Defesa de Bolsonaro mente ao TSE
Foto: Ricardo Moraes – 28.out.22/Reuters
Na ação que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível em razão de mentiras e distorções sobre o sistema eleitoral em encontro com embaixadores, a defesa do ex-presidente diz que não houve ilícito, mas se omite em demonstrar que as falas no evento teriam embasamento em evidências.
Entre outras afirmações já desmentidas (e ignoradas por seus advogados nas alegações finais do processo), Bolsonaro afirmou na ocasião que o próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse que os resultados de 2018 podem ter sido alterados e que não é a corte quem faz a contagem dos votos.
O discurso de Bolsonaro no evento é caracterizado pela defesa com expressões como “ponto de vista”, “dúvidas legítimas” e “tentativa de exposição de aprimoramento do processo eleitoral”.
Na ocasião, entretanto, Bolsonaro não disse que estava dando sua opinião. Pelo contrário, logo no início do evento, afirmou que basearia sua fala em uma investigação da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE.
“Tudo que vou falar aqui, está documentado, nada da minha cabeça”, disse aos embaixadores. “Tudo que eu falo aqui ou é conclusão da PF ou é diretamente informações prestadas pelo TSE”, completou.
“Nós não podemos enfrentar umas eleições sob o manto da desconfiança. Nós queremos ter a certeza de que, para quem o eleitor votou, o voto vai exatamente para aquela pessoa. O próprio TSE diz que em 2018 números podem ter sido alterados”, afirmou.
A apuração citada por Bolsonaro teve início em novembro de 2018 após o tribunal acionar a PF. Trechos desse mesmo inquérito tinham sido lidos por Bolsonaro quase um ano antes, em agosto de 2021, em entrevista à Rádio Jovem Pan e divulgados em suas redes sociais.
A Folha entrou em contato com a defesa de Bolsonaro questionando o motivo de a defesa não ter buscado demonstrar o embasamento das afirmações do então presidente na reunião com embaixadores, mas não obteve resposta até a publicação do texto.
Entre as provas inseridas na ação do TSE, mas sem acesso público, está o inquérito policial sobre o referido ataque hacker.
Nesta segunda-feira (26), após uma reunião com deputados do PL na Assembleia Legislativa de São Paulo, Bolsonaro disse “não ser justo falar em ataque à democracia” para descrever o encontro. Também se referiu a suas falas como “críticas ou sugestões de aperfeiçoamento do sistema eleitoral”.
O julgamento no TSE teve início na última quinta-feira e será retomado nesta terça (27), com o voto do relator, a partir das 19h.
Em seu parecer, o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, afirma que Bolsonaro descontextualizou as informações do inquérito da PF, ignorando contestações já feitas pelo próprio TSE sobre o assunto.
“Não houve alusão a essas contestações no discurso aos embaixadores, tendo sido apresentados como fatos certos o que eram especulações sem base idônea, sabidas inverdades ou conclusões desavindas do seu contexto”, diz.
Ainda em 2021, o tribunal divulgou nota em que afirmava que o ataque investigado “não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018”. Além disso, o delegado Victor Campos, até então responsável pela investigação, respondeu em depoimento não ter identificado nos autos qualquer elemento que permitisse afirmar que houve manipulação de votos ou fraude em qualquer eleição.
Também ao falar de transmissões de 2021, Gonet, do Ministério Público Eleitoral, diz que “a partir da ocorrência de um fato verdadeiro [houve um ataque de hacker ao TSE, embora desvinculado de finalidade eleitoral], o investigado extrai o que dele não se deduz”.
O parecer menciona que Bolsonaro fez menção a documento do então secretário de Tecnologia e Informação do TSE, Giuseppe Dutra Janino, com confirmação da ação do invasor, mas deixa de lado a ressalva feita por ele de que a invasão foi limitada, não atingindo o sistema de votação, apuração e totalização dos votos.
No discurso aos embaixadores, Bolsonaro também tirou de contexto e distorceu a fala de um servidor do TSE sobre as eleições de 2020, para afirmar que não seria a corte quem totaliza os votos. “Não é o TSE quem conta os votos, é uma empresa terceirizada. Acho que nem precisava continuar essa explanação aqui”, disse o então presidente.
A totalização dos resultados é realizada pela corte, assim como o desenvolvimento do sistema de totalização. A empresa Oracle é contratada para fornecer o servidor (supercomputador), que fica fisicamente no TSE, e o sistema de gerenciamento de bancos de dados, que é administrado por equipe do TSE.
“A afirmação de que uma empresa terceirizada faz a contagem dos votos é simplesmente falsa e somente compreensível num contexto de propósito de abalar a credibilidade do processo eleitoral”, escreveu Gonet em seu parecer.
Os advogados do ex-presidente sustentam que, na reunião, Bolsonaro “expôs, às claras, sem rodeios, em linguagem simples, fácil e acessível, em rede pública, quais seriam suas dúvidas e os pontos que –ao seu sentir– teriam potencial de comprometer a lisura do processo eleitoral”.
Também afirma que o então presidente “possui dúvidas legítimas acerca da segurança do processo eleitoral, fundamentadas em documentação que lhe foi entregue”, fazendo menção a relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre auditoria do processo eleitoral.
No capítulo das alegações finais que trata sobre a reunião com os embaixadores especificamente, essa é a única referência a documentação externa para buscar justificar a fala de Bolsonaro. O trecho citado, contudo, não tem relação com as afirmações de Bolsonaro apontadas como falsas ou descontextualizadas.
Já em um outro capítulo das alegações, a defesa aborda a entrevista à Jovem Pan e as outras duas lives de 2021 que foram adicionadas à ação por decisão do relator da ação no TSE, o corregedor-geral eleitoral Benedito Gonçalves.
A defesa rebate que tenha havido “divulgação de informação falsa”, mas se restringe a citar trecho de relatório do inquérito que, em resumo, reconhece a ocorrência do ataque hacker, sem dar sustentação contudo às conclusões e ilações que Bolsonaro faz a partir do episódio.