falsas suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas. O evento ainda foi transmitido pela TV Brasil, veículo oficial do governo, o que enseja a acusação de uso indevido de meio de comunicação, e acabou retransmitido nas redes sociais do ex-presidente.
Os crimes apurados nessa ação repetem-se em alguns dos outros 15 processos em trâmite na Justiça Eleitoral contra Bolsonaro.
Segundo o Valor apurou, Gonçalves liberou antecipadamente o teor do seu voto para os outros seis ministros da corte. A expectativa é que ele se manifeste pela inelegibilidade de Bolsonaro.
O seu posicionamento deve ser seguido por Moraes e pela ministra Cármen Lúcia, ambos do Supremo Tribunal Federal (STF). Também se espera a mesma posição dos novos ministros, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares, escolhidos a dedo por Moraes para compor a Corte.
A dúvida paira sobre os votos dos ministros Nunes Marques e Raul Araújo, que também poderiam ser os autores de um eventual pedido de vista. Marques foi indicado para o STF por Bolsonaro, enquanto Araújo, integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é visto pelos pares como um magistrado conservador.
A ação foi apresentada pela coligação de Ciro Gomes, que disputou a eleição para a Presidência pelo PDT. Na peça, eles argumentaram que a reunião realizada por Bolsonaro com os embaixadores estrangeiros teve o objetivo de espalhar “desordem informacional” sobre o sistema eletrônico de votação. A acusação foi de prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, e também mirou o então candidato a vice da chapa, Walter Braga Netto.
Após o 8 de janeiro, quando bolsonaristas inconformados com o resultado da eleição invadiram e depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes, o próprio PDT encaminhou novos pedidos para que o TSE levasse em consideração o caráter sistêmico da atuação do ex-presidente contra as instituições democráticas. A minuta do golpe apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, foi usada como argumento para ouvi-lo como testemunha no processo da Justiça Eleitoral.
Em abril, o Ministério Público Eleitoral (MPE) manifestou-se a favor do pedido de inelegibilidade do ex-presidente por enxergar abuso de poder político nos ataques ao sistema eleitoral durante o evento. O órgão, no entanto, não viu participação de Braga Netto no episódio.
Para o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet, o discurso do então presidente durante o encontro teve como objetivo “desacreditar a legitimidade do sistema de votação digital”. Ele disse que, embora essa fosse uma prática reiterada de Bolsonaro, daquela vez foi ainda mais grave porque ocorreu “em período próximo das eleições” para disseminar informações que já haviam sido “demonstradas como falsas”.
Apesar do capital político que Bolsonaro ainda mantém, a área de inteligência do TSE acredita que não haverá grandes manifestações nesta quinta-feira. Um monitoramento diário tem sido feito e, por ora, não há nada que tenha indicado riscos aos ministros ou ao patrimônio da corte. Mesmo assim, haverá um reforço padrão na segurança, devido ao aumento do número de pessoas que deverá comparecer à sessão.
Nas últimas semanas, servidores da corte perceberam que velhas “fake news” sobre as urnas eletrônicas voltaram a circular nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Nada, porém, que tenha preocupado o setor responsável por garantir a segurança do Tribunal Superior Eleitoral.