
Bolsonaro defendeu trabalho infantil e ignorou Nobel da Paz
Foto: Eduardo Muñoz/Reuters
Kailash Satyarthi, prêmio Nobel da Paz de 2014, conta que foi ignorado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em conversa com o UOL, o indiano afirmou que mandou uma carta para o ex-chefe do Executivo, fazendo um desafio no que se refere ao trabalho infantil. Mas a resposta nunca chegou. O ativista indiano dividiu em 2014 o prêmio Nobel com Malala Yousafzai. Tratou-se de um reconhecimento por seu combate ao trabalho e à escravidão infantil. Desde 1980, seus projetos liberaram mais de 85 mil crianças na Índia. Ao explicar a motivação do prêmio, o Comitê no Nobel destacou sua “luta contra a opressão de crianças e jovens, e seu direito pela educação”.
O caso foi iniciado quando, ainda em 2018, Bolsonaro afirmou que, se vencesse a eleição, iria “botar um ponto final nos ativismos do Brasil”. Kailash Satyarthi, naquele momento, escreveu uma carta de apoio para Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), e demonstrando solidariedade aos defensores de direitos humanos. Para ele, Bolsonaro tinha a obrigação de cumprir tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Meio ano depois, Bolsonaro falaria explicitamente sobre o trabalho infantil, minimizando o fenômeno e defendendo que crianças trabalhem. Para isso, usou sua história como exemplo, contando que, “com nove, dez anos de idade”, colhia milho em uma fazenda na qual seu pai trabalhava no interior de São Paulo. “Não fui prejudicado em nada. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar tá cheio de gente aí ‘trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil’. Agora quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada”, afirmou. “Fiquem tranquilos que eu não vou apresentar nenhum projeto aqui para descriminalizar o trabalho infantil porque eu seria massacrado. Mas quero dizer que eu, meu irmão mais velho, uma irmã minha também, um pouco mais nova, com essa idade, oito, nove, dez, doze anos, trabalhava na fazenda. Trabalho duro”, disse o então presidente. Segundo o indiano, depois de avanços reais no combate ao trabalho infantil sob o governo de Lula (PT), a situação sofreu uma reviravolta nos anos de Bolsonaro. “Lula, durante sua presidência, provou que a erradicação do trabalho infantil não é apenas possível, mas está ao nosso alcance”, disse. “Portanto, programas como o Bolsa Escola e, depois, o Bolsa Família, eram imensos. E se tornaram um exemplo para o mundo. Sob a liderança de Lula, mudanças nas leis, fortalecimento de leis sobre trabalho escravo e trabalho infantil — e claro sobre fome e educação — ajudaram muito”, contou. “Mas infelizmente, um dia eu li nos jornais que Bolsonaro tinha dito que trabalho infantil era bom para socialização e que era necessário. Então, eu escrevi a ele uma carta. E também falei à imprensa que estava disposto a encontrá-lo”, lembrou. O indiano explicou o desafio que colocou ao então presidente brasileiro. Se você fot capaz de me convencer, estou pronto a abandonar meus 40 anos de luta contra o trabalho infantil e trabalho escravo. Mas, se eu for capaz de te convencer, então você terá de mudar de ideia e se unir ao movimento. Segundo o vencedor do prêmio Nobel, Bolsonaro jamais respondeu. Para ele, os desafios do Brasil hoje são maiores que no primeiro governo de Lula. “Medidas regressivas foram adotadas. O progresso que havia sido feito foi revertido. Mas agora isso é um grande desafio. Não é um desafio político. Mas muitas das coisas que Lula fez terão de ser feitos de novo”, lamentou.