Lira cria crises para chantagear governo
Foto: Mauro Pimentel/AFP
Já era noite de quarta-feira quando Arthur Lira desceu do carro oficial na chapelaria do Congresso. A sessão havia sido aberta antes das dez da manhã, mas os deputados dependiam da chegada do chefão da Câmara.
Cercado por microfones, ele informou que havia uma “insatisfação generalizada” com o Planalto. Em seguida, ameaçou não votar a Medida Provisória que reestruturou o governo. “Não é uma matéria de vida ou morte para o país”, desdenhou.
Se a MP não fosse aprovada até ontem, a equipe de Lula seria dissolvida. Dezessete ministérios desapareceriam da noite para o dia. A Esplanada voltaria ao formato deixado por Jair Bolsonaro, que perdeu a eleição.
Pastas como Cultura e Povos Indígenas, prometidas na campanha, simplesmente deixariam de existir. “Se der certo, parabéns”, ironizou Lira, antes de dar as costas aos repórteres e entrar no elevador privativo.
O pupilo de Eduardo Cunha levou o clima de chantagem até o limite. Forçou o presidente a pedir arrego e abrir os cofres para o Centrão. Só na terça, o Planalto liberou R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares. Mesmo assim, suou frio até o fim da votação, que invadiu a madrugada de quinta-feira. “Foi doído, foi doloroso”, admitiria o líder do governo, José Guimarães.
Lira sabe como criar dificuldades para vender facilidades. Transformou a reorganização dos ministérios, que sempre foi um direito de quem vence a eleição, em mercadoria negociada a peso de ouro. Para evitar uma derrota humilhante, o governo teve que ceder os anéis — e ainda pode ser obrigado a entregar os dedos.
Aliados do chefão da Câmara sussurram uma extensa lista de desejos. Ele quer retomar o controle sobre o Orçamento, trocar o ministro das Relações Institucionais e derrubar o titular dos Transportes, filho de seu maior desafeto na política de Alagoas. De lambuja, aceita o Ministério da Saúde, que já havia tentado abocanhar na transição.
Lira fabricou uma crise para mostrar que mantém o Planalto como refém. Depois da votação da MP, renovou o estoque de ameaças. “Daqui para a frente, o governo vai ter que andar com suas próprias pernas”, avisou. Mas ele estará sempre por perto para alugar uma muleta.