
Lira prometeu “não sacanear” o governo
Foto: Sergio LIMA/AFP
A crise entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados atingiu o ápice nesta quarta-feira, em meio às negociações para a votação da MP que reestruturou a Esplanada dos Ministérios, aprovada apenas no fim da noite, seguindo para deliberação no Senado. O dia repleto de tensões teve direito a falas duras de Arthur Lira (PP-AL) sobre a articulação política do governo e a um recuo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um encontro presencial com o chefe da Casa Legislativa, após uma conversa entre os dois por telefone. O acirramento do clima em Brasília, no entanto, remonta a um período anterior até mesmo à posse de Lula em 1º de janeiro.
Os pontos de atrito entre Lira e Lula começaram semanas depois da vitória do petista no segundo turno. Nos bastidores, o deputado alagoano deixou claro o incômodo com o empenho do presidente eleito em articular o fim do orçamento secreto junto a ministros do Supremo Tribunal Federal, que acabou extinto pela Corte em dezembro. Ainda assim, o presidente da Câmara foi, no mesmo mês, fundamental para a aprovação da chamada PEC da Transição, que permitiu o aumento de gastos pelo governo federal em 2023.
As rusgas prosseguiram na formação do ministério, entre dezembro e janeiro. Aliado de Lira, Elmar Nascimento (União-BA) era favorito para a Integração Nacional, mas foi preterido em cima da hora por Waldez Góes (PDT-AP), indicado por Davi Alcolumbre (União-AP).
Além de ter ficado sem nenhuma nomeação no primeiro escalão, Lira amargou uma derrota dobrada na primeira semana de governo. Renan Filho (MDB-AL), herdeiro de seu ferrenho adversário estadual Renan Calheiros (MDB-AL), ficou com o Ministério dos Transportes, pasta considerada um trunfo político por sua capilaridade e grande poder de realização.
Em janeiro, na véspera da eleição na Câmara — em que acabou mantido no posto com apoio do PT —, Lira afirmou que tinha uma “relação tranquila e amistosa” com Lula. Ainda assim, após lembrar o fim do orçamento secreto, ele advertiu que o governo “perdeu metade da mobilidade” e que teria “muito mais trabalho” para compor uma base no Congresso.
Após uma curta trégua, Lira iniciou, em março, uma série de críticas à articulação política do Planalto, que, segundo ele, não tinha à altura votos “para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”. O presidente da Câmara também afirmou que algumas declarações de Lula “só pioram o ambiente”.
No fim de abril, em entrevista ao GLOBO, Lira reclamou de um excesso de centralização nas negociações palacianas com o Congresso. Sobre acenos do Planalto, que havia mantidos parentes seus em cargos na Codevasf e no Incra, retrucou: “E eu também não tenho gestos para o governo?” Lira chegou a assegurar, na ocasião, que “não iria sacanear” a gestão petista.
Nesta quinta-feira, enquanto ameaçava sequer colocar para votação a MP dos ministérios, Lira deu uma declaração repleta de recados endereçados a Lula, com quem havia conversado ao telefone mais cedo. Chegou a circular a informação de que os dois conversariam pessoalmente, o que acabou não ocorrendo — segundo Lira, não houve retorno do Planalto neste sentido.
Em uma tentativa de demonstrar força política, o presidente da Câmara lembrou, durante a fala, que foi eleito para comandar a Casa com uma adesão recorde e apoio de diferentes correntes, da esquerda à direita. Ele voltou a criticar as dificuldades do Planalto no trato junto ao Congresso:
— O presidente da Câmara ajuda, mas ele não é líder do governo ou da oposição. Sou o presidente que mais teve votos de todas as vertentes. Venho alertando o governo dessa falta de pragmatismo. Há falta de consideração, de atendimento.